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·26 de maio de 2020
Futfobia: o medo de voltar a jogar futebol

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·26 de maio de 2020
De acordo com a ciência, Fobia é um tipo de “perturbação” causada pela ansiedade, medo ou aversão persistente a algum objeto ou situação. Os afetados lutam para evitar e até superar tal situação ou objeto, mas, às vezes, não é possível e acontece de ter certa aflição, sinais de desespero e, em determinadas fobias, até ataques de pânico. Assim, a coluna Dicionário do Futebol visa explicar o termo Futfobia, que nada mais é do que o medo de voltar a jogar futebol.
Tal fobia, não comprovada pela ciência, fora notada pelo jornalista esportivo Eric Filardi, que vos escreve, durante o período em que esteve lesionado e deixou de lado as atividades do futebol de domingo. Porém, após sua recuperação, teve certo receio de lesionar-se novamente. Na ocasião, havia rompido os ligamentos do tornozelo e quando pensava em voltar a jogar, mesmo que de maneira amadora, revia a cena de sua lesão e fora adiando o retorno. Isso posto, resolveu fazer uma pesquisa e notou que muitos atletas, amadores ou profissionais, tem o mesmo “transtorno” quando tentam voltar pós-lesão.
Há outros atletas que voltam a jogar de maneira profissional, mas nunca da mesma maneira pós-lesão. Uns não dividem bola com o adversário de cabeça, outros evitam o choque e por aí vai. É natural o medo na hora de retornar, mas, às vezes, ele se torna permanente. Por outro lado, ainda há aqueles “jogadores” ruins de bola, que não tem noção nenhuma, mas que se aventuraram a jogar com os amigos, muitas vezes por insistência ou para “completar o time”. Aí, quando levam muitos dribles, canetas, chapéus e ainda ouvem xingamentos, pegam Futfobia.
Futfobia é uma junção do prefixo Fut (abreviação de Futebol) + Fobia (medo). Tal fobia não fora “descoberta” de imediato. Como não havia se lesionado antes, demorou a perceber tal transtorno. Mas já havia reparado em alguns atletas e até em sua infância, com amigos que não queriam, de forma alguma, jogar futebol novamente, pelo fato de ser “perna de pau” ou “pereba”. Apesar de às vezes ser engraçado, isto pode ser um sério transtorno.
O sentimento de incapacidade toma conta, o medo de errar é constante e a ansiedade é um forte fator negativo para o desempenho do atleta (ou aspirante). Como dito anteriormente, pode fazer com que o jogador “tire o pé” de uma dividida. A também o medo de levar um xingamento, pontapé, pressão do rival, enfim, o medo do julgamento é gigantesco. Quem joga futebol sabe que a resenha, a brincadeira, zoação, “faz parte” do jogo, felizmente para uns e terror para outros. Porém, o sintoma maior é perder a alegria de jogar futebol.
Por mais que errar faça parte do processo do esporte em si, ninguém quer cometê-lo e fazê-lo é demérito para os julgadores, sejam estes parceiros de equipe, técnicos e/ou torcida. Quando o futebol torna-se um peso, um fardo a se carregar, é onde começa o problema. Muitos atletas quando param de jogar bola contam que não assistem mais ao esporte, muito provavelmente pela excessiva cobrança que tinha quando jogava.
O meia inglês Ryan Mason, em fevereiro de 2018, resolveu anunciar a aposentadoria do futebol aos 26 anos. Cerca de um ano antes, o jogador defendia o Hull City quando sofreu um choque violento de cabeça em jogo contra o Chelsea e teve uma fratura no crânio. Mason ficou cerca de oito dias internado, passou por cirurgia e esteve entre a vida e a morte. Recuperado, optou por seguir as orientações médicas e preservar a própria saúde.
O medo de voltar a jogar e acontecer algo semelhante é grande. É comum ver jogadores que não são os mesmos após lesões. Ótimos exemplos são: Paulo Henrique Ganso, Alexandre Pato, Nilmar, Wellington Nem e Lenny. A maioria deles iniciou a carreira voando, surpreendo o mundo do futebol, mas suas sérias lesões “diminuíram” um pouco de seu talento. Portanto, seja físico ou psicológico, há uma Futfobia em diversos atletas.
A Futfobia também atinge lendas, como o craque francês Just Fontaine, maior artilheiro de uma mesma edição de Copa do Mundo (1958) com 13 gols, que encerrou sua carreira precocemente pelo medo de ter problemas graves na perna. O atleta sofreu uma fratura dupla na tíbia e fíbula após uma entrada atrasada de um jogador do Sochaux em março de 1960. Fontaine conseguiu voltar a jogar, apesar de não ter uma medicina moderna à época, mas nunca mais foi o mesmo. No começo de 1961, a perna do atacante cedeu novamente, fazendo com que anunciasse o fim da carreira em meados de 1962, antes de completar 28 anos.
O brasileiro Tostão, ídolo do Cruzeiro e da Seleção, também deixou o futebol de forma prematura. Em 1º de agosto de 1969, num amistoso contra o Millonarios, da Colômbia, não conseguiu evitar o choque com o zagueiro Castaños e machucou o olho esquerdo. O grande problema foi que, pouco tempo depois, em 24 de setembro, sofreu um deslocamento de retina. O motivo foi uma bolada do zagueiro Ditão, por puro azar, pelo Brasileiro, frente ao Corinthians, no mesmo olho esquerdo.
Foi submetido a uma cirurgia em 2 de outubro de 1969, nos Estados Unidos, e se recuperou a tempo de jogar e conquistar o tricampeonato mundial em 1970. Mesmo com o olho incomodando, jogou mais três temporada, mas se aposentou aos 26 anos, em 1973, em decorrência de novos problemas na retina e com o medo de uma piora.
Por fim, Marco Van Basten, um dos maiores atacantes que o mundo viu, também se aposentou precocemente aos 28 anos (apesar de tentar voltar até os 31 anos). O holandês teve graves lesões nos tornozelos, vítimas de pancadas e cirurgias mal sucedidas. Chegou a ter cartilagem oferecida por um torcedor para que retornasse 100% aos gramados. Mas, a única solução seria colocar próteses, o que já o impediria de caminhar normalmente. Mesmo com muita vontade, o medo da piora o fez desistir.
Assim, com apenas 30 anos, esforçando-se para não chorar, deu, vestido à paisana, uma volta olímpica no San Siro, para despedir-se dos torcedores do Milan. Impossível não segurar às lágrimas com essa história. Comoveu até o durão então técnico do clube à época, Fabio Capello, que não conseguiu conter as lágrimas. O então presidente do Milan, Adriano Galliani, declarou ter “perdido seu Leonardo da Vinci”. Seu sucessor como artilheiro ali, o liberiano George Weah, faria questão de enfatizar: “Todo mundo, inclusive eu, quer ser como Van Basten”.
Foto destaque: Reprodução/Getty Images