Ep. 14 | Ricardo Nunes: «O Villas-Boas era frontal e direto, estava muito à frente» | OneFootball

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·1 de mayo de 2024

Ep. 14 | Ricardo Nunes: «O Villas-Boas era frontal e direto, estava muito à frente»

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Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que marcaram gerações. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

O nosso convidado terminou a carreira a jogar no terceiro escalão do futebol português, mas foi na primeira liga que fez mais jogos. Terminou em casa e nunca saiu de Portugal. Da sua baliza viveu jogos emblemáticos e celebrou uma conquista épica. Um campeão em toda a linha, dentro e fora do campo, mesmo quando o jogo da vida lhe colocou um enorme adversário pela frente.

zerozero: Ricardo Nunes, com estas dicas descobria que jogador era este?


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Ricardo Nunes: Acho que chegava. Há algumas palavras nessa descrição que me identificam na perfeição e por isso seria fácil descobrir o jogador. Penso que as pessoas vão chegar lá, até porque terminei a carreira na Liga 3, em casa. O meu problema de saúde foi muito falado, muito mediático, além da questão de ter vivido um momento fantástico, que foi a conquista da Taça de Portugal pela Académica, a minha Briosa. Penso que vai ser fácil as pessoas descobrirem.

zz: Terminou a carreira sem terminar a época. Foi a 7 de abril, depois do jogo contra o Lusitânia de Lourosa. Todas as pessoas já sabiam? Aquele discurso final foi emblemático e viral. Toda a gente já sabia ou foi apenas programado por si e pelo grupo de trabalho?

RN: Foi programado por mim e pela equipa. A decisão já estava tomada e no final da temporada ia sempre acontecer o fim da minha carreira, mas a partir do momento em que tomei a decisão de me candidatar às eleições do Varzim, achei que seria o momento ideal para sair. Logicamente os resultados desportivos colocaram-nos longe de subir de divisão e em conversa com o mister Vítor Paneira decidimos que o melhor seria sair para preparar a minha equipa para as eleições. A juntar a isso, pelo facto de atravessarmos uma grave crise financeira, eu como capitão de equipa, não fazia sentido estar a defender os interesses dos meus colegas e saber que ia passar para o lado diretivo. Isso estava a fazer-me muita confusão, não poderia ter a desonestidade para com os meus colegas e, por isso, eu e o mister decidimos comunicar ao grupo que iria ser o meu último jogo, que eu me iria me candidatar às eleições e por isso a responsabilidade dos direitos do grupo teria de passar para outro capitão. Por isso terminei a carreira no jogo com o Lourosa, num jogo em casa, pois era assim que eu queria, perante os meus adeptos.

zz: Custa menos, quando se programa assim uma saída?

RN: Custa sempre, mas como as coisas estão bem resolvidas, custa muito menos. Já estava mentalizado que as coisas teriam de acabar um dia.

zz: Tem 41 anos.

RN: Exatamente. Se fosse uma questão abrupta de uma lesão, ou de uma situação em que não arranjava clube, ou não me identificava com os projetos que tinha em mãos para continuar, seria uma decisão mais difícil. Quando as coisas estão planeadas e tenho uma longa carreira custa menos, apesar de custar sempre.

zz: Nesta fase já sente falta do treino?

RN: Confesso que o treino já era uma coisa que me estava a cansar mentalmente. Adoro o jogo, adoro competir, adoro essa adrenalina, disso sinto falta. Dos treinos já estava a ficar um bocado cansado. Tenho saudade do dia de jogo e da competição.

zz: Mas a saturação do treino está relacionada com o facto de já ter decidido que seria o último ano?

RN: Quando sentimos que está a terminar, queremos que as coisas cheguem rápido. Nesta idade já não estás a evoluir, estás a treinar para não perder faculdades e isso já não é tão motivante. Foi o momento ideal, pois tudo tem o seu limite e eu já estava no limite no capítulo do treino.

zz: Só podia ser futebolista?

RN: Verdade. É uma família ligada ao futebol. O meu tio Dias Graça foi guarda-redes do Benfica, o meu pai foi jogador. É uma família ligada ao futebol profissional. O meu primo Neto, o meu primo Francisco Ramos.

zz: Foi parar ao futebol de forma natural?

RN: Sim, eu olhava para a profissão do meu pai com grande entusiasmo. Em casa o futebol esteve sempre muito presente, era impossível eu e o meu irmão não falarmos sobre futebol, por ser a profissão do pai. Desde pequenino que comecei a jogar.

zz: No zerozero temos a época 92/93, mas deve ter sido antes.

RN: Foi mesmo. Com oito anos já estava a jogar. Entrei no Varzim pela mão do meu pai e a minha história começou nessa altura.

zz: Mas foi logo para a baliza.

RN: Não. Comecei a jogar à frente, mas um dia o pai do Bruno Alves e do Geraldo, o Washington, que era o meu treinador, convidou-me para ir para a baliza. Disse para eu ir à rouparia apanhar umas calças e umas luvas, pois os treinos eram naqueles peladões bem castigados... Custava muito ir ao chão, chegávamos a casa esfarrapados, pois caímos sempre em cimento. Achei aquilo aliciante, gostei e nunca mais saí da baliza.

zz: E nasceu um guarda-redes.

RN: Sim, mas a minha formação foi muito intermitente, pois eu era muito rebelde na escola e os meus pais colocaram-me várias vezes de castigo. A coisa que mais gostava era jogar futebol, fui proibido por eles várias vezes de ir treinar, por causa das asneiras na escola. Também confesso que nunca fui uma grande promessa e um jogador com muito potencial que eles pudessem ver que eu iria ser jogador de futebol...

zz: Mas acha que se mostrasse essas habilidades, os seus pais não o colocavam de castigo?

RN: Eles se calhar pensavam que eu não tinha grande qualidade e castigavam-me, por causa das minhas performances da escola, e tiravam aquilo que eu mais gostava. Nós sabemos, normalmente, quem são os jogadores com mais potencial e quais os jogadores que o Varzim sinalizava com maior potencial e esses eram os que jogavam a titular. Eu quase em nenhum escalão da formação fui o guarda-redes titular, só por aí, diria que ia ser uma segunda opção. Havia guarda-redes que estavam num patamar diferente, até porque a minha presença era intermitente. A juntar a tudo isto, na formação, naquele tempo, o treino específico do guarda-redes quase não existia. Era tudo muito intrínseco.

zz: Como foi ganhando essas habilidades?

RN: Eu dei um salto na minha evolução e isso deixou muita gente admirada, quando estive no Fradelos, depois de ter terminado a minha formação no Varzim. Essa história é curiosa, tive um grupo de amigos que me convidou para participar num torneio de futebol de praia nesse verão, na Póvoa de Varzim. A minha ideia era abandonar o futebol, pois já trabalhava na Marina da Póvoa, mas graças ao desafio deles as coisas mudaram. Nesse torneio estava o Washington e no fim da prova ele convidou-me para ir jogar para o Fradelos nessa época. Era um clube que aproveitava os dispensados da formação do Varzim e como o mister Washington estava por perto, conhecia os jogadores e foi um período fantástico. As coisas correram muito bem, joguei muito tempo, foram duas épocas completas.

zz: Estamos a falar da distrital.

RN: Sim, distrital de Braga. Subimos de divisão no primeiro ano e no segundo houve uns problemas financeiros e viemos todos embora. Foi nessa altura que o Varzim me resgatou.

zz: Nesse torneio de futebol de praia joga com o Bruno Torres?

RN: Verdade e também joguei com ele no Fradelos. Eu conheço o Torres desde infância e o percurso dele foi idêntico ao meu: jogou futebol no Varzim, começou a jogar futebol de praia nesse torneios e depois também foi aproveitado pelo Fradelos. Depois, o Torres deixou o futebol e apostou exclusivamente ao futebol de praia e ainda bem que assim foi, pois fez uma fantástica carreira.

zz: É engraçado dizer isso, porque atualmente é difícil vermos um jogador profissional a jogar futebol de praia nos tempos de férias, até porque podem colocar a carreira em risco.

RN: Mas isso aconteceu comigo, é uma história caricata. Eu fiquei com uma gratidão tão grande ao futebol de praia, que numa das temporadas em que tinha regressado ao Varzim, e ainda era terceiro guarda-redes, fui novamente convidado para entrar num torneio de futebol de praia, mas para representar o FC Porto, com esse grupo de amigos. Eu, com a minha inocência da juventude, disse logo que sim. Pensei que ninguém ia saber e que não ia haver mediatismo nenhum, mas fomos à final e houve transmissão em direto na RTP2. Isso foi a um domingo e a pré-temporada no Varzim começaria no dia seguinte. Ganhámos, fomos campeões, fui considerado o melhor guarda-redes e no dia seguinte apresento-me no estádio para ir para a estágio com a equipa do Varzim, para Fão, Ofir. O treinador chamou-me e disse que eu iria ficar de castigo, pois tinha um contrato com o Varzim e não poderia representar outra entidade, noutra modalidade, pois era um profissional de futebol. Tive de cumprir aquela semana de castigo, fiquei a chorar, mas deu para aprender.

zz: Esteve muito tempo no Varzim e teve de conquistar o seu lugar: quando sentiu que o lugar ia ser seu?

RN: É engraçado que na minha carreira foi sempre assim, parti sempre atrás. Tudo o que conquistei foi com muito sacrifício, com muito trabalho, com muita crença e no Varzim foi assim.

zz: Mas lembra-se quando foi?

RN: Sim, eu já me tinha estreado, pois os treinadores rodavam a baliza a dois ou três jogos do fim, quando as coisas já estavam resolvidas, para ver como estava a minha evolução em jogo. As coisas corriam bem e houve um ano, precisamente no ano em que fui castigado por causa do futebol de praia, comecei como terceiro guarda-redes e o Varzim contratou um guarda-redes sérvio, que era o Saric, e depois havia o Rui Barbosa, que agora é treinador de guarda-redes do Nuno Espírito Santo. As coisas não correram bem ao Saric nas primeiras jornadas, o Rui Barbosa assumiu a baliza, mas lesionou-se gravemente e as opções seriam voltar o Saric ou optar por mim. O treinador Horácio Gonçalves deu-me a titularidade, apostou em mim, eu correspondi às expetativas e nunca mais perdi o lugar, tirando alguma pequena lesão. A partir desse momento comecei a ganhar o meu estatuto.

zz: Mas sentia que quando tivesse oportunidade não iria deixá-la escapar?

RN: Eu trabalhava diariamente para isso e as pessoas que trabalhavam comigo falavam sobre a evolução que ia tendo ao longo dos tempos. Eu senti muitas dificuldades quando cheguei ao futebol profissional, depois daqueles anos a trabalhar no pelado na distrital.

zz: É nesse período apenas, no Varzim, que tem o primeiro treinador de guarda-redes.

RN: Sim, além de ter sido nesse período que senti a exigência de ser profissional de futebol. A bola batia na relva e ganhava uma velocidade diferente, os jogadores tinham muito mais qualidade e por vezes sentia que as pessoas olhavam para mim de lado, como se não tivesse jeito para estar na baliza. A título de exemplo, havia jogos de três equipas e ninguém queria ser da minha equipa, porque perdiam quase sempre. Mas fui crescendo a cada ano, até depois de ter tido a oportunidade que tive.

zz: Como foi para a Académica?

RN: O Manuel Machado era o treinador da Académica, quando cheguei. Entrei pela mão do presidente José Eduardo Simões e do diretor desportivo, o engenheiro Luís Agostinho, foram eles que entraram em contacto comigo. Eu tinha tido uma época bem conseguida no Varzim, tínhamos eliminado o Benfica da Taça de Portugal, fiz uma época muito boa na baliza. A Académica ficou interessada em mim, tal como o Belenenses de Jorge Jesus, mas a Académica foi quem conseguiu chegar a acordo com o Varzim e comigo foi fácil.

zz: Mais um passo na sua carreira...

RN: Certo e mais uma fase de crescimento e adaptação. Era uma realidade completamente diferente, saí da minha zona de conforte e da Póvoa de Varzim, onde estava completamente protegido e era visto como o menino da casa. Em Coimbra apanhei uma realidade completamente diferente.

zz: Tinha noção que podia não ser titular?

RN: Claro que sim. Eu lutava com o Pedro Roma que era um símbolo do clube, ali era ele o menino querido. Ele tinha muita moral, mas as pessoas também olhavam para mim como um guarda-redes de futuro e sabia que tinha de lutar pelo meu espaço. No primeiro ano não correu nada bem.

zz: Só fez um jogo.

RN: Foi contra o Benfica e correu muito mal, foi horrível. Se calhar foi o pior jogo da minha carreira. Ter a minha estreia na Briosa com aquele cartão de visita, pensei logo que nunca mais iria ter hipótese.

zz: A esta distância consegue avaliar esse jogo menos conseguido?

RN: Pensei que estava preparado, mas afinal não estava. Senti uma pressão muito grande em ter de substituir um guarda-redes como o Pedro Roma e ao mesmo tempo ter de lidar com as interrogações dos adeptos, por ser uma aposta num jogo daquela dimensão. As coisas correram mal, lesionei-me e foi uma época para esquecer, mas é aí que aparece a resiliência e a luta de batalhar pelo meu objetivo.

zz: Partiu de quem o empréstimo à União de Leiria?

RN: Da Académica, porque achava que eu não teria espaço no clube e aquele empréstimo me ia fazer bem. Eu também senti o mesmo, até porque era um projeto de subida de divisão claro, a equipa que se construiu era para isso. Contactaram-me a dizer que queriam que eu fizesse parte dessa equipa, falei com o meu empresário e sentimos que ia ser o melhor para a minha carreira: dar um passo atrás, para dar dois à frente. Ainda bem que tomei essa decisão, pois as coisas correram bem.

zz: Mas não pegou de estaca.

RN: Pois não, o Fernando Prass era um guarda-redes excelente, mas era um guarda-redes muito caro para a realidade da U. Leiria na segunda liga. As informações que me deram, quando me convidaram a ir para Leiria, eram de que o Fernando Prass ia embora, pois não havia condições para ele continuar, mas o Fernando não saiu e ficou até dezembro em Leiria. Nessa metade da temporada, não fiz nenhum jogo e tive de me aguentar. Não era aquilo que previa para o meu empréstimo, mas trabalhei sempre muito para estar pronto quando surgisse a minha oportunidade.

zz: Viria embora se ele não saísse?

RN: Já estava programado isso. Se ele continuasse em Leiria, eu viria embora, não fazia sentido continuar emprestado sem jogar. Já estava a procurar outra solução, pois tinha de mostrar o meu valor. Até que em Leiria conseguiram resolver a situação do Fernando Prass. Ao virar a primeira volta, a U. Leiria estava em zona de descida, mas na segunda volta fomos incríveis e subimos de divisão. Assumi a baliza quando o Fernando foi embora e terminei a época em grande. Depois disso regressei a Coimbra e à Briosa, com o estatuto de ter subido a U. Leiria.

zz: Quase todos os jogadores que passam pelo Ponto Final têm uma memória fabulosa: lembra-se de quase tudo da sua carreira?

RN: Quase tudo. Lembro-me de resultados, momentos bons, menos bons, jogadores, staff, datas...

zz: Mesmo passando tanta gente pelas equipas.

RN: Sim, não me esqueço de ninguém. Quando regressei a Coimbra o treinador era o Rogério Gonçalves foi embora entrou o André Villas-Boas.

zz: Mas dividiu muito a baliza com o Rui Nereu.

RN: Eu tive muitas lesões, tive uma lesão numa zona chata e tive várias recaídas sempre que voltava. Mas terminei a época a jogar com o André Villas-Boas e conseguimos a manutenção, praticamente na última jornada.

zz: Como era o André Villas-Boas como treinador?

RN: O André Villas-Boas sempre foi uma lufada de ar fresco, em relação ao que estávamos habituados a ter. Veio com ideias completamente novas, a liderança foi disruptiva, era aberta, muito amiga do jogador, um treinador muito interventivo, frontal... Para nós era uma incógnita, mas passou a ser uma certeza. Quando começámos a trabalhar com ele os resultados e as exibições subiram para um patamar que despertou logo o interesse do Sporting e do FC Porto, logo.

zz: Mas isso prende-se com o facto dele estar próximo da idade dos jogadores? Na altura quando treinou a Académica tinha 33 anos...

RN: São vários fatores: a idade, mas também a experiência que ganhou durante o período em que esteve na equipa técnica do José Mourinho. Trabalhou com ele muitos anos, de certeza que absorveu muito da sua liderança, mas também as suas qualidades enquanto líder, que estiveram sempre muito vincados.

zz: Mas no que concerne ao planeamento de jogo, notavam que era mais fácil de compreender?

RN: Não é que fosse mais fácil, mas ele passava melhor a mensagem. Uma coisa importante do treinador é conseguir agregar bem os que jogam, mas principalmente aqueles que não jogam, ser uma pessoa frontal e direta com toda a gente. Nesse aspeto, o André Villas-Boas estava muito à frente. Ele sempre conseguiu manter o grupo motivado, mesmo aqueles que não jogavam, o nível exibicional, os treinos, eram muito apelativos, muito diferentes do estilo que estávamos habituados, além da liderança dele. Ele era muito interventivo nos treinos, dizia que o jogador português funciona pelo berro, porque diz que se o jogador estiver sempre a ser alimentado com feedbacks positivos rende muito mais. Ele dizia que devorava uma caixa de Halls durante o treino, porque ficava sem voz de tanto estar a motivar os jogadores e a falar com eles. O André Villas-Boas dizia que em Inglaterra ou Itália não acontecia nada daquilo, esses jogadores já iam para o treino com o nível elevado, mas o jogador português precisava desse carinho para render mais e o treinador tirar mais partido do treino.

zz: É mito, verdade ou lenda, a história dele pagar a um taxista para trazer o seu cartão de cidadão?

RN: É verdade. Essa história foi incrível. Íamos jogar à Madeira e eu fazia transporte para Coimbra com o Pedrinho: numa semana levava eu o carro, na outra semana era ele. Nesse dia foi a vez do Pedrinho levar o carro. Eu tinha sempre a minha carteira, com os meus documentos dentro do meu carro, mas como fui no carro dele, não me lembrei que tinha de levar a minha carteira, para levar o meu cartão de cidadão. Já estávamos em Vila Franca de Xira para almoçar, o diretor técnico veio ter como os jogadores, como era habitual, pedir os documentos, pois já ia para o aeroporto, fazer o check-in da equipa. Ele pediu-me o cartão de cidadão, vou aos bolsos da roupa e percebi que me tinha esquecido da identificação. Fui falar com o André Villas-Boas a explicar o problema, ele mandou-me ligar ao meu pai e pediu que ele colocasse o cartão de cidadão num táxi, para o táxi vir ter connosco e que pagaria a viagem do táxi entre a Póvoa de Varzim e Lisboa. E assim foi. O táxi ainda demorou algum tempo (risos)...

zz: Mais de três horas...

RN: Tivemos de atrasar um bocado, mas as coisas resolveram-se. Fico eternamente grato ao mister André Villas-Boas por esse favor.

zz: Não sabe o valor?

RN: Não faço a mínima ideia, mas foi ele que assumiu.

zz: Deve ter sido um bocado alto.

RN: Deve ter sido (risos).

zz: O André Villas-Boas saiu para o FC Porto e depois uma temporada em Coimbra com três treinadores: Jorge Costa, José Guilherme e Ulisses Morais. Não teve, nessa altura, regularidade de baliza por culpa das lesões?

RN: Por culpa das lesões e nesse ano a Académica tinha contratado o Peiser, por causa das várias lesões que eu tinha. Mais uma vez, tive de lutar pelo meu espaço e trabalhar. Nessa época não tive quase oportunidades.

zz: Isso desiludia-o?

RN: Sim, mas não me tirava a motivação. Eu sabia que tinha valor, que tinha qualidade. Eu sabia que iria ter sucesso por onde passasse, pois já tinha conseguido no Varzim, no Leiria e também iria conseguir na Académica. Eu sabia que ia conseguir demonstrar a minha qualidade às pessoas e que as pessoas iriam perceber que eu era um bom profissional. Isso estava sempre na minha cabeça.

zz: Acredito que o guarda-redes seja formatado nesse capítulo, pois só um guarda-redes pode ser escolhido, mas há mais consciência do guarda-redes de saber que só um é que pode jogar?

RN: Claro. Tudo isto não foi só demérito meu. Do outro lado também há um colega que mostra o seu trabalho e o Peiser fez uma grande temporada.

zz: Mas sair nunca foi hipótese por pensar que seria um facilitismo?

RN: Só no empréstimo, porque eu achei que era o melhor para mim, porque não ia ter espaço e nesse ano em que eu estava em final de contrato com a Académica. Mas entrou o Pedro Emanuel e ele quis que o clube renovasse comigo, pois todas as informações que tinha sobre mim eram boas. Essas palavras deram-me algum conforto e motivação para poder ficar. Mesmo tendo o Peiser, era o treinador a dizer que iria olhar para mim de outra forma. Eu sabia que teria de esperar pela minha oportunidade, mas depois de ouvir isso, renovei por três anos pela Académica.

zz: Só jogou praticamente na Taça, mas é o ano da Taça.

RN: Sim. O Peiser começou a titular, esteve muito bem. Eu fui jogando na Taça de Portugal e fui conquistando o meu espaço. Aproveitei todas as oportunidades que me deram e o treinador sentiu isso, que eu era um guarda-redes credível.

zz: Entrou a duas jornadas do fim para se preparar para a Taça, ou porque era necessário haver uma mudança na baliza?

RN: Essa temporada foi muito atípica. Fizemos uma primeira volta muito boa, com um futebol atrativo, com bons resultados e depois fizemos uma segunda volta onde quase descemos. Já estava programado que eu iria jogar os últimos dois jogos do campeonato, se tivéssemos a manutenção garantida. O objetivo era preparar a final da Taça de Portugal. Mas o mister Pedro Emanuel começou a sentir a necessidade de trocar de guarda-redes cinco jogos antes, pois havia a necessidade de mudar alguma coisa. Eu não sou apologista disso, pois já sofri algumas vezes na pele com isso, mas naquela altura assumi a baliza, depois de termos perdido em Alvalade e termos entrado em zona de descida. Nessa altura, o Pedro Emanuel manteve a decisão de eu jogar nesses jogos antes da Taça de Portugal, mas também por achar que era necessário alguma coisa diferente. Tivemos dois jogos, ganhámos ao Setúbal em casa e ao Vitória, em Guimarães. Essa época para mim acaba em sonho, pois faço as duas últimas jornadas, ganhámos os dois jogos, conseguimos a manutenção e depois ganhámos a Taça de Portugal, no Jamor. Fiz o percurso todo da Taça, ganhámos a Taça e entrámos diretos na fase de grupos da Liga Europa. Foi uma época com muitas dúvidas e tornou-se na minha época de lançamento.

zz: Ainda se belisca para perceber se a conquista da Taça é real?

RN: Sim. Nem nos meus melhores sonhos pensava que isso acontecesse: conquistar uma Taça de Portugal, principalmente num clube com a dimensão da Académica. Não que estivesse em causa a dimensão da Académica, mas pela dificuldade dos clubes que não são grandes conseguirem conquistar um título. É muito difícil, ainda por cima com o formato atual.

zz: Na final é mesmo 50/50, é desfrutar ou é o pensamento de que não há nada a perder?

RN: Foi mesmo sentir que não tínhamos nada a perder. Nós éramos a Académica, toda a gente metia o Sporting como o grande favorito. Queríamos desfrutar de toda a envolvência em torno do jogo, aquela semana é especial, ouvíamos as notícias sobre a expressão de adeptos que íamos ter no estádio. Aquela vivência foi única em toda a minha vida.

zz: Maio é um mês icónico em Coimbra, por causa da Queima das Fitas, e colocar uma Taça de Portugal... Imaginamos como terá ficado a cidade...

RN: Só visto. Aquela receção que tivemos depois da conquista foi uma coisa épica. Nunca tinha vivido uma coisa assim, andámos num autocarro panorâmico a cidade toda, com as ruas completamente a abarrotar, tudo a festejar: estudantes, cidadãos... Saiu toda a gente à rua, a receção na câmara municipal foi inolvidável, são momentos que nunca mais vou esquecer... Nem sabia que Coimbra tinha tanta gente.

zz: Qual é a primeira lembrança que tem desse jogo?

RN: Um vídeo motivacional que recebemos das nossas famílias. Foi a primeira vez que isso me aconteceu. Numa reunião antes do jogo, o mister Pedro Emanuel passou um vídeo com as famílias de todos os jogadores a falarem e a enviarem uma mensagem de força, de coragem e de esperança. Vieram logo as lágrimas aos olhos, porque a adrenalina está no seu ponto alto e não deu para travar. Foi um momento de união e que nos deu uma força extra para conseguir encarar o jogo. Foi um momento marcante, ver toda a gente com as lágrimas nos olhos e falarmos de que iriamos conseguir. Foi a primeira vez, na minha carreira, que tive um vídeo daqueles. O primeiro é sempre especial, ainda por cima conseguimos ganhar.

zz: Esse grupo ainda se encontra?

RN: Só nos campos, mas ficou o carinho e o respeito. Quando passámos por um momento destes nunca nos esquecemos de ninguém. Ainda tenho contacto com quase todos: seja por jogarmos uns contra os outros, seja porque nos vemos nos estádios, seja a falar no whatsapp. O carinho e o reconhecimento é global e vou abraçar seja quem for dessa equipa e recordar esses momentos, sempre que vir algum colega.

zz: Quando o Marinho marcou deu para festejar muito ou era preciso conter?

RN: Era preciso ter calma, ainda tínhamos 87 minutos pela frente, a jogar contra um grande, nada estava conquistado.

zz: Festejou mais aquela defesa a terminar?

RN: Muito mais, porque foi quase a terminar o jogo e achei que foi um momento mais decisivo e depois, logicamente, quando o árbitro apitou. Aí só queríamos celebrar com os nossos adeptos e levar a taça para Coimbra. Subir aquelas escadas, receber a taça pela mão do Presidente da República é algo que só vemos pela televisão, é um sonho, e conseguir isso foi um sentimento único. São momentos que nunca vou esquecer.

zz: A partir desse momento atingiu uma estabilidade de carreira. As lesões foram praticamente embora.

RN: Sim, depois também comecei a tratar-me melhor, a cuidar mais de mim e do meu corpo e os resultados começaram a aparecer. Os anos seguintes na Académica foram sempre a crescer.

zz: Jogar a Liga Europa como foi? Aquele jogo em casa contra o Atlético de Madrid deve ter sido especial.

RN: Sem dúvida. Só a experiência de poder jogar a Liga Europa, passar logo para a fase de grupos...

zz: E com a Académica.

RN: Foi muito bom, foi uma experiência fantástica. Ainda conseguimos alguns feitos históricos nessa fase de grupos.

zz: Venceram o Atlético de Madrid em Coimbra.

RN: Correto. Não fomos os bombos da festa e terminámos em terceiro lugar a fase de grupos, a morder os calcanhares ao Plzen, foi só por uma questão de pormenor que não passamos à fase seguinte.

zz: Depois começa a trabalhar com o Sérgio Conceição. Era o treinador que vê agora?

RN: Igualzinho. Nada mudou. É o ADN dele, a maneira dele trabalhar. Eu devo muito ao Sérgio Conceição, foi com ele que fiz a melhor época da minha carreira. É um treinador exigente. Exige do jogador, mas exige dele também. É um treinador que coloca as expetativas muito altas, para ele a palavra derrota não pode existir e é um treinador exigente com o profissionalismo e a dedicação dos seus atletas, quer seja ao nível da nutrição, do peso, do bem-estar físico e mental. É um treinador que dá muita importância a todos os aspetos e é um treinador chatinho, mas consegue tirar o máximo rendimento dos jogadores.

zz: É interessante dizer isso, porque de fora podemos achar que o trabalho do guarda-redes pode não ser tão valorizado por parte do treinador principal.

RN: Isso nunca aconteceu na minha carreira, mas o Sérgio Conceição tem à volta dele uma equipa de grandes profissionais.

zz: São sempre os mesmos e nessa altura já eram.

RN: Verdade, o Diamantino Figueiredo continua a ser o treinador de guarda-redes, o Vítor Bruno, o Siramana Dembelé continuam com ele.

zz: Nessa altura ele ainda tinha o Jorge Rosário.

RN: Certo, depois o Jorge Rosário saiu para a equipa técnica de Portugal, com o mister Fernando Santos e ainda tínhamos o Ricardo Paiva, antigo treinador do Boavista, que era o nosso analista. Eles formavam uma equipa incrível e ajudaram a que a liderança do Sérgio Conceição fosse à sua imagem. Fizemos uma época muito boa e no ano seguir saio para o FC Porto e ele sai para o SC Braga.

zz: Como saiu para o FC Porto?

RN: Nesse ano tive abordagem de outros clubes em Portugal, mas a minha opção recaiu no FC Porto. Era uma oportunidade única: tinha 31 anos, estava em fim de contrato e sentia que era o "contrato da minha vida". Era um contrato irrecusável, primeiro por ser de um grande e do sonho que era jogar num grande e depois pela questão financeira. Eu tinha a Académica a querer renovar comigo, se calhar com a disposição de me colocar como jogador mais bem pago do plantel. Por muito que eu me sentisse amado e idolatrado em Coimbra, eu tinha de aceitar o desafio de rumar a outras paragens. A parte financeira pesou muito nesta decisão.

zz: É difícil a esta distância perguntar se tomaria a mesma decisão, mas quando tomou a decisão de ir para o FC Porto já sabia que Lopetegui ia ser o treinador?

RN: Não, não sabia.

zz: Esse ponto foi fundamental?

RN: Claro que foi. Se eu soubesse que era o Lopetegui a vir para o FC Porto, se calhar não tomaria a mesma decisão. Só mudava isso, de resto não mudaria mais nada. Com isto não quer dizer que estou a culpar o Lopetegui. O FC Porto não tinha um treinador estrangeiro há muitos anos e com certeza o Lopetegui não teria um conhecimento aprofundado do futebol português, nomeadamente de clubes mais abaixo. Para ele, um guarda-redes de 31 anos chegar ao Porto a custo zero, vindo da Académica, compreendo que eu era mais um. Ele viu-me como tal. Eu até podia ter o rótulo de ter sido considerado o melhor guarda-redes da Liga na época anterior, mas ele não estava preocupado com isso, não tinha estado em Portugal e logicamente não me conhecia de lado nenhum.

zz: E pior ficou quando ele contratou o Andrés Fernández.

RN: Exato, ele quis ir buscar um guarda-redes da confiança e percebi que o meu espaço estava muito reduzido. Quando tomei a decisão de assinar pelo FC Poro o Luís Castro ainda era o interino. Eu fiquei sempre na ideia de que ele poderia ficar na equipa principal ou chegar um treinador português que soubesse a realidade do nosso futebol. Se calhar, as coisas poderia ser diferentes, porque nessa altura só estaria eu e o Fabiano, além do Helton a recuperar do tendão de Aquiles, mas as coisas acabaram por mudar. Não me arrependo de nada, só tomaria a decisão se soubesse que o treinador ia ser ele e não está relacionado nada com o comportamento, pois nunca me tratou mal. Ele sempre compreendeu a minha situação e várias vezes me pediu desculpa pela situação e agradecia o meu profissionalismo, mas não poderia ajudar.

zz: Numa carreira tão bonita, essa é uma espinha difícil de engolir?

RN: Sim, nunca tive a oportunidade de jogar. Só fui ao banco, na equipa principal do FC Porto, uma vez e foi numa partida contra o Shakhtar, onde já estava tudo decidido. Ficou o amargo de não ter feito, pelo menos, um jogo oficial pelo FC Porto. Não me deram a oportunidade para jogar, as opções recaíram sobre outras pessoas e eu tinha aceitar. A certa altura o Luís Castro pediu-me para ir à equipa B e eu fui, pois assim estava em competição e podia estar ativo, pois um guarda-redes perde faculdades quando não joga. Uma coisa é treinar, outra é jogar.

zz: Sentiu-se menosprezado?

RN: Um bocadinho. Até porque eu vinha de uma realidade onde era idolatrado, era o Ricardo. Ali era mais um, sentia-me um bocado de parte. Não olhavam para mim como uma solução, mas sim como mais um. O futebol é assim mesmo e tinha de continuar a trabalhar para chegar ao fim da época, para arranjar um solução para a minha carreira.

zz: Seguiram-se dois empréstimos: Setúbal e Chaves.

RN: O Setúbal foi uma decisão tomada pelo clube. O mercado estava a fechar e todas as coisas que apareceram não foram validadas pelo FC Porto. Ou porque não era o melhor, tentaram negociar e as coisas não corriam bem. Eu estava a fazer a pré-temporada com o Nuno Espírito Santo e acabei por rumar a Setúbal quase no fim do mercado, mas acabei por jogar, que era aquilo que mais me interessava.

zz: Uma época toda.

RN: Não foi uma época, mas foi um sítio onde me trataram bem, gostei da cidade e do clube. Atingimos a manutenção e regressei ao FC Porto para fazer a pré-temporada.

zz: Já tivemos aqui vários jogadores que falaram de problemas que viveram em Setúbal, nomeadamente os atrasos salariais.

RN: Mas eu deixei bem claro que quando fui negociar contrato que teria de ser o FC Porto a pagar-me o salário, para não sofrer esses constrangimentos.

zz: Regressou ao FC Porto para fazer pré-época, mas já a saber que não ia ter espaço?

RN: Eu nem estava a prever fazer pré-temporada, mas ligaram-me quando eu estava de férias, a dizer que eu tinha de me apresentar para fazer a pré-época e que depois avaliariam a minha continuidade. Apresentei-me e apareceu-me o Desportivo de Chaves. Já tinha quase tudo acertado e o mister Nuno Espírito Santo, numa das palestras, disse que queria que os jogadores falassem com ele, sempre que tivessem algum problema. Eu fui bater à porta dele e disse que tinha uma proposta do Chaves, um ano de empréstimo e contrato para ser assinado por três anos e assim garantia uma boa continuidade da minha carreira, até pela ideia que já tinha. Pedi que ele me ajudasse a concretizar isso.

zz: Projeto de primeira liga.

RN: As pessoas queriam-me muito e eu sentia isso. Era o mister Jorge Simão e terminou a temporada o Ricardo Soares. Senti-me muito acarinhado, muito apoiado. Quando te sentes que te querem muito, é gratificante. Falei com o Nuno Espírito Santo e ele ajudou-me a resolver o problema e conseguir sair do FC Porto. E assim aconteceu.

zz: O seu contrato com o FC Porto terminou e entrou o Sérgio Conceição. Alguma vez pensou que se se tivesse cruzado, as coisas poderiam ter sido diferentes?

RN: Foi o destino e já tínhamos tido outras experiência, eu já estava quatro anos mais velho, não penso muito nisso. Quando eu saí da Académica, se ele tivesse ido para o FC Porto, em vez de ir para a Braga, talvez as coisas tivessem sido diferentes, porque ele via-me como um grande profissional, um guarda-redes com qualidade e talvez uma oportunidade para jogar eu iria ter. Foi o que foi, não guardo rancor por ninguém e estou grato por tudo aquilo que o FC Porto me deu.

zz: Tem várias épocas no GD Chaves: ficou satisfeito? Parece um clube que gosta de agregar.

RN: E gosta. Tem uma massa associativa muito fervorosa, são uns valentes transmontanos. É uma região muito afetada pelo clima, onde existem pessoas de trabalho. Gostei muito de lá estar, fui sempre muito bem tratado. As pessoas que estão à frente do GD Chaves são pessoas sérias. Foram três épocas quase perfeitas, foi pena na última em que descemos de divisão, mas fica a estima e o respeito.

zz: E uma dureza tremenda, que foi perceber que tinha um tumor num testículo. Como recebeu essa notícia?

RN: Eu andava com uma prostatite, nada relacionada com o problema que eu tive. Falei com o médico do clube, ele aconselhou a fazer uma ecografia, para perceber como estava a inflamação na próstata e disse para fazer ao aparelho urinário todo. Nesse dia íamos jogar, estava a equipa em Chaves, fui a uma clínica à cidade para fazer a ecografia e quando estou a fazer o exame sinto a tensão no técnico que me estava a fazer o exame. Ele parou para ver ao pormenor a zona dos testículos e eu fiz as perguntas normais, pedi para me contar a verdade. Ele disse que não era normal o que estava a ver e mandou-me ir diretamente ao Hospital S. João, no Porto, para ser visto por um urologista. Eu liguei para a minha família, informei o enfermeiro do Chaves, que me colocou logo em contacto com um urologista no Hospital S. João. Apanhei a minha esposa na Póvoa, estava toda a gente em alvoroço, eu também, porque passa-nos tudo pela cabeça. Depois de ter ido ao urologista saí muito mais calmo e tranquilo. Ele tirou-me todas as dúvidas sobre o problema, disse que a taxa de sucesso era bastante elevada, que se fosse apanhado numa fase embrionária nem seria necessário fazer tratamentos, que tinha de remover o testículo e colocar uma prótese e se quisesse ter mais filhos, que não era o meu caso, teria de fazer a recolha de algum esperma, para a eventualidade de ficar infértil. Fui para o IPO, realizei os exames complementares, fiz a remoção do testículo, coloquei a prótese, o testículo foi para avaliação, mas as coisas correram muito bem, não necessitei de fazer tratamentos. Ainda hoje continuo a ser acompanhado pelo IPO, por aquelas excelentes pessoas que nos tratam tão bem e a quem devo muito.

zz: Quando saiu do Hospital S. João tinha a clara convicção que ia ganhar essa batalha?

RN: Sim, não tinha dúvidas nenhumas que ia ser a defesa da minha vida. Saí de lá muito mais tranquilo, elucidado, muito mais forte psicologicamente e a saber o que ia enfrentar e agarrado à taxa de sucesso que era muito alta. O médico ainda me recordou o episódio do Lance Armstrong...

zz: Os títulos dele depois foram retirados, os seus não seriam.

RN: Isso já são outras questões, mas andar em cima de uma bicicleta em provas com aquela dureza, é louvável.

zz: Recuperou ao fim de quatro meses. É notável. É bom as pessoas recordarem o seu caso com regularidade para darem importância aos rastreios e aos sinais.

RN: A conclusão maior que eu tiro é que se tudo for apanhado com tempo é mais fácil de ter resolução. Temos de estar atentos a todos os sinais, fazer exames no período que nos pedem e assim teremos capacidade de resolver algum tipo de problema numa fase mais embrionária. Eu sensibilizo sempre as pessoas para a importância da saúde.

zz: Regressa a casa e ao seu Varzim na altura da pandemia. Foi a pandemia que o obrigou a esse regresso?

RN: Não, já estava programado. Eu sabia que terminava o meu contrato com o Chaves, já tinha sido contactado pelo Varzim para regressar e já tinha a ideia na minha cabeça de ter os meus últimos momentos ali.

zz: Alguma mágoa por nunca ter ido para o estrangeiro?

RN: Não, nenhuma. As coisas na minha carreira seguiram o caminho que lhe quis dar. Na altura, no FC Porto tive algumas abordagens, mas nunca passou disso. Depois, também sou muito agarrado às minhas origens e para ir para fora tinha de ser algo muito vantajoso. Essa proposta irrecusável nunca apareceu e consegui governar-me e fiz uma carreira que acho que foi digna e boa em Portugal.

zz: Foi uma carreira feliz?

RN: Sem dúvida alguma. Muito feliz por aquilo que consegui atingir. Logicamente que teve momentos bons e menos bons, mas isso faz parte. Dei sempre tudo de mim, fui sempre muito profissional, respeitador, fui sempre um bom colega de trabalho. Os valores pessoais, como homem, era uma premissa para mim e sempre fui assim. Se alguma vez me perguntassem se aquele menino que entrou naquele pelado do Varzim, pela mão do meu pai, se conseguiria atingir esta carreira, eu diria que ia ser muito difícil. Foi a pulso, mas foi com muito honestidade e por isso só posso ter orgulho por aquilo que consegui.

zz: Quem merece o seu principal agradecimento?

RN: A minha família, claro. São as pessoas que estiveram sempre perto de mim. São aquelas pessoas que nos momentos maus tinham sempre uma palavra, que sempre me seguraram quando as coisas pareciam difíceis e tive duas pessoas muito importantes, que foram os meus empresários. São dois amigos, foram sempre eles que estiveram comigo, o Sr. Amaro e o Paulo. Foi um relação de amizade e vejo isso não pelas oportunidades que me arranjaram, mas pela presença diária, pelo carinho, por eu acordar no IPO e as primeiras pessoas que vejo são a eles e a minha esposa. Isso é muito gratificante e importante para mim, logo, não poderia esquecê-los. Logicamente, os meus pais, os meus irmãos, que sempre foram os maiores adeptos e os maiores fãs do Ricardo Nunes.

zz: Para terminar só falta mesmo o 11 da sua vida.

RN: Na baliza vai estar o Iker Casillas. No lado direito vai estar um grande amigo, que é o Pedrinho, como centrais não poderia deixar de ser o Luís Neto e o Orlando, o meu capitão da Briosa na conquista da Taça.

zz: O Iker Casillas como era a nível de grupo?

RN: Acabei por apanhá-lo apenas numa pré-temporada, mas pareceu-me uma pessoa muito tranquila, muito acessível e um excelente guarda-redes.

zz: Quando soube que vinha o Iker Casillas o que pensou?

RN: Não acreditava, achei que poderia ser uma notícia fácil, mas depois ele apareceu no estágio nos Países Baixos e tive o privilégio de trabalhar com ele uns meses e gostei muito de o conhecer, além do excelente guarda-redes e um ídolo daquela dimensão.

zz: Seguimos.

RN: No lado esquerdo vou colocar o Hélder Cabral, defesa esquerdo do Jamor. Aqui no meio campo vou colocar o Tito, acho que é um jogador que se identifica muito com os valores do Varzim. Mais à frente tenho de colocar, logicamente, o meu primo Francisco Ramos e Adrien Silva. Extremos, Marinho, logicamente, na esquerda, o meu grande amigo, que dava grandes bananas de pé esquerdo, o Diogo Valente e na frente... Pontas de lança, difícil, mas vou colocar o Jackson Martínez, porque foi o melhor ponta de lança com quem já joguei até hoje.

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