Vlk, o checo do FC Porto: «Fui roubado e passei a conduzir com a carta do Pinto da Costa» | OneFootball

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Zerozero

·16 June 2024

Vlk, o checo do FC Porto: «Fui roubado e passei a conduzir com a carta do Pinto da Costa»

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Lubomir Vlk. Assim, sem vogais. Lateral esquerdo de grande envergadura, pernas longas e tendência para golos importantes. No verão de 1990, o checoslovaco [nomenclatura usada à época] chega ao FC Porto para suceder a Branco, um dos melhores laterais de sempre em Portugal.

Entre lesões e paragens prolongadas, Vlk mostra a espaços a qualidade a defender e, sobretudo, a atacar. Marca sete vezes de dragão ao peito, momentos de belo efeito.


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O zerozero aproveita o Portugal-Chéquia, em Leipzig, para localizar Vlk. Aos 59 anos, continua ligado ao desporto-rei e tem muitas histórias por revelar. O telefonema faz-se a três vozes, entre o jornalista, um tradutor de serviço e o antigo lateral esquerdo.

Nada que a boa vontade não seja capaz de resolver.

Lubomir Vlk, futebolista do FC Porto de 1990 a 1993, duas vezes campeão nacional. Um dos 11 checos na história do campeonato nacional português.

zerozero – Não temos notícias do Vlk há muitos anos. Está a trabalhar no mundo do futebol?

Lubomir Vlk – O futebol é a minha vida. Estou a trabalhar no MFK Karviná, aqui no meu país, já há dez anos. Fomos promovidos à primeira divisão logo depois da minha chegada e continuamos por cá. Gosto do que faço. Sou o diretor desportivo e, pontualmente, assumo a função de treinador. Só peço que a equipa não desça este ano [o Karviná jogou o play-off de manutenção e manteve-se na primeira divisão].

zz – A época está a ser dura?

LV – Mudámos algumas coisas. No futebol pensamos sempre estar a fazer tudo bem, mas às vezes no fim as contas não batem certo (risos). Vou tudo fazer para termos épocas mais tranquilas nos próximos anos.

zz – Queremos falar sobre a seleção da Chéquia, mas antes pretendíamos recordar os seus tempos no FC Porto.

LV – Fui para o Porto no verão de 1990. Podíamos andar à vontade na rua, até à meia-noite. Para mim era um mundo novo. Eu tinha vivido toda a vida numa ditadura comunista, até 1989 e à Revolução de Veludo. No Porto via gente alegre, feliz e livre. Mesmo no inverno era uma maravilha. Chovia, estava frio, mas comparado com o meu país parecia-me estar nas Caraíbas (risos).

zz – Mantém amizade com algum desses colegas do FC Porto?

LV – Já não falo com ninguém há alguns anos. O Timofte e o Kostadinov ainda me ligavam de vez em quando. A culpa maior é minha, sempre fui bastante reservado. Tenho saudades de muitos deles, confesso que sim.

zz – De alguém em particular?

LV – Olhe, do Rodolfo Moura [fisioterapeuta do FC Porto nesse período].

zz – Era a pessoa mais próxima do Vlk?

LV – Não era, mas passou a ser. Tive muitas, muitas lesões no FC Porto. Aliás, eu falhei o Mundial de 1990, na Itália, por culpa de uma lesão. Quando fui contratado pelo FC Porto, ainda estava lesionado e o problema é que havia uma pressão enorme sobre mim.

zz – Porquê?

LV – Não sei se se lembram do Branco, mas eu fui contratado pelo Artur Jorge para ser o sucessor dele. O Branco era um lateral fabuloso, marcava muitos golos. Os problemas físicos não me deixaram jogar as vezes que eu queria. E passei a ouvir comentários desagradáveis, claro.

zz – Mesmo assim teve números interessantes no FC Porto: sete golos, quatro troféus, 42 jogos.

LV – Pouco, pouco. Podia ter feito muito mais. O Artur Jorge queria que eu participasse muito no ataque, pois tinha-me visto no Vitkovice a fazer o corredor todo e a fazer golos.

zz – Foi para o FC Porto em 1990 por responsabilidade dos dois jogos de 1986?

LV – Sim, sim. O futebol era diferente (risos). Em quatro anos, hoje em dia, acontece tanta coisa... Mas o Artur Jorge escreveu o meu nome no bloco de notas e lembrou-se de mim, quatro anos depois de nos termos defrontado [oitavos-de-final da Taça dos Campeões Europeus].

«O Schick é o cabeça de cartaz da Chéquia»

zz – Há mais coisas para recordar sobre o FC Porto, mas falemos um pouco sobre a atual seleção da Chéquia.

LV – É uma equipa sólida, acima de tudo. Organizada. É a cara do treinador. Há uma boa mistura entre jogadores da liga checa e de outras ligas europeias. Não a coloco ao nível de Portugal, faltam-nos estrelas mundiais. Mas é uma seleção que pode passar a fase de grupos.

zz – Quais são os futebolistas mais fortes?

LV – O Patrik Schick é a cabeça de cartaz. Fez mais uma boa época no Bayer Leverkusen. O Vladimir Coufal é um bom defesa direito, muito experiente e conhecedor do jogo. E o Tomás Soucek talvez seja o meu futebolista preferido. Estes dois jogam juntos no West Ham. E temos bons guarda-redes [Kovar, Stanek e Jaros]. Qualquer um deles dá garantias

zz – Há pouco falava sobre o Itália-90. Das suas 11 internacionalizações, dez aconteceram antes do torneio.

LV – Ironicamente, lesionei-me uma semana antes de jogarmos contra Portugal, na qualificação para o Mundial. Uma lesão no joelho, naquele tempo, implicava sempre uma paragem longa. Estive quase um ano parado e no FC Porto não me aproximei do meu nível normal.

zz – Mas teve bons momentos em Portugal.

LV – Jogar contra o Benfica e o Sporting era sempre especial. Acho que fiz uma grande exibição em Alvalade numa vitória nossa por 2-0 [12 de janeiro de 1992] e na Luz aguentei-me bem numa derrota para a taça [2-0, 27 de janeiro de 1993]. Estavam mais de 100 mil pessoas, nunca tinha visto uma coisa assim na Checoslováquia. Nos nossos estádios não havia mais de cinco/seis mil pessoas.

zz – Já falou sobre o Artur Jorge. Deve estar a par da morte dele.

LV – Sim, recebi a notícia com muita tristeza. Não era só um treinador brilhante, era também um gentleman. Devo-lhe a minha carreira internacional, foi ele que me contratou para o FC Porto e foi ele a confiar em mim nos piores momentos. Falava comigo, colocava a mão em cima do ombro e explicava-me muito calmamente o que queria. Estou emocionado ao recordar isto… Vou recordá-lo para sempre.

zz – Com o treinador Carlos Alberto Silva foi mais difícil?

LV – Acabei por estar mais tempo com ele do que com o Artur. Não tenho nada de mal a dizer sobre o Carlos. Era um durão, falava mais alto nos treinos, mas comigo sempre foi um cavalheiro. Explicava bem o que queria, era muito exigente no posicionamento tático, já com uma visão moderna do futebol.

«O Fernando Couto cortou-me as calças no rabo»

zz – Porto, 1990. O Vlk tinha vida social na cidade, convivia muito com os colegas?

LV – Eu já tinha um filho e era casado. Não tinha a vida de alguns (risos). Mas aproveitava muito a cidade, sim. E a malta dava-se bem, o balneário era espetacular. Nunca falei bem Português, mas ia percebendo uma coisa ou outra.

zz – Quem era o animador de serviço?

LV – O Fernando Couto (risos). Que grande maluco. Vivia para pregar partidas aos colegas. No relvado era um touro, cá fora era um rapaz muito, muito engraçado.

zz – O Vlk foi vítima das partidas do Fernando?

LV – Eu e toda a gente, claro. Ele só não se metia com os mais velhos. O João Pinto, o Aloísio, o Geraldão… com esses, o Fernando já se acalmava. Uma vez tomei duche, vesti-me e comecei a ver toda a malta a rir-se. O Fernando tinha pegado numa tesoura e cortou-me as calças na zona do rabo. Se não fossem as gargalhadas, tinha ido assim para a rua (risos).

zz – O seu nome é difícil de pronunciar para um português. Não tem vogais.

LV – Estava sempre a ler isso nos jornais. Significa «lobo» em checo. Certo dia caí no erro de dizer isso aos meus colegas… a partir daí, uivavam sempre que eu chegava de manhã ao balneário. Bons tempos.

zz – O presidente Pinto da Costa deixou o clube há algumas semanas.

LV – Tenho uma boa história com ele.

zz – Vamos ouvi-la.

LV – Assaltaram o meu carro e roubaram-me os documentos todos. Fiquei sem a carteira. Eu precisava de conduzir para ir para as Antas e fiquei muito preocupado. Como é que eu ia arranjar uma carta de condução e um bilhete de identidade novos num país diferente do meu?

zz – Como resolveu isso?

LV – Não resolvi. Fui bater à porta do gabinete do presidente e contei-lhe tudo. A reação dele foi inacreditável (risos). Pegou na carteira dele, deu-me a carta de condução e disse-me assim: ‘se a Polícia te mandar parar, mostra-lhes isto e tudo vai ficar bem’.

zz – E isso aconteceu mesmo? Ou seja, a Polícia mandou-o parar?

LV – Várias vezes (risos). Eu ia muito cedo para o treino, havia muitas operações na estrada. Baixava o vidro, mostrava a carta de condução do sr. Pinto da Costa e deixavam-me seguir. Foi mesmo assim. Fui roubado e andei a conduzir anos com a carta do presidente.

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