Zerozero
·6 April 2023
Do FC Porto até à Luz: João Mário, o «bolinhas» que só queria a bicicleta

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·6 April 2023
A casa é branca, dois pisos encavalitados, portões negros e um bendito pátio.
«O João Mário viveu aqui até aos dez anos», indica Gabriel Satxibala, tio e mentor no mundo da bola, na visita guiada do zerozero ao sagrado local da infância do médio do Benfica.
Pedras Rubras, a poucos quilómetros do aeroporto, uma redoma de liberdade em segurança. Urbanização do Lidador, vivendas e mais vivendas, construções características dos anos 80 e 90, um pedaço de paz e silêncio no concelho da Maia.
«Aqui viviam o João, o Wilson e o Hugo, os três meninos da família, mais os pais deles, a Lídia e o meu irmão João. E eu, claro», continua Gabriel, psicólogo, guardador dos segredos mais antigos do agora mestre de cerimónias do Benfica.
«Era a casa de uma família portista, aliás nesta zona a esmagadora maioria é azul e branca», as palavras saem, revelações de outros verões, dos anos mais puros destes capitães de areia, desenhados por um romancista de outros tempos.
Basta sair da moradia caiada, virar à direita e seguir o passeio. São cinco minutos, em morosa caminhada, até ao segundo ponto mais importante para João Mário: a Escola Primária do Lidador.
«Os meus sobrinhos tiveram a sorte de crescer numa terra com muitos sítios para se jogar à bola. A arena principal era este campinho», continua Gabriel, referência-mor de João e Wilson no acesso ao mundo do futebol, enquanto aponta para esse coliseu reinventado.
Há curiosidades, muitas. Fala-se das intermináveis férias de três meses, dos dias sem pôr do sol, só para mais um drible, mais um golo, mais um pontapé atirado às redes velhas das pequenas balizas na escola.
À volta do campo, na pista de atletismo, uma bicicleta. Sempre a mesma bicicleta. A pedalar em círculos, horas a fio, e um ciclista mais do que desinteressado das batalhas no campinho de futebol.
João Mário, claro.
«O Wilson sempre adorou jogar, nós éramos todos mais velhos e ele já jogava connosco. O João, nem por isso», ri-se Gabriel, ao falar dos sobrinhos.
«Tínhamos de convencê-lo a entrar nas futeboladas. O João adorava batatas fritas e só aceitava jogar se pudesse levar um pacote de batatas. Gostava mais da bicicleta, não a largava.»
As provas continuam lá. Piso alaranjado, queimado pelos anos, mini-bancadas escurecidas de musgo e o famoso circuito oval por onde pedalava o pequeno João Mário. Um tesouro da memória, uma vénia à nostalgia que arrepia.
«Aos fins-de-semana e nos verões a escola fechava, mas isso não nos impedia de ir para o campo», prossegue o tio Gabriel. Nem sempre tudo corria bem, havia joelhos rasgados, cotovelos queimados e acidentes de gravidade duvidosa. Os corpos juvenis recuperavam a correr.
«Nós saltávamos as grades ou este portão [Gabriel indica os locais] e estávamos lá dentro. Houve um dia em que a coisa deu para o torto. Saltámos todos, mas o Wilson era pequenininho e ao saltar deu cabo do braço. O pior foi dar a notícia à mãe. Pusemos gelo, mas tivemos mesmo de levá-lo ao hospital.»
Todos saltavam para jogar futebol. João preferia os pedais.
«Fazíamos de tudo para jogar à bola», confirma Wilson Eduardo, a partir da Turquia. «Numa das vezes, ao saltar o portão, o meu braço ficou preso e eu fiz um ferimento grande. Tive de ir ao hospital, mas não cheguei a partir o braço», esclarece.
Wilson não poupa nos elogios a João Mário, «um verdadeiro irmão em todas as horas», e ao tio Gabriel. «Andava connosco para todo o lado. Foi ele que nos mostrou o que é o futebol e foi uma pessoa fundamental na nossa vida. Foi ele a insistir com os meus pais para me deixarem ir treinar ao Desportivo de Vilar [pequeno clube de Vila do Conde] e depois ao FC Porto.»
A dias do grande clássico da Luz, o rapaz criado em berço azul e branco, com uma passagem apressada pelo FC Porto, é a figura maior do campeonato.
Melhor marcador [17 golos, ao lado de Gonçalo Ramos], líder do Prémio Regularidade do zz [média de 6,6,], João Mário Naval da Costa Eduardo saboreia as melhores semanas do seu futebol.
A procissão pelas ruas empedradas, enfeitadas por candeeiros magros e o contínuo ladrar dos cães da vizinhança, tem muito por mostrar.
«A história do João Mário no futebol nasce agarrada à do Wilson, o irmão mais velho», reflete Gabriel, o tio.
«O Wilson teria seis/sete anos e era muito irrequieto. Na casa da família, começámos a jogar no quintal. Eu era um bocadinho o polícia do Wilson. Para ele não fazer asneiras, ficávamos a jogar futebol. Percebi nessa altura os dotes do miúdo e pedi aos pais para levá-lo a treinar ao Desportivo de Vilar, onde eu jogava na altura.»
Gabriel Satxibala não esquece os primeiros pontapés dos sobrinhos no futebol federado. Wilson, mais velho dois anos, acompanha-o no Vilar e, um ano depois, arrisca a sorte nas captações do FC Porto. João aparece um ano mais tarde, para as escolinhas portistas.
«Ele esteve quase um ano só a treinar no FC Porto e foi inscrito no segundo ano. O primeiro treinador dele foi um senhor histórico no clube, o Álvaro Silva», confidencia Wilson Eduardo, antes de sorrir ao lembrar dias anteriores, quando o desinteresse do irmão pela bola era notório.
Gabriel, o tio, leva as mãos aos olhos. O passado anda de mão dada com a emoção.
«É engraçado, o João gostava de futebol, mas não sabia jogar futebol. Ora, como o Wilson andava no FC Porto e eu era o vigilante dos dois, decidi-me a levar o João também aos treinos na Constituição», sublinha, ao unir as histórias dos dois irmãos. Inseparáveis.
«O Wilson era muito pequenino, mas gostaram logo dele. Fez um ano no Vilar, mostrou que era rápido, e decidi levá-lo às captações ao FC Porto. Foi logo aceite nas escolinhas e é aí que o João Mário entra nesta história.»
A bicicleta fica pousada em casa, João lá tenta a sorte no Campo da Constituição. «Era gorduchinho, tratávamo-lo por ‘bolinhas’. Enfim, lá tentámos e o João foi inscrito pelo FC Porto. Para a família foi uma alegria, porque era o nosso clube do coração.»
Gabriel e Wilson situam estes episódios «ali por volta de 2000 e um pouco depois». Em Pedras Rubras, escola e futeboladas até mais não, se a bicicleta deixasse; na Constituição, o contacto inicial com um desporto federado, mais a sério e responsável.
«O Wilson e o João tinham aulas aqui em Pedras Rubras até perto das 16 horas e os treinos começavam às 18 horas. Arrancávamos todos e chegávamos a tempo e horas à Constituição. O Wilson treinava no campo pelado com os infantis e o João no campinho pequeno com as escolinhas. Iam à mesma hora e saíam à mesma hora», desfia Gabriel, como se os eventos tivessem o ‘ontem’ no início da frase.
«A mãe, a Lídia, trabalhava na restauração. O meu irmão, o pai do João e do Wilson, trabalhava em Angola. E por isso eu assumia esse papel de figura paternal, um irmão mais velho. Sempre tive uma relação de amor com os miúdos, também joguei futebol muitos anos e creio que isso incentivou o Wilson Eduardo a gostar de jogar à bola. Coloquei-lhes o bichinho, muito através dos treinos que fazíamos em casa.»
Dias de folia. O «traquinas» Wilson, o «caladinho» João e Hugo, «quase um bebé». Três irmãos, o tio Gabriel, e amigos, muitos amigos. Por todo o lado.
No percurso com o zerozero não faltam ‘bons dias’, ‘tudo bem’, ‘por aqui?’, os cumprimentos de quem não esquece o vizinho de sorriso largo e olhar bom.
João Guedes é um desses camaradas de antigas expedições, testemunha de asneiras, partidas e muito futebol. Aparece a meio do percurso, como se a cena estivesse pensada e escrita.
Tudo bate certo.
«As memórias da nossa infância em Pedras Rubras são as melhores», acrescenta Wilson Eduardo. «Eu estive lá até aos meus 14 anos, o João talvez até aos 11. Tivemos aquela liberdade que agora parece de filme, entre o campo de futebol, o pátio de casa, as corridas de bicicleta. Sem telemóveis, quase sempre na rua.»
Há pontos fulcrais nesses verdes anos. A casa, a escolinha, a confeitaria Docelândia, mais ao fundo o lar do primo Tanda e restante família, os dois prédios devolutos que abrigavam uma numerosa comunidade cigana, todos amigos, todos membros deste ecossistema comunitário.
João Mário nasce, cresce, vive aqui.
«Andámos os dois na mesma escola primária, depois eu mudei-me para a secundária de Moreira de Maia e o João ficou com o nosso irmão mais novo, o Hugo», suspira Wilson Eduardo, como se pedisse o regresso desses anos 90 «tão bons».
«O campo da escolinha era espetacular, melhor do que jogar na rua, porque aí tínhamos de parar sempre que passava um carro. Felizmente havia pouco trânsito (risos). Gostávamos muito de estar os dois, eu e o João, no sofá a ver desenhos animados. Mais tarde apareceram as consolas, mas eu ligava à tecnologia mais do que ele.»
Dois episódios enegrecem as vidas dos meninos João, Wilson e Eduardo.
O primeiro em 2003: Lídia e João, os pais, divorciam-se.
O segundo em 2019: a morte de João Eduardo, apenas com 51 anos.
«O divórcio dos nossos pais mexeu muito connosco», confessa Wilson Eduardo. «Mais comigo, até, porque eu já tinha 13 anos e percebia melhor as coisas. Jogava há quatro anos no FC Porto, gostava de lá estar e custou-me muito a mudança.»
De repente, o mundo desaba. Adeus a Pedras Rubras, à harmonia na casa branca de dois pisos, ao campinho na escola, à bicicleta. Adeus ao FC Porto.
«Não foi fácil para nenhum de nós, mas felizmente entrámos quase de imediato no Sporting. Era um mundo novo para nós, os miúdos de Pedras Rubras. Fomos viver com a nossa mãe para Odivelas.»
A separação afeta diretamente Gabriel, o tio. Os meninos partem com a mãe, para o sul, o lar maiato fica mais vazio e silencioso do que nunca.
«Houve muitas reuniões, os responsáveis do FC Porto não queriam que eles saíssem. Pediram até para o João e o Wilson ficarem por cá, mas a mãe não aceitou», recupera Gabriel, à distância de 20 anos. «Faz agora duas décadas no verão, precisamente.»
O Sporting entra rapidamente nas vidas dos irmãos. «Eles já acompanhavam o Wilson em torneios e souberam desta mudança e da oportunidade que se abria. Convidaram o Wilson e o João aproveitou, foi também.»
É nessa altura que Gabriel perde o contacto diário, de casa, com os sobrinhos. E é por aí, entre os infantis e os iniciados leoninos, que se dá o clique da paixão de João Mário pelo futebol. O menino da bicicleta transforma-se completamente.
«Há um jogo marcante, um FC Porto-Sporting no Olival em iniciados ou juvenis», relata o tio Gabriel.
«O João estava no Sporting e fu fui vê-lo a jogar. Antes de começar o jogo ele diz-me assim: ‘tio, agora já não jogo a central, sou trinco’. Reparei que estava mais magro e, depois, dentro do campo confirmei essa completa alteração. Estava com uma classe…»
Gabriel não reteve o resultado, mas na memória guarda um momento concreto: «Há uma bola, na área do Sporting, que ele mata no peito e depois faz um passe a isolar o extremo. Fiquei impressionado. Nessa tarde disse assim ao meu irmão, pai do João e do Wilson: ‘Este vai dar jogador. Esquece, o João é craque’.»
Adolescência, mudança de hábitos, os dias a correrem mais depressa do que a cabeça. Menos para João, o sossegado. Algo no rapaz faz com que seja diferente, que pense diferente, que aceite sem ansiedade o que a vida lhe oferece.
«Fico surpreendido pelo futebolista em que o João se tornou», admite Gabriel, mais do que um tio. «Percebemos que no Sporting alguma coisa mudou dentro dele. Houve uma altura em que ele começou a mostrar mais interesse, sim, mas era ainda um bocado trapalhão com a bola. Não tinha a classe que veio a ter mais tarde. E o Sporting, verdade seja dita, acreditou sempre nele.»
2003, ano de loucos na vida de João Mário. Malas feitas, adeus à urbanização de todas as brincadeiras, casa e escola novas em Odivelas. Atrelado a todas as novidades, o Sporting Clube de Portugal.
O melhor amigo nos leões, praticamente desde o dia um, é Júnior Moreira. O atual funcionário da ProEleven, empresa de gestão de carreiras de futebolistas e treinadores, chega do Brasil com apenas 12 anos.
«Conheci logo o João nos infantis A do Sporting. Demo-nos sempre bem, a partir daí. Eu jogava no Ponte Preta, de Campinas, e viajei com a minha mãe para Portugal», relembra ao zerozero, na correria de um novo dia-a-dia, agora fora dos relvados.
«O João era um senhor, aos 14/15 anos tinha um ar de mais velho, de respeitador. Foi sempre assim. Tivemos logo muita empatia. Eu mais extrovertido, ele mais sério e encaixámos bem.»
A ligação percorre todos os escalões de formação leoninos. Júnior passa a ser visita assídua na casa de João, conhece o rapaz e o jogador como poucos. Os petiscos de dona Lídia, «um amor de senhora», não lhe saem do paladar.
«O João tinha o Wilson mais velho, como exemplo, e havia neles o objetivo de chegar à equipa principal. Tinha a cabeça no lugar e uma família incrível, sempre a apoiá-lo. Não é daquelas histórias em que o miúdo tem uma família disfuncional e só se pode agarrar ao futebol. Nada disso, a dona Lídia é um espetáculo e nunca lhe faltou com nada», começa por referir.
«Até a mim me ajudou, faz parte da minha vida. Uma querida. Passava lá muitas tardes, cheguei a dormir na casa deles e a comidinha era ótima: arroz de cenoura com cabrito.»
João não quer nada com a fama, esse não é o seu perfil, e Júnior confirma-o. O ADN do médio do Benfica é outro, mais sereno, mais de pés na terra e cabeça em casa.
«É muito maduro, parecia ter mais dez anos do que nós. A atmosfera nos estádios passa-lhe ao lado, não lhe entra na cabeça. Sempre foi um craque, trata a bola como poucos e é equilibradíssimo.»
Júnior assume «a surpresa» pelo número anormal de golos marcados esta época, mas tudo o resto em João Mário é «só a confirmação» do «evidente talento» residente naqueles pés.
E o lado mau, existirá? Júnior Moreira responde com uma gargalhada. «Ele é muito mau condutor. A estacionar, então, é péssimo. Brinco muito com ele por causa disso. A qualidade ao volante é inversamente proporcional à que tem no relvado.»
«Assim por baixo, diria que foram mais de 200 jogos com o João Mário.»
Betinho faz as contas entre Sporting (formação e seniores), seleções jovens e Vitória de Setúbal. É um dos homens com mais presenças ao lado do médio, um dos que melhor o conhece desde os tempos em que era… defesa central.
«O João chegou um ano antes de mim. Eu também vinha do Norte e conheci um menino envergonhado, introvertido, muito no seu canto. Estava longe de ser o médio ofensivo que conhecemos hoje, porque jogava como defesa central. Era tranquilo com bola, inteligente e desempenhava bem a função. Ele era um bocadinho cheiinho, mas alto para a idade», descreve ao zerozero o agora personal trainer e avançado do SC Espinho.
«Ele nunca viveu na academia, vivia em Odivelas com a mãe e os irmãos. Sei que apanhava o autocarro em Alvalade, no Campo Grande, e ia assim para Alcochete, onde eu vivia.»
Na idade das asneiras e dos excessos, Betinho garante que João Mário se manteve sempre longe dos conflitos. «Nunca foi um dos malandros da formação. Longe disso», jura o antigo companheiro de equipa.
«O que mais me lembro é achar que o João já era um jogador velho em corpo de menino. Velho no sentido de se comportar de forma diferente, não estava preocupado com fintas ou em rematar de qualquer lado. Tomava decisões perfeitas, a jogar e mesmo cá fora.»
Na transição para sénior, em janeiro de 2014, Betinho acompanha João Mário para o Bonfim.
«Acho que esses meses em Setúbal foram o clique para ele ser mais valorizado pelo Sporting. O João aproveitou bem, eu fiz apenas oito jogos, não marquei golos e passei despercebido. O João deu muito nas vistas.»
Surpreendente, a vida leva-os por caminhos opostos. João para cima, Betinho para baixo, cada vez mais distantes. Fica a «estima» por um rapaz «acessível, simpático, até delicado» para quem conhece bem.
«Quem não o conhece, pode achar que ele é um bocadinho arrogante. Mas não é nada disso», completa o atacante, um admirador confesso do ex-colega.
«Não quero parecer apenas agradável, mas dava para perceber que o João tinha nível para jogar nos patamares mais altos. Por tudo o que mostrava com bola e por ser extremamente responsável fora do campo.»
Betinho só lamenta o afastamento entre ambos, embora o compreenda. É a vida.
«A última vez que falei com o João foi em 2016, quando Portugal foi campeão da Europa. A partir daí, os contactos resumem-se ao grupo de whatsapp que temos com a malta da formação do Sporting. O João é dos poucos que ainda interage por lá.»
A subida aos iniciados coloca João Mário nas mãos do mister Luís Gonçalves. É ele o responsável por fazer subir o menino de Pedras Rubras para o meio-campo. Uma medida mais do que acertada.
«Treinei-o nos iniciados, nos sub15, mas já o conhecia antes. Era um líder calmo, não fazia barulho, reagia quando era necessário. Foi o nosso capitão. Muito inteligente, tranquilo, cumpria com tudo, não era expansivo, mas sabia ser bem disposto. Sabia ser influente», refere ao zerozero nas primeiras palavras.
«Foi comigo que ele fez a transição da defesa para o meio-campo. Tinha estatura, leitura de jogo, cumpria bem a central, mas fui conhecendo-o e entendi que tiraria mais rendimento dele se jogasse mais à frente. Havia dois jogadores que me davam garantias no centro da defesa e foi isso que originou a alteração de posição.»
Luís Gonçalves está a treinar o Interclube, em Angola, e faz questão de deixar uma palavra para a mãe de João Mário, Lídia.
«Merece todos os elogios. ‘Abençoada a mãe’ que tinha três filhos com tanto jeito para jogar futebol, dizíamos a brincar. São pessoas equilibradas, que sabem o que querem e muito, muito educados. O mérito é dos pais, naturalmente, especialmente da mãe, que foi quem conheci melhor.»
O treinador, de 51 anos, destaca a capacidade de João Mário «questionar», sempre com «vontade de saber mais». E evoca outro episódio relevante.
«Revelou logo uma grande maturidade ao ajudar-me a resolver um pequeno desentendimento entre colegas no balneário. Assumiu-se, mostrou ter essa capacidade.»
O título nacional de sub15 é, de resto, outro bom exemplo dessa ambição de João Mário. Uma ambição capaz de acalmar tempestades.
«Há um jogo no Seixal, que nos poderia dar o título, e o Sporting precisava apenas de empatar. O Benfica, do Bruno Lage, tinha de ganhar. Houve uma situação irrefletida de um jogador do Benfica. Nós oferecemos a bola, após uma reposição causada por uma lesão, e esse atleta fez golo. Lembro-me bem de ver o João a pedir calma e a dizer que ainda íamos chegar onde queríamos. E assim foi.»
João Mário é referência obrigatória no Benfica para este reencontro com o FC Porto. A sua família, azul e branca da cabeça aos pés, estará atenta a tudo o que se passar na Luz.
Wilson, irmão mais velho, joga nos turcos do Alanyaspor; Hugo, o benjamin, está no futsal do Tires; em casa de João vivem, agora, a esposa Marta e a pequena Olívia, de apenas dois anos. Ao longe, o orgulho do tio Gabriel é imensurável.
«Este Benfica-FC Porto não é fácil para o João. A família é toda portista, estamos cá no Porto, sabemos a ligação que o João também tem ao Sporting e agora ao Benfica, e o mais importante é que está feliz. Ele é um guerreiro», atira Gabriel, quase no adeus.
«A época passada não correu bem, ao João e à equipa, mas o João é inteligente e detetou o problema. Preparou-se muito bem para esta época, é um vencedor e não atirou a toalha ao chão. Ele não se agarra aos problemas, é muito otimista. Não me preocupo muito com o João jogador. Preocupo-me com o homem, aquele que não liga ao dinheiro e à fama.»
«Ele sabe que o tio o ama muito.»
Despedidas, agradecimentos. Gabriel abre o portão negro, entra no pátio de sempre.
Ao fundo, na garagem da casa branca, repousa a bicicleta do menino João. Uma preciosidade.