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·6 July 2025

Bruno Pizzul, a voz serena das ‘noites mágicas’ do futebol italiano

Article image:Bruno Pizzul, a voz serena das ‘noites mágicas’ do futebol italiano

Por mais de três décadas, Bruno Pizzul foi mais do que um narrador esportivo: tornou-se a consciência tranquila de um país apaixonado por futebol. Ex-jogador, professor de filosofia e literatura e profundo conhecedor da língua italiana, ele transformou o ofício da narração em arte – serena, elegante, essencial. Entre sua estreia na Rai, em 1970, e o adeus, em 2002, o friulano acompanhou a seleção da Itália em cinco edições da Copa do Mundo e quatro da Euro, nas quais emprestou à Squadra Azzurra uma voz que não apenas relatava os fatos, mas os interpretava com sensibilidade e sobriedade.

Em tempos de espetáculo e decibéis no talo, Pizzul foi o guardião do silêncio eloquente, da palavra justa, da pausa que diz tudo. Não gritava para ser ouvido. De maneira contida, apenas murmurava com autoridade, cadência, vocabulário culto e, sobretudo, um timbre reconfortante e inconfundível. O mais icônico narrador do futebol italiano, ironicamente, não pode soltar o grito de “campeã” para a seleção, pois não era o titular da emissora em 1982, no tricampeonato mundial, e a deixara pouco antes do tetra, em 2006. Porém, seu legado ecoou não somente nas memórias dos torcedores, mas na própria maneira como a Itália aprendeu a acompanhar o esporte pela televisão. Como se fosse uma experiência quase litúrgica, solene tal qual um rito.


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Pizzul nasceu em 8 de março de 1938, em Údine, no coração da região do Friul-Veneza Júlia, localizada no nordeste da Itália, bem perto da Eslovênia – um lugar que recebeu muitas influências da nação vizinha. A infância, passada na pacata Cormons, de onde eram originários seus pais, foi marcada por valores simples e vínculos profundos com a terra natal. Uma parte do país que, ele gostava de dizer, revelou grandes nomes para o futebol, como Enzo Bearzot, Cesare Maldini, Fabio Capello, Nereo Rocco, Dino Zoff, Edoardo Reja e Luigi Delneri.

Ali, entre vinhedos e campanários, o menino aprendeu a observar o mundo com os olhos atentos de quem narra antes mesmo de falar. O pai era açougueiro, a mãe, dona de casa – e o rádio, a grande companhia da família, já apontava o caminho da voz.

Desde cedo, Bruno revelou talento com a bola nos pés. E eram tempos complicados, já que o garoto atravessou toda a II Guerra Mundial numa das regiões mais conflagradas da Itália, devido a seu valor estratégico. Depois do conflito, inclusive, as províncias de Gorizia (onde sua família morava) e Trieste foram invadidas pelas tropas iugoslavas, porque havia uma disputa territorial em aberto desde a I Guerra, quando os italianos puderam, através de tratados internacionais, anexar algumas terras dos vizinhos – um movimento que se intensificaria posteriormente, com a política expansionista do ditador fascista Benito Mussolini. Até que a situação se resolvesse com um acordo de divisão de terras em 1954, quando Pizzul tinha 16 anos, o futebol servia como uma válvula de escape e também como instrumento de união.

Como uma criança que cresceu na década de 1940, Pizzul se apaixonou pelo fantástico Grande Torino e se tornou um torcedor do Toro. Porém, seu futebol era bem menos brilhante do que o dos craques grenás e também muito diferente sob o aspecto estilístico. Menos técnico e mais combativo, Bruno contrariava seu sobrenome (“pizzul”, no dialeto friulano, significa “pequeno”) e media 1,93 m. Jogava como volante e tinha elegância e leitura de jogo – ao menos o suficiente para times de nível regional.

Pizzul foi atleta e, quando defendeu o Catania, chegou a encarar o craque Sívori, da Juventus (Arquivo/Lupetti)

Revelado pela Cormonese, de sua cidade, Pizzul rapidamente recebeu um convite para se transferir para a Pro Gorizia, principal time de sua província. Passou também por Cremonese, Udinese, Torres, Pergocrema e Ischia, até chegar ao Catania, onde disputou a Serie B. Pelos etnei, em amistoso com a Juventus, chegou a marcar o habilidoso Omar Sívori, que ganharia a Bola de Ouro. O estilo clássico e disciplinado em campo refletia seu caráter: sem excessos, confiável, sempre atento ao coletivo. Mas uma lesão no joelho mudou o rumo de sua vida.

A impossibilidade de continuar no futebol profissional o empurrou para os livros – embora ele não tenha deixado de estudar enquanto tocava sua carreira como atleta. Pizzul se graduou em direito, mas foi a paixão pelas palavras que o atraiu mais do que a toga. Lecionou filosofia e letras, estudou latim, mergulhou na literatura e desenvolveu uma linguagem precisa, que mais tarde se tornaria sua assinatura na televisão.

A combinação de inteligência verbal e sensibilidade esportiva foi o que o levou à Rai por acaso, em 1969, quando a emissora buscava jovens talentos para renovar seu quadro de comentaristas, narradores e técnicos de transmissão. Na seletiva de Trieste, ninguém apareceu e Bruno foi convidado a participar porque tinha um diploma de nível superior. Ali, foi descoberto por Paolo Valenti, o primeiro apresentador do histórico Novantesimo Minuto, um dos programas esportivos mais célebres da Itália.

Sua estreia oficial como narrador foi em 8 de abril de 1970, cobrindo um jogo de desempate das quartas de final da Coppa Italia, entre Juventus e Bologna, no campo neutro do estádio Giuseppe Sinigaglia, em Como. Quando se dirigia para a estação ferroviária central de Milão para embarcar no trem para a cidade vizinha, Pizzul, porém, foi convidado para almoçar e tomar um cafezinho com o folclórico jornalista Beppe Viola, seu colega. O resultado? Terminou se atrasando para o trabalho devido a um imprevisto no meio do trajeto.

Obviamente, a transmissão foi caótica – mas ali, mesmo com contratempos, o friulano mostrou sua habilidade para narrar sem perder a compostura e, claro, para driblar a demissão. Pizzul também teve sorte, porque as partidas não eram televisionadas ao vivo e ele conseguiu cobrir, em estúdio, os 15 minutos que havia perdido devido ao convite de Viola. Estava lançada a carreira de um dos maiores cronistas do futebol italiano. A partir dali, seguiu atuando em jogos da modalidade, mas também passou por outros esportes, como remo, ciclismo, boxe, vela, hipismo e até bocha e tênis de mesa. O garoto de Cormons se tornou um verdadeiro e multifacetado homem da televisão, levando sua cultura a outros públicos.

Pizzul, o mais alto dentre os que estão de pé, contrariava o significado do seu sobrenome (Arquivo/Lupetti)

No início de seu trabalho na sede da Rai, em Corso Sempione, Milão, Pizzul foi orientado por Nando Martellini, à época o titular da emissora e, por isso, escalado para os principais jogos. Falamos aqui de outro gigante do jornalismo esportivo italiano. Um mestre da telecrônica – e aqui tomamos a liberdade de traduzirmos literalmente o termo “telecronaca”, que significa “narração” no idioma itálico, para enfatizarmos a solene construção narrativa dos profissionais daqueles tempos.

Atuando como mentor, Martellini ensinou a Pizzul a arte da sobriedade, o valor de se calar quando necessário, a importância da linguagem elegante e das pausas carregadas de significado. Bruno aprendeu que narrar não era gritar, mas sugerir; não era ocupar todos os silêncios, mas respeitá-los. Entendeu que o verdadeiro narrador não compete com o espetáculo. Ele o emoldura, oferece a trilha sutil que realça sem dominar. Essa filosofia moldou seu estilo para sempre.

Em entrevista ao jornal La Repubblica, em 2018, Pizzul sintetizou o que pensava sobre o seu ofício. “Um narrador precisa ter espontaneidade e ser quem realmente é, não imitar os outros. O esporte é pura emoção: se você segue um roteiro, não a transmite. As pessoas sentem se o profissional faz isso e o espetáculo acaba. Além disso, a verdadeira atração está nas imagens. Falar demais distrai. O esporte se resolve na beleza de um gesto”, analisou.

Em 1986, na Copa do México, Pizzul foi escolhido como narrador oficial dos jogos da seleção italiana na Rai. Ele substituía Martellini, que se sentiu mal devido à altitude em algumas cidades do país norte-americano. Antes, havia trabalhado em esporádicas partidas da Nazionale e atuado somente em grandes pelejas de clubes ou de outras equipes nacionais, como na final da Euro de 1972, entre Alemanha Ocidental e União Soviética. A voz do friulano acompanhou os azzurri por cinco Mundiais (1986, 1990, 1994, 1998 e 2002) e quatro Eurocopas – como reserva, na disputa pelo terceiro lugar de 1980; como titular, em 1988, 1996 e 2000, já que, em 1992, ficaram de fora. O timbre de Brunone foi a trilha sonora de uma geração inteira, que cresceu ouvindo sua cadência calma, sua dicção limpa e seu vocabulário culto.

O grandalhão era um narrador que fazia do futebol uma aula de literatura oral. Um verdadeiro homem das letras entre os microfones: por sua bagagem cultural, volta e meia citava autores clássicos em entrevistas ou nas transmissões. Essa sensibilidade intelectual ajudava a diferenciar seu estilo narrativo, pautado mais na elegância do que na excitação. E, de fato, narrava como um literato observa o mundo: com olhos atentos e palavras bem escolhidas.

O narrador, aqui fotografado ao lado do ex-técnico Giuseppe Marchioro, começou na Rai no fim dos anos 1960 (Guerin Sportivo)

Pizzul cultivava um italiano límpido, enriquecido por um discreto sotaque friulano. Suas frases nunca sobravam, nunca faltavam. Falava como se ponderasse cada palavra antes de oferecê-la ao público – e, na verdade, as improvisava com leveza. “Tutto molto bello” (ou “tudo, tudo muito bonito”), dizia sempre, evocando a atmosfera das partidas. Em sua espontaneidade, para distinguir os dois Baggios que brilhavam em seus tempos dourados de narração, chamava-os simplesmente por seus nomes próprios: Dino e Roberto.

A palavra “Roberto”, aliás, era uma das mais utilizadas por Pizzul. Robi recebia muitas bolas de costas para as defesas rivais, de modo que precisava desbaratar situações complicadas. “Ha il problema di girarsi”, cunhou Bruno. Sim, Robi tinha que resolver aquele enigma e arrumar um jeito de girar sobre os marcadores, o que frequentemente conseguia – tal qual Ronaldo, com quem o narrador também usava a expressão. Assim como os craques, o próprio Brunone era capaz de pegar os caminhos mais imprevisíveis para forjar frases e locuções que ficariam eternizadas na memória dos amantes do futebol italiano – em paralelismo com o legado do icônico jornalista Gianni Brera, seu grande amigo.

Durante a Copa de 1990, disputada na Itália, Pizzul se viu no centro de uma comoção nacional. As “noites mágicas”, embaladas por Salvatore Schillaci e companhia, foram também noites de ouro para sua voz. Seu relato do golaço de Roberto Baggio contra a Checoslováquia entrou para os anais da TV italiana – e antes dos tempos em que chamava o Divin Codino só por seu nome, como nas quartas do Mundial de 1994, contra a Espanha. A cada lance, Bruno parecia traduzir não só o jogo, mas o espírito coletivo do país, entre euforia e tensão. E transmitia emoção na medida certa. Diferentemente de tantos colegas, era capaz de fazê-lo sem elevar o seu tom a níveis estratosféricos e sem gritaria desmedida, pois não precisava disso para ter atenção. Sua autoridade vinha da clareza.

Pizzul também transmitiu com dor silenciosa o pênalti desperdiçado por Robi Baggio na final de 1994. Numa sequência de frases emblemática, deixou evidente toda a decepção do povo italiano. “Eis Roberto. Por cima. A Copa do Mundo acabou. O Brasil venceu nos pênaltis”. O friulano as proferiu com um misto de pesar e respeito, sem sensacionalismo.

Nos momentos difíceis, aliás, é que sua dignidade se sobressaiu. Na Tragédia de Heysel, em 1985, usou um tom contido, quase sepulcral, para transmitir a final da Copa dos Campeões entre Juventus e Liverpool, em Bruxelas, capital da Bélgica. A partida foi mantida pela Uefa mesmo após o desastre causado pela superlotação do estádio e pela invasão de hooligans ingleses num setor misto, mas majoritariamente ocupado por bianconeri, que ocasionou a morte de 39 pessoas (32 delas, italianas) e mais de 600 feridos.

Bruno se tornou o narrador oficial da seleção na Rai em 1986, um ano após conduzir com sobriedade a Tragédia de Heysel (Aicfoto)

Pizzul se agigantou ao longo de pouco mais de três longas horas de uma transmissão que começou caótica. Quando entrou no ar, por volta das 20h10, no horário local, o tumulto que resultou no esmagamento e no pisoteamento de centenas de pessoas já havia acontecido. A partir de Roma, o diretor de imagens tentava contato com Bruno, mas não obtinha respostas – e a comunicação vazava, de modo que todos ouviam. Após alguns minutos, o contato com o narrador foi estabelecido e ele começou a descrever o cenário de terror que presenciara parcialmente, de sua posição na tribuna de imprensa, e a relatar as informações confusas que recebia. O pânico ainda não havia sido controlado pela polícia belga.

Sem ter informações claras à disposição e com o clima de tensão se alastrando pela Itália, que assistia angustiada a uma tragédia que poderia ter vitimado milhares de torcedores que viajaram até a Bélgica, Pizzul optou por um tom seco, equilibrado, e se recusou a dramatizar excessivamente. “As informações eram fragmentadas e conflitantes. Pensei nos familiares dos torcedores visitantes, naqueles que não tinham notícias. Eu não queria alarmá-los, mas também não era justo minimizar a tragédia”, relembrou em entrevista anos depois. Foi exatamente o seu comportamento responsável, acompanhado pela crítica polida que o fez sair da partida como um narrador distinto dos outros. Para muitos, aquela noite triste foi o ponto alto de sua carreira.

Quando, de maneira surpreendente, os jogadores da Juventus apareceram em campo para tentar acalmar os torcedores, sendo rapidamente cercados por uma maré bianconera, Pizzul cravou: “é uma ideia louvável, mas inútil e impossível”. Poucos minutos depois, anunciou o desfecho do tumulto. “O comissário da Uefa acaba de me confirmar que 36 pessoas morreram (seriam 39, como falamos anteriormente, mas, de fato, as informações eram desencontradas àquela altura). E a outra notícia que me deixa extremamente desconcertado é que a partida será realizada assim mesmo”, lamentou.

Diante da decisão das autoridades de seguir com o jogo, que começou atrasado em cerca de uma hora e meia, Bruno mostrou sua contrariedade de maneira sóbria. “Está claro que, a este ponto, o resultado é irrelevante. Jogar com esses números (de mortos) é absolutamente inaceitável”, criticou. “Narrarei esta partida com um tom asséptico”, completou Pizzul. Naquela noite desastrosa, a Uefa, supostamente pressionada pela polícia belga, receosa de mais desordem pública, escondeu a gravidade do ocorrido das delegações de Juventus e Liverpool. O intuito era evitar que os jogadores – já propensos a não atuarem – se unissem em torno do adiamento da final.

Enquanto burocratas tomavam contestáveis decisões em seus gabinetes, Pizzul precisava se negar a atender pedidos desesperados de torcedores que, para fugir do tumulto, invadiram o setor destinado à imprensa. Os sobreviventes queriam que o narrador falasse seus nomes e sobrenomes ao vivo, para que suas famílias soubessem que estavam bem. Temendo criar pânico generalizado, porque não conseguiria atender a todos, comentou no ar sobre as solicitações e se justificou. Depois, recebeu o agradecimento de muitos deles por sua prudência.

Assim como Brera, seu amigo, Pizzul cunhou expressões que seriam eternizadas entre os amantes do futebol italiano (Ansa)

Seu comportamento ético e respeitoso durante aquele episódio foi amplamente reconhecido pela crítica e pelos amantes do esporte, consolidando sua imagem como um narrador que sabia distinguir o espetáculo da tragédia. Anos depois, revelou que viveu aquele dia com angústia, sentindo-se deslocado ao ter que narrar algo que, em suas palavras, “não deveria ter acontecido”. Admitiu que, por dentro, não tinha vontade alguma de seguir com a transmissão, mas o dever jornalístico falou mais alto. O caos na arquibancada, os jogadores em campo enquanto os alto-falantes enviavam mensagens e a polícia entrava em confronto com torcedores dos dois times, o clima surreal de comemoração dos atletas que não tinham noção da tragédia, os corpos cobertos por bandeiras, os gritos abafados – tudo aquilo, contou, ficou para sempre em sua memória.

Além do amargor por ter presenciado aquele desastre, Pizzul também carregou a frustração de nunca ter narrado uma vitória da Itália em Copa do Mundo. “Sempre tive a esperança de que narraria um título italiano. Sinto que essa foi uma lacuna na minha carreira”, confessou em entrevista à Ansa. Em 2006, quando a Nazionale venceu a França nos pênaltis e conquistou o tetra, Bruno já havia deixado a Rai. Assistiu como torcedor, emocionado, mas um pouco melancólico – talvez lembrando da derrota dos azzurri, comandados pelo amigo Azeglio Vicini, nas semifinais de 1990, contra a Argentina, em casa. “Abriria mão de muita coisa para para que aquela partida fosse jogada de novo. Aquele time tinha tudo para ganhar”, afirmou, na já citada conversa com La Repubblica.

Por outro lado, o sucesso dos times da Itália compensava esse vácuo. “Nunca perdi o sono por isso [por não ter sido o cronista da conquista de um troféu pela seleção]. Fui amplamente recompensado porque os clubes ganhavam taças internacionais de baciada”. Tudo começou com o título do Milan sobre o Leeds, na Recopa Uefa de 1973. Posteriormente, ainda com os rossoneri, sua voz embalou as conquistas de Arrigo Sacchi, na década de 1980, e as de Capello, na de 1990. O citado triunfo da Juventus em Heysel e em outros torneios continentais, sob a batuta de Giovanni Trapattoni. Ou o Napoli de Diego Armando Maradona (1989), o Parma da Parmalat (1995 e 1999), a Inter de Trap (1991) e, depois, de Ronaldo (1998), na Copa Uefa. A Sampdoria de Roberto Mancini e Gianluca Vialli (1990) e a Lazio de Christian Vieri na Recopa (1999). Faltou o seu Torino. E por pouco: Pizzul também narrou o vice dos grenás ante o Ajax, na Copa Uefa de 1992.

Em agosto de 2002, Pizzul se despediu da Rai, a emissora pública da Itália, numa transmissão em Trieste: em amistoso, a Nazionale perdeu para a Eslovênia por 1 a 0. “Não queria mais ter um contrato fixo, porque, nesse caso, você tem que fazer o que te mandam”, disse. Brunone, um amante das pausas e do comedimento, não gostava muito de trabalhar com comentaristas e, como essa era uma tendência naqueles tempos, preferiu atuar onde tivesse mais liberdade.

A partir dos anos 1990, o futebol virou espetáculo midiático. Gritos, comentários exaltados, invasões de opinião. “Os narradores de hoje são bons, mas falam demais. Às vezes a televisão parece preferir exibir a si mesma do que transmitir as partidas”, analisou o veterano. Pizzul se manteve fiel ao seu estilo: uma narração que educava, informava e emocionava sem exagero. A TV italiana mudou, mas ele permaneceu um bastião de sobriedade e elegância. Com garbo, se manteve como uma espécie de aristocrata do vernáculo no reino ruidoso do esporte.

Uma das raras lacunas na carreira de Pizzul foi não ter narrado um título mundial da Itália, que, em 1990, era treinada pelo amigo Vicini (IPP)

Embora tenha se afastado da mais tradicional empresa do setor televisivo da Bota, Pizzul nunca se aposentou realmente. Depois de deixar a Rai como empregado fixo, voltou à emissora para participar em alguns programas, como Quelli che il calcio e La Domenica Sportiva, e passou por várias redes privadas de TV, como LA7, de propriedade de Urbano Cairo, presidente do Torino. Em 2022, no DAZN, teve um quadro chamado “Tutto molto bello”, no qual narrava todos os gols das rodadas da Serie A a seu modo. Em 2021, também narrou a final da Euro, vencida pela Itália, num evento beneficente em Cormons. A homenagem que lhe foi feita terminou com a vitória azzurra que lhe faltava – ainda que sua voz não tenha sido transmitida para todo o país.

Além de ter sido narrador, Pizzul apresentou programas emblemáticos, como o já citado La Domenica Sportiva, Domenica Sprint e Sport Sera, entre os anos 1970 e 1990. Também foi o responsável pela moviola – ou seja, pelos tira-teimas e quadros de análise de arbitragem – do Novantesimo Minuto. Nesses espaços, revelou também sua capacidade de improviso, sua cultura geral e seu senso de humor refinado.

Muitos colegas, como Marco Civoli, seu discípulo – e narrador oficial da Rai na Copa de 2006, vencida pela Itália – o descreviam como um verdadeiro e generoso mestre do ofício, sempre disposto a orientar os mais jovens com paciência e gentileza no trato. Pizzul, porém, jamais se colocava em pedestal. Preferia rir de si mesmo e nunca se levou tão a sério.

Talvez por ter consigo essa leveza no viver, Pizzul tenha sido aberto até mesmo a incursões no cinema – que começaram quando ainda estava no início de sua trajetória. Em 1974, 1996 e 2011, interpretou a si mesmo em “O Árbitro”, “Fantozzi” e “Box Office 3D: O Filme dos Filmes”, respectivamente. Depois, participou de “Ventitré” (2004) e deu voz ao narrador na versão italiana da cinebiografia de Pelé, em 2014. Seu timbre inconfundível emprestava gravidade a qualquer narrativa, mesmo longe dos estádios. Por isso, foi sondado até mesmo para uma ponta como apresentador do reality show Ilha dos Famosos – ou Isola dei Famosi, no idioma original. Convite prontamente negado: queria ficar em Cormons. Preferia o papel de coadjuvante, mas seu brilho era inevitável.

Assim como perto das câmeras, longe das lentes Bruno mantinha hábitos simples. Nunca tirou carteira de motorista. Preferia andar de bicicleta pelas ruas de Cormons, onde todos o conheciam e respeitavam – quando precisava andar de carro, quem dirigia era sua esposa, Maria, a quem apelidou no início do relacionamento de “Tigre”, por ter um caráter similar ao da companheira de um jogador da Triestina que recebera a mesma alcunha. Mesmo em Milão, fazia tudo a pé, pedalando ou de trem. Durante o período de cerca de 40 anos em que morou na capital da Lombardia, viveu a poucas quadras da sede da Rai.

A última partida que Pizzul narrou pela Rai foi um amistoso entre Itália e Eslovênia, em Trieste, a cerca de 55 km de Cormons (imago/IPP)

Quase octogenário, voltou a morar em Cormons – que, aliás, era muito mais do que um refúgio, onde podia viver sem pressa, fruindo o tempo e recebendo amigos para jogar briscola em casa. A pequena comuna era parte de sua identidade. Pizzul participava das festas locais, apoiava a equipe amadora da cidade e era apaixonado pelos famosos vinhos brancos do Friuli. A propósito, na Copa de 1994, no Giants Stadium, um engraçadinho chegou até a levar uma faixa com os dizeres “Bruno, pare de beber”, em referência a uma piada feita pelo comediante Marco Milano.

Pizzul viveu na cidadezinha em que cresceu até o início de 2025, quando seu estado de saúde piorou e foi necessário transferi-lo a um hospital de Gorizia. Em 5 de março, três dias antes de completar 87 anos, Brunone não resistiu a duas semanas de internação em Gorizia e faleceu. O craque dos microfones deixou a esposa Maria, três filhos e 11 netos. Fabio, o primogênito, seguiu seus passos e se tornou jornalista – além de professor da Universidade de Milão e conselheiro regional (cargo equivalente ao de deputado estadual) da Lombardia, pelo Partido Democrático, de centro-esquerda.

A morte de um dos mais amados narradores da Rai, ao lado de Martellini, Nicolò Carosio e Sandro Ciotti, comoveu o país. O funeral, realizado em Cormons, foi acompanhado por amigos, colegas e fãs. Pizzul foi homenageado por personalidades da imprensa, da política e, claro, do esporte. Uma frase proferida por Roberto Baggio resumiu o sentimento de gratidão da Itália a Bruno: “sua voz ecoa pela eternidade”.

Em 2025, o Giro d’Italia, uma das mais tradicionais competições de ciclismo de estrada do mundo, dedicou ao narrador a etapa realizada no Friuli. Além disso, Torino – seu time do coração – e Udinese – equipe de sua região – concordaram em criar a Copa Pizzul, realizada em Turim, quando a Serie A terminar em anos pares, e em Údine, nos ímpares. Na 33ª rodada do campeonato, na primeira vez que a simbólica taça esteve em jogo e o ícone da imprensa esportiva italiana foi relembrado, os grenás venceram por 2 a 0.

O legado de Pizzul permanece vivo. Nos arquivos da RAI, em vídeos espalhados pelo YouTube, nas memórias de quem viveu os anos dourados dos azzurri com ele. Mas também como inspiração: para jornalistas, para educadores, para qualquer um que acredite no poder da palavra dita com verdade.

Bruno foi, e seguirá sendo, a voz serena de um país que vive o futebol com paixão, mas que soube reconhecê-lo como mais do que um jogo – como parte da sua cultura, da sua alma, da sua história. Será sempre lembrado por seu estilo contido, quase monástico. E por ter mostrado que, num mundo cada vez mais barulhento, a suavidade pode ser mais poderosa do que o grito.

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