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·25 de julho de 2025
Vitinha, o <i>Pinheirinho de Ringe</i> que sonhava jogar com Messi: «Nunca deu um pontapé para o ar»

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·25 de julho de 2025
«O Vitinha é um dos melhores jogadores do mundo na sua posição, sem dúvida. Não vejo um jogador melhor do que ele no meio-campo em nenhuma equipa do mundo. Posso estar errado, mas raramente me engano.»
Palavras fortes de Luis Enrique direcionadas a um dos discípulos lusos no PSG.
A verdade é que depois destas declarações do técnico espanhol, os holofotes não se cansaram de perseguir o atleta de 25 anos ao longo do ano civil. Os troféus seguiram exatamente a mesma toada: Liga dos Campeões, UEFA Nations League, Ligue 1, Coupe de France, Trophée des Champions, todos eles foram levantados pelo talentoso mago.
E atenção! No tabuleiro dos parisiens, constituído por múltiplas figuras de peso, Vítor Ferreira não é um singelo peão. É a torre. Movimenta-se para todo o lado, sem pedir licença. Com a classe habitual, joga e faz jogar, soltinho, como atuam os predestinados.
«No AMCH Ringe era igualzinho, destrocava. Que gozo dava vê-lo jogar», lembra Adílio Pereira, antigo técnico do internacional português na sua primeira casa.
O zerozero visita a Vila das Aves em busca das pegadas de Vitinha. O ADN da família sente-se por toda a parte, não fosse este pinheirinho filho e neto de gente do futebol.
Do Candal - localidade onde se situa a nossa redação - a Ringe são 40 minutos, mais coisa, menos coisa. Viagem tranquila. Porém, a serenidade no trajeto não se adequa com o destino. Rapidamente percebemos isso. No Complexo Habitacional de Ringe reinam os constantes berros e insultos, provenientes dos apartamentos que circundam o recinto desportivo.
Cada janela daquele remoto lugar corresponde a uma vivência distinta. Todavia, muitas destas respetivas vidas são embaciadas, onde os escassos motivos para sorrir raramente se prendem com questões monetárias. Um meio sui generis, marcado por problemas sociais e por famílias desestruturadas. O retrato de um bairro difícil.
«Quando eu vim para aqui, isto chamava-se o Iraque, e não era obviamente por bons motivos. Cada miúdo que saísse daqui para algum lado era mal recebido», começa por explicar-nos o sr. Pinheiro, nome intimamente ligado ao primeiro clube de Vitinha..
João Adílio Pinheiro Monteiro é um homem carismático, que não passa despercebido nas redondezas. Depois de uma carreira devota ao CD Aves enquanto jogador, o nosso experiente entrevistado decidiu continuar ligado ao contexto futebolístico, desta vez no papel de dirigente do seu clube de coração. Após vários anos como coordenador de formação dos avenses, o espírito de missão chamou mais alto.
Com o intuito de estender a mão a quem tanto necessitava, o sr. Pinheiro foi o grande impulsionador das escolinhas de Ringe. Porém, antes de abraçar o desafiante projeto apresentado por Joaquim Faria (presidente do clube na época), uma lista de exigências deveria ser corrida com vistos.
«É um projeto muito antigo. Eu convenci o sr. Pinheiro a vir para Ringe para criarmos uma escola de futebol, onde conseguíssemos inserir pessoas menos favorecidas no contexto desportivo. Hoje em dia, é muito difícil encontrar um clube de futebol onde não se pague para jogar na formação. O AMCH Ringe é uma clara exceção à regra. Toda a gente é livre de participar, independentemente das condições financeiras», refere Joaquim Faria, outro elemento próximo e conhecedor de Vitinha.
«O nosso lema transmite a nossa principal prioridade. Queremos formar homens para a vida», acrescenta, trazendo à tona os princípios que regem a instituição.
Ao contrário do que se pensa, Vitinha não aparece no caminho do sr. Pinheiro por obra do acaso. Vítor Manuel, pai do camisola '17', foi comandado pelo célebre treinador dos Pinheirinhos de Ringe no CD Aves, dos oito aos 18 anos de idade. Esta conexão forte originou um convite muito especial, que acabaria por marcar uma carreira.
«Eu fiz uma proposta ao Vítor pai: ‘Perdi a cabeça, a nossa equipa vai entrar num Torneio Internacional [em Vila Real de Sto. António. Não quer deixar ir o Vitinha?’. Ao que ele me respondeu: 'Epá, se eu lhe disser, ele não o larga mais'», conta, sempre com um sorriso estampado no rosto.
E lá seguiu o pequeno Vítor, de cinco aninhos, para a prestigiante prova, movido pelo entusiasmo. Adílio Pinheiro confessou que numa primeira instância, não colocou a nova jóia no onze titular, apesar de reconhecer a sua superlativa habilidade face ao respetivo plantel. A meritocracia era um dos principais mandamentos do homem que já havia visto quase de tudo.
Contudo, não tardou muito para o nosso protagonista causar aparato: «Nesse torneio, nós estávamos claramente num dia ‘sim’ e os golos começaram a surgir de todas as formas e feitios. O Vitinha, naturalmente, abriu o livro.»
«Apesar de ao nosso lado estarem a jogar equipas como o Ajax, o Barcelona e o Inter, vários dirigentes e olheiros conceituados atacaram o nosso balneário logo após o apito final. Foi aí que apareceu o sr. Aurélio Pereira, com o jornal debaixo do braço. Exaltado, disse-me assim: ‘Sr. Pinheiro, você tem aí cinco jogadores de seleção!», prossegue.
No entanto, apesar deste claro interesse de um dos maiores caçadores de talentos do futebol luso, os meninos de Ringe acabaram por optar por ficar mais perto de casa, rumando à Casa do Benfica da Póvoa de Lanhoso. Curiosamente, a respetiva filial dos encarnados era coordenada por… Rui Costa.
Depois de dois anos de evolução com a camisola das águias, a talentosa grupeta seguiu para o FC Porto. Todavia, no imprevisível contexto futebolístico, nem todos os jogadores alcançam os patamares que almejam.
Se Vitinha chegou ao topo da pirâmide do futebol profissional, outros colegas que acompanharam o médio nesta bonita caminhada não tiveram a mesma sorte, embora tenham sido autores de conquistas memoráveis. Por exemplo, Rúben Moura e José Pereira jogam, atualmente, no Tirsense, emblema do Campeonato de Portugal que chegou às meias-finais da Taça de Portugal em 2024/25.
Questionado sobre o impacto da sorte no sucesso individual, o sr. Pinheiro aproveita a oportunidade para deixar uma alfinetada a um velho conhecido.
«Às vezes, um jogo define a carreira de um jogador, bem como as pessoas que lhe aparecem pelo caminho. O Sérgio Conceição, por exemplo, não foi amigo do Vitinha. Numa fase inicial, preferiu o Romário Baró, apesar de ele ser suplente do Vítor na seleção sub-21», aponta, antes de deixar um reparo sobre a preponderância da resiliência.
«Atenção, eu sou muito amigo do Sérgio, gosto muito dele enquanto pessoa, mas temos de ser sinceros… ele espremeu o Vitinha e depois mandou-o para o Wolverhampton. Depois, no ano a seguir, o Vítor esteve até ao último dia para ser inscrito. O FC Porto acabou por ser campeão muito por causa do Vítor. O futebol tem destas coisas…», ressalva.
Segundo os testemunhos que colecionamos, a verdade é que Vitinha é igualzinho ao seu progenitor, dentro e fora dos relvados: «Aquilo que eu vi no Vitinha aos cinco, foi o mesmo que eu vi no Vítor pai aos 12. Os mesmos tiques, a mesma forma de pegar na bola. Por exemplo, ambos são donos de um remate muito certeiro, quase impossível de travar», comenta Adílio Pinheiro.
O entrevistado garante, ainda, que os elevados índices de humildade de Vítor Manuel impediram-no de chegar mais longe. Joaquim Faria corroborou, enaltecendo os louváveis valores educativos transmitidos ao ex-dragão.
«O pai chegou-me a falar que o Vitinha, por vezes, ficava desmotivado quando jogava a defesa direito ou em qualquer outra posição no terreno. Independentemente disso, o Vítor nunca se queixava. Jogava onde fosse preciso para ajudar a equipa», conta, numa primeira instância.
«No entanto, era no meio-campo que se evidenciava e onde sempre gostou realmente de jogar. O Vitor Pai também era assim. Era um número ‘6’ espetacular, colocava a bola onde queria», acrescenta.
Contudo, houve um aspeto do jogo em que o Vítor Jr. cresceu exponencialmente. Que o diga o Sr. Pinheiro: «O Vitinha agora corre muito mais, está com uma caixa...! Às vezes, fico cansado só de o ver jogar na televisão. Quando o vejo a pegar na bola no final do jogo, só penso ‘eia, lá vai ele' [risos].»
Vitinha sempre foi um ávido defensor da comunidade. No entanto, na hora de prestar auxílio, sempre preferiu fazer a diferença pela calada. Discreto no futebol, discreto na vida, um mote coerente.
«Quando chegou ao Wolverhampton, disse-me uma coisa bonita: ‘Compre um presente para cada um dos meninos de Ringe de 100 euros’. Eu respondi ‘Vitinha, isso é muito dinheiro’, mas ele insistiu e afirmou assim: ‘O Ringe deu-me o que ninguém deu’», enaltece Adílio Pinheiro, com um intenso brilho nos olhos.
Foram várias as vezes em que o prodígio abriu os cordões à bolsa em prol de um bem maior: «Durante a pandemia, estávamos em chamada e eu disse-lhe ‘Vitinha, infelizmente há muita gente aqui das Aves a passar mal’. Não precisei de falar mais nada. Ele decidiu colocar dois camiões enormes cheios de produtos essenciais aqui no Complexo. Ainda há comida num dos veículos, veja lá...»
Vitinha não foi o único produto com um rótulo de excelência produzido pelos Pinheirinhos. Proveniente diretamente da Suíça, foi em Ringe que Diogo Costa encontrou o seu primeiro lugar ao sol.
Aliás, o reconhecido guardião seguiu o restante núcleo para todo o lado, até à afirmação nos azuis e brancos. Todavia, o percurso do atleta de 25 anos podia ter sido bem menos estrelado caso o sr. Pinheiro não tivesse feito uma alteração precocemente.
«O Diogo gostava era de marcar golos e então para o meter na baliza foi o cabo dos trabalhos. Ele disse-me logo que não queria, mas eu vi aptidões… chutava bem e era calmo. De guarda-redes malucos estamos nós cheios [risos]», diz, numa malandrice divertida.
«Depois do treino, o Diogo foi para casa chateado comigo. Passado um bocado, telefona-me o avô… ‘Oh Ginho, o menino chegou a casa a chorar’. Eu respondi-lhe com calma. 'Olha, com ele na baliza, ninguém nos ganha, mas se ele não quer ir atrás é tranquilo'», continua.
Posto isto, a surpresa foi grande na sessão de preparação posterior: «No dia a seguir, o Diogo apareceu com aquelas calças com almofadas nos joelhos e aquelas luvas grossas. Até hoje, eu ainda não sei quem o convenceu [risos].»
Desta forma, em tenra idade, o futuro dono dos postes portugueses viu as suas aparições repartidas entre a baliza e o ataque. De acordo com o experiente mister, Diogo Costa chegou mesmo a ser o melhor marcador em alguns torneios (!), com muitos dos tentos a surgirem de uma área à outra. Qual Rogério Ceni, qual quê…
Adílio Pinheiro confessou que teve algum receio na mudança de ares de Vitinha, em 2022. Contudo, bastou um diálogo com o mágico luso para entender os motivos que o guiaram até Paris.
«Quando ele veio cá para ser padrinho do nosso torneio, a primeira coisa que eu lhe perguntei foi ‘foste para o PSG obrigado?’. O Vitinha só me respondeu ‘Sr. Pinheiro, o meu sonho é jogar com o Messi’. ‘Ok, então vai ensinar aquele morcão a jogar à bola'», conta, entre inúmeras gargalhadas.
O antigo dirigente dos avenses assegura que Vitinha rapidamente ultrapassou um clima de total desconfiança: «Ainda há muito Anti-Vitinha aqui nas Aves, por causa das picardias com Ringe. Diziam que ele ia sentar no banco em França, mas isso não aconteceu. Agora, percebe-se bem a sua influência. Quando as estrelas foram embora, o PSG fez o que fez.»
Adílio Pinheiro deixou, ainda, elogios ao homem do leme dos rouge-et-bleu:«O Vitinha teve a sorte de ter um treinador que vai de encontro com o seu futebol. Ele encaixa que nem uma luva na filosofia do Luis Enrique. Eu acredito que ele só vai embora do clube quando o técnico também for.»
Na sequência da clara hegemonia em território gaulês, a pressão dos simpatizantes do PSG para a conquista da ambicionada Orelhuda era cada vez maior com o decorrer do tempo. Como tal, a temporada 2024/25 foi determinante para colocar um ponto final nas constantes inquietações (e provocações amigáveis de Adílio Pinheiro).
«’Vitinha, campeão francês até eu era. Eu quero ver é vocês a conquistarem a Champions’. Ele respondeu-me de forma convicta: ‘Sr. Pinheiro, juro que vai ser este ano’. Ele tinha-me dito a mesma coisa no ano passado, mas desta vez cumpriu.»
Depois de um ano de sonho - onde apenas faltou a vitória no derradeiro encontro do Mundial de Clubes -, a Bola de Ouro será uma miragem? No entender de Adílio, a resposta a esta interrogação é ‘não’.
«Não sei, há o Mbappé, que tem outro estatuto, mas o Vitinha está claramente dentro da discussão. Quem olhar para os registos com olhos de ver, rapidamente se apercebe que ele é o melhor, é quem trata a redonda melhor.»
Já o antigo presidente do AMCH Ringe prefere deixar o livro em aberto, optando por agradecer aos seus pinheirinhos todas as alegrias já dadas.
«Tudo o que eles ganham, deixa-nos muito orgulhosos. Eles elevam o nome da nossa terra e do nosso país. Independentemente dos prémios individuais, o que queremos é que os nossos meninos sejam felizes e que façam o seu trabalho com qualidade.»
Entre despedidas e agradecimentos, Sr. Pinheiro continua a contar-nos as mais diversas histórias sobre os seus rebentos. O amor pelo projeto está espelhado em cada palavra, em cada recordação.
Com a bola cravada ao pé e com Ringe cravado no peito, Vitinha é um enorme caso de sucesso futebolístico. No entanto, existiram tantos outros na vida de Adílio - e não estamos a falar de bola. São as pequenas vitórias, fora de campo, dos meninos de Ringe que o deixam com uma alegria desmedida.