Calciopédia
·29 de junho de 2024
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Como transformar um local de grandes recordações num palco de um vexame histórico? Luciano Spalletti tem a senha. No Olympiastadion de Berlim, onde a Itália foi tetracampeã mundial ao bater a França nos pênaltis, em 2006, os azzurri inverteram a tendência: neste sábado, 29 de junho, levaram um baile da organizada Suíça e, após 2 a 0, foram eliminados nas oitavas de final da Euro 2024. Uma derrota que deve ser creditada integralmente ao treinador, em que pese um nível muito baixo mostrado por algumas peças ao longo da competição.
Spalletti passou a Euro fazendo invenções estapafúrdias, que resultaram em péssimas atuações e num time sem identidade, frágil e exposto. Ao longo da competição, a Itália só mostrou um bom futebol em 43 minutos do primeiro tempo com a Albânia – e algo aceitável no resto daquele jogo e na etapa inicial com a Croácia. De resto, uma seleção que sobreviveu graças ao melhor Donnarumma, hoje incontestável como capitão da equipe, e que foi um deserto de ideias em campo ofensivo. Porém, a apatia e falta de competitividade apresentadas contra a Suíça se encontram num patamar muito abaixo do referencial esperado para a Nazionale.
Em sua entrevista coletiva pós-eliminação, Spalletti disse assumir a responsabilidade pelo desastre, mas só da boca para fora. Em busca de álibis, o treinador elencou diversos motivos para as más atuações. Alguns, de fato, contribuíram para isso. Mas nenhum deles justifica a falta de competitividade de uma seleção com vários bons nomes convocados – não, não é a “pior geração” da Itália e sequer se trata de uma safra ruim, apesar de dificuldades em alguns setores, como o ataque. Nada explica também o capricho de tentar fugir do básico para tentar inventar a roda em momentos inoportunos.
Spalletti, de fato, teve menos tempo de trabalho do que seus antecessores – afinal, Roberto Mancini abandonou o cargo para aceitar os cifrões da Arábia Saudita em agosto de 2023, e o atual técnico abreviou seu período sabático para comandar os azzurri. A Itália realmente teve muitos desfalques importantes, como Scalvini, Acerbi, Udogie, Zaniolo, Berardi e, sobretudo, Tonali. E vários jogadores importantes que chegaram à Alemanha com problemas físicos, a exemplo de Barella e Dimarco. Certamente isso pode influenciar na qualidade do futebol apresentado. Porém, repetimos: de maneira alguma justifica tamanha apatia.
Isolado em suas ideias, Spalletti criou um mundo à parte e, em poucos meses, foi da idolatria em Nápoles ao fracasso na Itália (AFP/Getty)
Seria perda de tempo nos debruçarmos para rebater os comentários de Spalletti sobre uma temporada supostamente longa demais (só para a Itália?) ou um hipotético relaxamento dos jogadores da Inter – alguns dos melhores que o técnico tem à disposição – por conta de uma Serie A conquistada com tanta antecedência, tal qual o Napoli do professor (Pardal?), em 2022-23. Fazer isso seria tão esdrúxulo quanto os experimentos inovadores que Luciano de Certaldo tentou colocar em prática durante a Euro.
Nove dos 10 defensores convocados pelo treinador da seleção estão acostumados a atuar com linha de três. Porém, o técnico decidiu mandar a campo frequentemente uma retaguarda com quatro, formada por três canhotos – sendo que dois deles jamais haviam atuado juntos. A defesa desequilibrada, com Bastoni improvisado do lado direito, foi um dos motivos para a Euro negativa dos azzurri. Contra a Suíça, Calafiori, suspenso, e Dimarco, lesionado, não jogaram. Mesmo assim, faltou cobertura na cabeça da área – outro problema crônico.
Nesse setor, podemos dizer que a Itália foi afetada pelo vício em apostas. Tonali seria titular absoluto, mas desfalcou os azzurri devido a seu gancho, ainda vigente, por palpitaria ilegal. Locatelli, segunda opção, sequer foi considerado por Spalletti devido a uma temporada abaixo das expectativas pela Juventus. Jorginho, a terceira, acumulou atuações sofríveis na Euro e acabou barrado no duelo contra a Suíça. Fagioli, improvisado como regista, fechou o ciclo da ludopatia.
Investigado no mesmo inquérito que levou à punição de Tonali, Fagioli ficou suspenso por sete meses e, sem ritmo de jogo, sequer deveria ter sido convocado por Spalletti. Chamado à causa na peleja com os helvéticos, ratificou esta impressão ao ter sido um dos piores em campo – juntamente a Cristante. Considerando que Barella já não vinha bem fisicamente e ainda levou uma pancada na coxa no primeiro tempo, cabia mais dedicação. A dupla simplesmente liberou a Suíça para trocar passes na intermediária. E o técnico azzurro, vendo tudo isso ocorrer, os substituiu com muito atraso: o romanista deixou o gramado aos 74 minutos; o juventino, só aos 86.
Fagioli, que sequer deveria ter sido convocado, foi um dos fantasmas italianos em campo (AFP/Getty)
A Itália não perdia para a Suíça havia 31 anos. E, pela primeira vez em sua história, foi derrotada duas vezes numa mesma edição da Eurocopa. Considerando que a eliminação não se deu num jogo digno, Spalletti deveria ter a hombridade de pedir o boné – por muito menos, Cesare Prandelli, eliminado do Mundial de 2014, o fez. Não foi isso que o treinador fez em sua primeira (vergonhosa) entrevista coletiva após o vexame.
Gabriele Gravina, presidente da FIGC, falará com a imprensa neste domingo, 30 de junho. Que seja para entregar seu cargo e também demitir o principal responsável por expor um grupo de bons jogadores ao ridículo. Só com novas ideias e menos invenções a Nazionale poderia se recuperar mais rapidamente e, diante da enorme pressão, buscar a tranquilidade necessária para retomar um percurso que vinha sendo positivo até o título da Euro 2020. Quem sabe, com importantes adições provenientes das seleções de base, que vem obtendo bons resultados seguidamente.
A Suíça não trazia grandes lembranças para a Itália, já que os empates com os helvéticos, na fase de grupos das Eliminatórias para a Copa de 2022, foram responsáveis por fazer com que os azzurri tivessem que disputar a repescagem – bem, mais especificamente, foram os dois pênaltis desperdiçados por Jorginho que levaram a este cenário. Por outro lado, o Olympiastadion era o palco da final de 2006. Nenhuma dessas memórias, contudo, entrou em campo. A bem da verdade, a Nazionale também parece não ter aparecido no gramado da arena berlinense.
Enquanto Murat Yakin, da Suíça, manteve o seu habitual 3-4-2-1, com destaque para o dueto entre Freuler e Xhaka no meio, e as subidas pelos flancos de Aebischer e Ndoye, do Bologna – assim como o primeiro citado –, Spalletti optou, novamente, por um time que nunca havia atuado junto. Teimoso, voltou a adotar uma linha de quatro defensores e insistir em Di Lorenzo, seu pupilo, que não fez boa temporada e, pior, protagonizou uma péssima Euro. Praticamente um suicídio diante de uma adversária muito bem treinada.
Enquanto a Itália só observava, os suíços se multiplicavam (AFP/Getty)
O 4-3-3 desorganizado da Itália foi a campo com uma penca de alterações feitas pelo treinador – somente duas forçadas, já que Calafiori e Dimarco estavam indisponíveis. Nos seus lugares, entraram Mancini e Darmian. Spalletti também optou por Fagioli e Cristante nas vagas de Jorginho e Pellegrini, além de El Shaarawy na ponta esquerda, no intuito de reforçar aquele flanco – Raspadori e Frattesi, que vinham se alternando nessa lacuna restante, não têm tal característica e ficaram fora do onze inicial. Já Scamacca retomou sua posição como nove e Retegui se acomodou no banco de reservas.
Em nenhum momento a Itália teve o controle do jogo. Se enganou quem imaginou que o domínio da Suíça seria apenas uma questão de postura nos minutos iniciais: aquela foi a tônica de toda a partida, já que os azzurri entregaram o meio-campo de bandeja para a adversária, ainda que o intuito de Spalletti, com a entrada de Cristante e Fagioli, fosse a de promover um setor mais dinamizado. Eram os helvéticos que se multiplicavam, enquanto os italianos só assistiam.
Aos 24 minutos, a Suíça teve a sua primeira grande chance no momento em que Darmian falhou na linha de impedimento e deixou Embolo em posição legal. O atacante recebeu um ótimo passe de Aebischer e ficou cara a cara com Donnarumma, que fez uma excelente defesa para evitar o primeiro dos alpinos. No lance seguinte, Chiesa iludiu a torcida italiana. A seleção parecia ter acordado quando ele fez uma bela jogada individual, deixando dois marcadores na saudade antes de chutar fraco e parar no corte de Akanji. Porém, foi um mero lapso.
A Suíça continuava com mais posse de bola e teve sua virtude recompensada aos 37 minutos. Após troca de passes, Vargas achou Freuler, que se infiltrou com liberdade na área italiana. Fagioli não fechou o caminho para que a assistência chegasse ao volante do Bologna, Barella não o acompanhou e Mancini não diminuiu o espaço com a velocidade necessária. Assim, o camisa 8 helvético finalizou e ainda contou com desvio no zagueiro da Roma para abrir o placar. Donnarumma, que ficou uma fera após o gol sofrido, ainda evitou, contando com a ajuda da trave, que Rieder marcasse o segundo numa cobrança de falta, já nos acréscimos.
Com generosos espaços à disposição, a Suíça engoliu a Itália (AFP/Getty)
A Itália voltou do intervalo com Zaccagni no lugar de um El Shaarawy pouco participativo, mas o autor do gol da classificação azzurra contra a Croácia não tinha como resolver nada sozinho. Precisava de um meio-campo mais imbuído de seus deveres, mas Spalletti nada alterou naquele setor. E seu erro ficou ainda mais evidente com 35 segundos de bola rolando. Após Fagioli errar um passe, a Suíça trabalhou a pelota e Vargas ficou totalmente livre na entrada da área. Sem pressão, pois Cristante só o observava, acertou um lindo chute na gaveta, sem chances para Donnarumma.
Totalmente perdida em campo, a Itália quase diminuiu num lance absurdo. Aos 52 minutos, Fagioli tentou uma cavada para dentro da área suíça, Schär desviou de cabeça e, com Sommer vendido, acabou acertando a própria trave. Noutra ocasião, mais tarde, a bola chegou meio por acaso em Scamacca, na pequena área, mas o atacante acertou a trave.
O restante da partida foi um verdadeiro suplício para os azzurri, devido à inércia de Spalletti e à apatia dos jogadores, mal comandados pelo treinador. Como o próprio gosta de dizer, “homens fortes, destinos fortes; homens fracos, destinos fracos”. Infelizmente, para a torcida da Nazionale, nos deparamos com a segunda opção.