Trivela
·01 de dezembro de 2022
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Artilheiro consagrado na Europa na primeira metade dos anos 1990, Josip Weber é um elo entre o futebol de Croácia e Bélgica, que se enfrentam nesta quinta-feira. Croata de nascimento, ele começou a carreira quando sua nação fazia parte da antiga Iugoslávia, a qual deixou ainda jovem para se estabelecer como um goleador recordista no Cercle Brugge, da liga belga. Mas a relação também se estendeu às seleções. Caso raro num período bastante restritivo, ele defendeu ambas as equipes nacionais: a da Croácia, logo após a independência do país, e a da Bélgica, pela qual chegou a disputar a Copa do Mundo de 1994.
Embora nascido na cidade croata de Slavonski Brod, em 16 de novembro de 1964, Josip Weber começou sua carreira no futebol na Eslovênia, na base do pequeno NK Borac Podvinje. Mas ele ganharia nova chance em casa aos 17 anos, ao ser recrutado pelo BSK Slavonski Brod (atual NK Marsonia), que disputava a terceira divisão nacional. No clube de sua cidade natal ele disputaria três temporadas (1982/83, 1983/84 e 1984/85), antes de ser finalmente descoberto por um dos gigantes do futebol iugoslavo (e croata): o Hajduk Split.
O elenco da equipe de Poljud, porém, era bem servido de jogadores de frente, e o principal deles era Zoran Vujovic, homem de seleção e artilheiro da liga na temporada anterior à sua chegada. De modo que o jovem Weber seria usado apenas como peça de composição de elenco em suas duas campanhas pelo Hajduk. Ao todo seriam 28 jogos de competição somando liga e copa, sendo apenas 11 como titular, e cinco gols marcados. Mas ele participaria do início da caminhada rumo ao título da Copa da Iugoslávia na temporada 1986/87.
No Hajduk Split de 1986/87, Weber é o terceiro jogador a partir da direita na fileira de trás
Para ganhar rodagem, ele seria emprestado na temporada seguinte ao Dinamo Vinkovci, time que experimentara seu lugar ao sol na elite iugoslava por cinco anos em meados daquela década, mas acabara de ser rebaixado, vendendo logo em seguida seu goleador Davor Čop (artilheiro da liga em 1985/86) para o Empoli, da Itália. Weber era a nova aposta de um clube que se tornara célebre naquela época por revelar atacantes: antes de Čop, projetara o bósnio Sulejman Halilović, que disputou a Eurocopa de 1984 com a Iugoslávia.
Ainda que chegasse com o peso de preservar esse histórico recente, Weber se saiu muito bem no Dinamo, espécie de clube filial do Hajduk e que, no contexto da independência croata, seria rebatizado como o atual Cibalia. A equipe teria o ataque mais positivo da Segunda Divisão-Oeste, com 61 gols anotados em 34 jogos. Porém, terminaria só em terceiro lugar, cinco pontos atrás do campeão Spartak Subotica, que levou a única vaga de acesso daquele grupo. De todo modo, o desempenho individual do atacante chamou a atenção.
Naquela metade de 1988, Weber seguiria para uma experiência internacional que transformaria inteiramente sua carreira ao ser negociado com o Cercle Brugge, um clube cujas glórias remetiam aos primeiros tempos do futebol belga até os anos 1930, mas que, desde a década de 1970, vinha vivendo à sombra do vizinho Club Brugge, que se consolidara como potência nacional naquele período. Os dois dividiam o mesmo Olympiastadion, inaugurado em 1975. Mas a sorte de um e de outro vinha sendo bem diferente nos últimos tempos.
Até 1930, o Cercle havia vencido três vezes o campeonato e uma vez a Copa da Bélgica, sendo o primeiro clube da região de Flandres a conquistar a liga, em 1911. Porém, nunca se recuperou de seu primeiro rebaixamento, em 1936. Chegou a ficar 15 anos longe da elite entre 1946 e 1961, foi punido pela federação com o descenso à terceira divisão por um suposto caso de suborno em 1966 e, nas vezes em que disputou a categoria principal, acostumou-se com campanhas de meio de tabela para baixo, raras vezes figurando entre os primeiros.
Já o rival Club Brugge, por sua vez, havia vencido apenas um título da liga na primeira metade do século, em 1920. Também havia passado um longo período na divisão de acesso. Mas ressurgiu como potência a partir de meados dos anos 1960, conquistando várias vezes a liga (incluindo um tricampeonato entre 1976 e 1978) e a copa, além de mostrar força nos torneios europeus, sendo finalista da Copa da Uefa em 1976 e da Copa dos Campeões em 1978. Associado à elite, firmava-se como o “primo rico” da maior cidade de Flandres.
Por isso Weber não atraiu tanta atenção na imprensa belga ao assinar com o Cercle Brugge, ainda que os Groen en Zwart (verde-negros) tivessem vivido algumas alegrias nos anos anteriores: em 1985 e 1986, chegaram por duas vezes à final da Copa da Bélgica, vencendo a primeira diante do Beveren nos pênaltis (o que valeu a estreia em torneios europeus, jogando a Recopa) e perdendo a segunda para o rival Club Brugge. E na temporada anterior à chegada do atacante, 1987/88, conseguiram um posto melhor que o habitual: o sétimo lugar.
Weber no Cercle Brugge nas temporadas 1988/89, 1989/90 e 1990/91
Para o Cercle, entretanto, Weber chegava com a expectativa de preencher a lacuna deixada por outro atacante de origem croata, o australiano Eddie Krnčević, vendido ao Anderlecht em 1986. Em sua primeira temporada, seu parceiro de ataque seria o zambiano Kalusha Bwalya, então às vésperas de se consagrar com sua seleção nos Jogos Olímpicos de Seul, em que os africanos chegaram às quartas de final após golearem a Itália por 4 a 0 – o que o deixaria de fora dos jogos do clube por todo o mês de setembro de 1988.
Diante desse quadro, o começo da trajetória de Weber no Cercle não foi tranquilo. Nas primeiras 22 rodadas, ele entrou em campo 20 vezes, sendo 16 como titular, e marcou apenas cinco gols, chegando a enfrentar um jejum de seis partidas seguidas sem balançar as redes. Com a equipe na penúltima colocação, logo emergiram as críticas ao seu estilo de jogo, acusando-o de ser um atacante “fominha” e sem tanta técnica, além de comentários sobre sua dificuldade de adaptação ao sistema tático do técnico Johan Grijzenhout.
Seu ponto de inflexão chegaria na virada de fevereiro para março de 1989, quando ele marcou os gols do Cercle em dois preciosos empates em 1 a 1 fora de casa diante do Lierse e do Genk. A equipe venceria as duas próximas partidas, contra o Molenbeek e o Racing Mechelen, sem que o iugoslavo marcasse, mas logo ele iniciaria uma sequência goleadora de tirar o fôlego, a começar pela vitória de 3 a 1 sobre o Beerschot numa virada sensacional com um gol dele e dois de Kalusha depois que o time perdia até a dez minutos do fim.
A sequência de vitórias do time chegaria a cinco após os triunfos sobre o Charleroi fora de casa (2 a 1) e o Kortrijk em casa (2 a 0), nos quais Weber marcou todos os gols do time. Mais adiante, ele marcaria os dois no empate em 2 a 2 com o Lokeren e abriria o placar na vitória de 2 a 1 sobre o Sint-Truiden na penúltima rodada, resultados cruciais para que o Cercle firmasse seu lugar na elite, evitando o descenso por apenas dois pontos. E o iugoslavo terminaria a temporada como o artilheiro do time com 15 gols, três a mais que Kalusha.
Porém a dupla se desfaria na temporada seguinte: badalado na Europa por seu desempenho nos Jogos Olímpicos, o zambiano deixaria a Bélgica e se transferiria para o PSV Eindhoven, detentor da Copa dos Campeões. Além dele, outra baixa no elenco foi a de um croata: o experiente líbero Ive Jerolimov, que disputou a Copa do Mundo de 1982 pela Iugoslávia e chegou a atuar ao lado de Weber no Hajduk Split antes de se transferir para o futebol belga. A conexão do Cercle Brugge com os balcânicos não seria reduzida, ao contrário.
Weber ganharia dois compatriotas como novos colegas de elenco, ambos vindos do Hajduk Split: o zagueiro Jerko Tipurić, que também chegou a jogar com o atacante no antigo clube, e o armador Branko Karačić, perito nas cobranças de falta. Naquela temporada 1989/90, seu número de gols diminuiria (12 em 34 jogos, sendo 32 como titular) e ele enfrentaria um jejum até maior do que o da campanha anterior (10 partidas sem marcar na reta final). Mas o desempenho do time seria bem melhor: nono lugar, bem acima da zona da degola.
A situação voltaria a se inverter na temporada seguinte: individualmente, Weber teve sua melhor performance até ali, chegando aos 20 gols marcados e sagrando-se vice-artilheiro da liga, atrás de Erwin Vandenbergh, do Gent. Mas o Cercle fez um returno desastroso e custou a deixar para trás a ameaça da queda. Em janeiro de 1991, sofreu duas sonoras goleadas: 6 a 1 do Germinal Ekeren e incríveis 10 a 0 no clássico diante do Club Brugge. Terminou só uma posição acima da zona de descenso e com a pior defesa do certame.
Weber no Cercle Brugge nas temporadas 1991/92, 1992/93 e 1993/94
Com esses resultados ruins, a equipe sofreu troca no comando para a temporada 1991/92, com a saída de Johan Grijzenhout e a chegada de outro holandês, Henk Houwaart, que já havia dirigido a equipe em meados da década anterior. O Cercle melhorou e fez campanha segura de meio de tabela, terminando outra vez em nono. E se os problemas defensivos não chegaram a ser de todo sanados (a equipe foi a terceira mais vazada), pelo menos desta vez o ataque compensou: foi o quarto mais positivo, impulsionado pelos gols de Weber.
O croata começou a campanha de maneira arrasadora. Depois de se ausentar na estreia e de não balançar as redes na segunda partida, ele emendou uma sequência de 13 gols em nove jogos e assumiu a liderança da artilharia. A fonte pareceu ter secado a partir de novembro, mas em 18 de janeiro ele voltaria a marcar anotando a primeira tripleta na liga desde sua chegada na goleada de 5 a 0 sobre o Lokeren. E não pararia mais: terminaria como goleador do certame com 26 gols, cinco a mais que o norueguês Kjetil Rekdal, do Lierse.
Seu gol derradeiro naquela campanha viria na última rodada, abrindo o placar no incrível empate em 5 a 5 no clássico diante do Club Brugge, num jogo repleto de reviravoltas e no qual o Cercle chegou a estar vencendo por 5 a 2. Era o segundo gol de Weber no rival local: ele já havia marcado na primeira vez que enfrentara os Blauw-Zwart, na vitória por 3 a 1 em outubro de 1988. Porém, enquanto Weber caminhava para consagração na Bélgica, em seu país de origem as tensões e hostilidades étnicas e nacionalistas pegavam fogo.
Ainda que não fosse alinhada à União Soviética, a Iugoslávia foi o país que sofreu de maneira mais aguda o desmantelamento do bloco socialista na Europa na virada dos anos 1980 para os 1990, com as questões separatistas deflagrando uma sangrenta guerra civil que se estendeu pela maior parte da década. A Croácia se declarou independente em junho de 1991, mas o reconhecimento pleno só viria meses depois, quando já estava em andamento o conflito bélico entre sérvios e croatas, que se estenderia até agosto de 1995.
Nesse meio-tempo, a Croácia, que já havia sido filiada à Fifa como nação independente durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1941 e 1944, voltou a fazer parte da entidade internacional em julho de 1992 e da Uefa em junho de 1993. Porém, a seleção nacional já havia entrado em campo antes disso em jogos não-oficiais. E naquele mês da adesão à Fifa, mandou uma equipe à Austrália para três amistosos. O elenco era formado basicamente por atletas de clubes locais, com poucos atuando no exterior. Um destes era Josip Weber.
Contando com jogadores pouco experientes (ainda que futuramente alguns viessem a disputar Copas do Mundo), a equipe comandada por Stanko Poklepović não colheu bons resultados: foi derrotada nos dois primeiros jogos por 1 a 0 (em Melbourne) e 3 a 1 (em Adelaide) e empatou o último em 0 a 0 (em Sydney). O único gol dos croatas naquela excursão foi marcado por Weber, aproveitando um rebote do goleiro Robert Zabica, num lance típico do oportunismo de jogador de área que vinha fazendo sua fama na Bélgica.
Embora ainda hoje aqueles três confrontos sejam incluídos com frequência em listagens de jogos oficiais das duas seleções, na época a Fifa levantou suspeitas sobre a natureza daquelas partidas e decidiu não reconhecê-las como tais, conforme publicaria o jornal holandês “Trouw” cerca de dois anos depois. Foi esta decisão que mais tarde abriria as portas de uma nova experiência para Weber: a de disputar uma Copa do Mundo. Enquanto isso, de volta ao Cercle Brugge, o atacante viveria uma temporada ainda mais goleadora.
Assim como na campanha anterior, a equipe teve o quarto melhor ataque e a terceira pior defesa do campeonato, o que impediu voos mais altos, para além de um mero 13º lugar. Mas a cada ano mais goleador, Weber chegou a um momento em que esteve imparável. Chegou a marcar quatro vezes num mesmo jogo, a goleada de 6 a 2 sobre o Germinal Ekeren fora de casa. E entre a quarta e a 15ª rodadas, balançou as redes nada menos que 19 vezes em 12 partidas – com direito a uma atuação sublime no clássico de 21 de novembro de 1992.
Na vitória de 3 a 1 sobre o Club Brugge, Weber anotou todos os gols de seu time, numa tripleta emblemática de suas principais qualidades: a pontaria certeira no primeiro gol, a velocidade no segundo e o oportunismo dentro da área no terceiro. Embora não tivesse grande técnica, contava com um perfeito senso de colocação. Mais adiante, na penúltima rodada, ele anotaria outro hat-trick nos 4 a 0 sobre o Molenbeek e fecharia a campanha com espantosos 31 gols marcados em igual número de partidas, outra vez o goleador da liga.
Para a temporada 1993/94, o Cercle Brugge sofreria nova mudança no comando, com a chegada do técnico Georges Leekens, e reformulação também no elenco. O zagueiro Stéphane Demol, ex-Anderlecht, Standard Liège, Bologna, Porto e Toulouse, e que disputara as Copas de 1986 e 1990 pela Bélgica, era o reforço mais experiente. Mas também vieram o defensor australiano Dominic Longo e um quarteto de romenos formado por Tibor Selymes, Dorinel Munteanu, Marius Cheregi e Ovidiu Hanganu, todos com passagem pela seleção.
Ainda assim, o desacerto entre os setores continuou e mais uma vez o Cercle teve um dos ataques mais positivos e uma das defesas mais vazadas. Ao menos somou um ponto a mais e subiu uma posição em relação à temporada anterior. E contou novamente com Weber balançando as redes com uma assiduidade impressionante – e desta vez com seus gols distribuídos de maneira mais uniforme ao longo da temporada: em momento nenhum, o croata passou mais de dois jogos sem marcar. E repetiu os 31 tentos da campanha anterior.
Josip Weber em 1994, pela terceira vez artilheiro da liga belga (Foto: Reprodução/Gazet van Antwerpen)
Os destaques daquela caminhada que o levariam a ser o artilheiro disparado do campeonato pelo terceiro ano consecutivo ficaram com a vitória de 4 a 2 sobre o Lierse, em que Weber anotou os quatro de sua equipe, e a goleada de 4 a 0 fora de casa sobre o KV Mechelen no dia 4 de março de 1994, quando ele fez uma tripleta diante do goleiro titular da seleção, Michel Preud’Homme, que em breve seria apontado como o melhor do mundo na posição. E de quem, dentro de alguns dias, ele seria companheiro nos Diabos Vermelhos.
A seleção belga enfrentava séria crise no setor ofensivo naquele ciclo mundialista. Desde o pós-Copa de 1990 até o início do ano de 1994, a equipe havia disputado 23 partidas oficiais marcando 31 gols, sendo que quase metade (15) ficou nas redes dos inexpressivos Luxemburgo, Chipre e Ilhas Faroe. Para se ter uma ideia, o atacante Luc Nilis, do Anderlecht, jogador belga que marcara mais gols pela liga (79) nos quatro anos entre um Mundial e outro, ainda não havia balançado as redes pelos Diabos Vermelhos em 23 jogos oficiais.
Nas Eliminatórias, a seleção encaminhara a classificação no Grupo 4 ao vencer suas seis primeiras partidas, mas o desempenho ruim na reta final a fez ser ultrapassada pela Romênia na liderança. Além disso, seu ataque, com parcos 16 gols marcados em 10 jogos, foi o pior entre os quatro maiores postulantes à vaga na chave, Tchecoslováquia e País de Gales inclusos. Mas nada foi mais vexaminoso que a derrota de 1 a 0 para a fraquíssima seleção de Malta num amistoso disputado no Ta’Qali, em La Valleta, no dia 16 de fevereiro de 1994.
Com o descarte definitivo do brasileiro naturalizado Luís Aírton Oliveira, do Cagliari, que criticou publicamente o técnico Paul Van Himst por não escalá-lo contra Malta, e diante da constatação de que nomes como Marc Degryse e Marc Wilmots funcionavam melhor como preparadores do que finalizadores, era nítido que faltava aos belgas um típico homem de área. Mas ele estava a caminho, juntando a papelada para obter sua naturalização: no início do mês seguinte, Weber se tornava cidadão belga, apto a defender a seleção.
Sua primeira partida pela Bélgica seria um amistoso não-oficial contra o combinado da Zelândia, região do sudoeste dos Países Baixos, em 8 de março. E ele mostraria oportunismo ao marcar o único gol da magra vitória belga por 1 a 0, desviando de cabeça a falta cobrada pelo volante Regis Genaux. “Josip mal apareceu na partida, mas fez o que se espera dele: gol”, destacou o jornal Gazet van Antwerpen, em consonância com as declarações do técnico belga Paul Van Himst após o jogo. O atacante, por sua vez, se dizia “satisfeito”.
Weber comemora o gol na vitória sobre o combinado da Zelândia em sua estreia não oficial pela Bélgica
Já a estreia oficial, viria só às vésperas da Copa, em 4 de junho, num amistoso em Heysel contra Zâmbia, que não teria Kalusha Bwalya, mas escalaria seu irmão Joel Bwalya, outro companheiro de Weber no Cercle Brugge entre 1991 e 1993. Se ainda havia dúvidas entre os belgas sobre o esforço feito para levar o croata naturalizado à Copa, elas se dissiparam no duelo com os africanos – que tentavam se reconstruir após perderem boa parte de seu elenco num desastre aéreo em abril do ano anterior, mas naquele dia seriam presas fáceis.
Na estreia oficial pela Bélgica, Weber anotou cinco gols contra Zâmbia
Weber marcou cinco vezes, e a Bélgica deslanchou aplicando uma surra de 9 a 0, dois feitos que representaram marcas históricas da seleção. Tratava-se de sua maior goleada em todos os tempos e do maior número de gols marcados por um atleta num mesmo jogo oficial, igualando feitos de Robert De Veen em 1911 e Bert De Cleyn em 1946. “Joske”, como era chamado no país, fez gols de todo jeito: de cabeça, escorando centro na pequena área, batendo colocado do bico da grande área e por duas vezes arrancando nas costas da defesa.
“Um presente dos céus”, exultou o técnico Paul Van Himst após a goleada e a grande exibição de Weber. Quatro dias depois, o atacante do Cercle Brugge voltaria a balançar as redes, abrindo o caminho para a vitória da Bélgica sobre a Hungria por 3 a 1 no último amistoso antes do embarque para os Estados Unidos. No Mundial, os Diabos Vermelhos seriam os cabeças de chave do Grupo F, tendo como adversários a arquirrival Holanda, o Marrocos e a Arábia Saudita. O jogo de estreia, contra os marroquinos, foi precedido por polêmica.
Comemorando mais um gol pela Bélgica no amistoso contra a Hungria (Foto: Reprodução/Gazet van Antwerpen)
Ex-companheiro de Weber no Cercle Brugge, o ala Nacer Abdellah fez declarações provocadoras e comentários depreciativos sobre os jogadores da seleção belga, chegando a dizer que a receita para perturbar “Joske” era acertar chutes em suas canelas e falar sobre a guerra na Iugoslávia. O atacante respondeu que tais declarações eram ridículas e só serviriam para motivar ainda mais seus colegas de seleção. “Mas não penso em respondê-las. Minha réplica virá no domingo, dentro do campo de jogo”, arrematou o goleador.
Outra polêmica partiu de um jornal norte-americano que, antes da estreia belga, publicou artigo acusando o atacante de mercenário e afirmando que ele só defenderia os Diabos Vermelhos por motivos financeiros. O elenco reagiu prontamente, liderado pelo meia Enzo Scifo, um dos líderes dos jogadores. Weber, no entanto, tratou de minimizar e se afastar da discussão: “Sou cidadão da Bélgica e da Croácia ao mesmo tempo e me sinto muito orgulhoso disso. É difícil para mim entender o motivo dessa estranha polêmica”, declarou.
Weber não marcou contra o Marrocos, mas foi bem na vitória por 1 a 0. Levou amarelo num choque casual com o goleiro Khalil Azmi, o que mereceu protesto formal dos belgas junto à Fifa. Não seria o único lance reclamado pela Bélgica naquela fase: contra a Holanda, o atacante – que já acertara o travessão com 40 segundos de jogo – arrancava sozinho para o gol quando foi detido por um toque de mão fora da área do goleiro Ed De Goey, ignorado pelo árbitro brasileiro Renato Marsiglia. O que não evitou nova vitória belga por 1 a 0.
Pendurado e poupado no último jogo da primeira fase, contra a Arábia Saudita, Weber chegou a entrar em campo no fim da partida, mas não conseguiu evitar a derrota por 1 a 0 que derrubou os belgas da liderança da chave para a terceira colocação, com a classificação vindo somente na repescagem. Pior ainda seria ter de encarar a poderosa Alemanha logo nas oitavas de final. E esse jogo marcaria o momento pelo qual o atacante se tornou mais lembrado em Mundiais – para ele e para os belgas, uma recordação nada agradável.
O pênalti não marcado de Helmer em Weber contra a Alemanha
Os belgas haviam saído atrás no placar e empatado com Georges Grün, mas apesar da atuação brilhante de Michel Preud’Homme no gol, já se viam perdendo por 3 a 1 no meio da etapa final. Foi quando, aos 26 minutos, Weber recebeu lançamento e arrancou numa típica jogada sua em direção à área alemã, sendo travado com falta pelo zagueiro Thomas Helmer, num pênalti claro ignorado pelo árbitro suíço Kurt Röthlisberger – que mais tarde admitiria ter errado no lance. A Bélgica ainda diminuiu para 3 a 2, mas acabou eliminada.
Na esteira da controvertida desclassificação, também se desfez a imagem de um elenco fechado e unido frente a polêmicas externas, como havia aparentado antes do início do torneio, ao vazar o rumor de que uma dívida de jogo dentro da concentração teria levado a um boicote ao atacante pelos companheiros, em especial Marc Degryse – que em entrevista anos depois negou qualquer retaliação a Weber: “Não fizemos nada de errado, mas no fim decidimos parar (com o carteado). Jogamos cartas com todos e Josip estava feliz por estar lá”.
O próprio Weber também se recusava a crer nos boatos de dívidas (“ninguém perdeu dinheiro lá”, alegou em entrevista de 2017) ou mesmo em boicote dentro de campo. “É estranho que eu não tenha marcado nenhum gol em quatro partidas e tenha ficado dez vezes em impedimento. Mas eu devo pensar que os outros não quiseram me passar a bola? Eu não posso acreditar isso”, questionou na mesma ocasião. De todo modo, o Mundial acabaria se tornando outro divisor de águas na carreira do atacante, então já perto dos 30 anos.
Depois de ter sido sondado por Ajax e Standard Liège, Weber acabou trocando o Cercle Brugge – pelo qual marcou 136 gols em 204 jogos – por outro dos gigantes do futebol do país. O Anderlecht pagou por ele a quantia recorde de 100 milhões de francos belgas. Curiosamente, sua estreia no novo clube seria contra sua antiga equipe. O Cercle venceu por 2 a 1 na abertura do campeonato, mas Weber anotou o gol dos Mauves e completou sua lista particular. Agora havia balançado as redes de todas as equipes que enfrentara pela liga.
Ainda naquele segundo semestre de 1994, ele faria suas duas últimas partidas pela seleção belga, ambas pelas Eliminatórias da Eurocopa de 1996: vitória sobre a Armênia (2 a 0) em Parc Astrid no dia 7 de setembro e derrota para a Dinamarca (3 a 1) em Copenhague no dia 12 de outubro. Sua carreira com os Diabos Vermelhos somaria oito partidas e seis gols – cinco deles na estreia, contra Zâmbia. Não iria além disso em parte porque sua passagem pelo Anderlecht seria marcada por graves lesões – a primeira delas, em março de 1995.
Durante um jogo, ao deslizar num carrinho, ele acertou o joelho na trave e logo precisou passar por cirurgia, ficando seis meses de fora. Quando tinha acabado de voltar, veio outro baque ainda maior: durante um treino, as travas de sua chuteira ficaram presas no sistema de drenagem, e ele sofreu ruptura total dos ligamentos cruzados. Em sua primeira temporada no Anderlecht, ele fizera 21 jogos, sendo 17 como titular, marcando expressivos 14 gols. Na segunda, só jogou duas vezes. Na terceira e última, sequer entrou em campo.
Aos 32 anos, Weber seria forçado a pendurar as chuteiras. Voltou então à Croácia, onde chegou a ter rápida passagem como dirigente do Marsonia. Em 8 de novembro de 2017, ele faleceria em sua Slavonski Brod natal, a pouco mais de uma semana de completar 53 anos, vitimado por um câncer na próstata do qual vinha sofrendo há algum tempo. Suas duas nações se despediram com pesar do atacante que deixou grandes lembranças como homem simples e bem-humorado e como um grande especialista em balançar as redes.