Turco pede demissão no México para cuidar da saúde mental; Treinador argentino dá aula, só quem já se esgotou sabe como é exaustivo tentar se sentir bem quando você não está | OneFootball

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·14 de dezembro de 2023

Turco pede demissão no México para cuidar da saúde mental; Treinador argentino dá aula, só quem já se esgotou sabe como é exaustivo tentar se sentir bem quando você não está

Imagem do artigo:Turco pede demissão no México para cuidar da saúde mental; Treinador argentino dá aula, só quem já se esgotou sabe como é exaustivo tentar se sentir bem quando você não está

Por Hugo Fralodeo

Algo que foi tabu durante muitos anos, durante muitos outros tantos tratado como piada e, infelizmente, até hoje, por muitos, ainda considerado um dos males “fantasmas”, a saúde mental.


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Ainda que seja assunto melhor tratado no mundo de hoje, assim como qualquer coisa que seja debatida nesse mundo, a desinformação toma conta em muitos momentos, principalmente quanto mais delicado o assunto é. Não podemos perder a oportunidade de dar a devida importância ao tema quando ele é tema no nosso meio.

Nesta semana, Antonio Mohamed, treinador argentino com passagem pela Cidade do Galo no primeiro semestre de 2022, deixou o comando do Pumas, do México. De acordo com Turco, ele precisa dar um tempo para cuidar de sua saúde mental.

Ao contrário do que muitos já disseram, a preocupação com a mente não é “luxo”, tampouco “quem tem tudo não tem problemas”, muito menos “pessoas que vivem no mundo real não têm tempo para ter depressão, crises de pânico, burnouts…”. A nossa mente é moldada pelas experiências que vivemos. Assim como nosso corpo, se exposto a uma substância, algo nocivo à nossa saúde física, adoece, acontece com a cabeça.

O maior problema é que os males da mente não são palpáveis, não são visíveis, não são como uma entorse, um estiramento muscular, detectáveis através de exames de imagem e tratados com base no estudo pragmático da repetição de casos anteriores. Os distúrbios que atacam a mente são silenciosos, misteriosos, variáveis, diversas vezes indetectáveis, mas todos com altíssimo potencial destrutivo.

Nas palavras de Turco ao justificar sua atitude, ele repete muito questões que envolvem o tempo, algo que, sim, se torna um luxo de quem depois de muito lutar, se conhecer, e também perder algumas vezes suas batalhas internas, conquista como “luxo”, porque é só com a ação dele que as coisas se recolocam no seu devido lugar, ou em lugares novos.

“Vou tirar dois, três, quatro meses de folga. Tem muita especulação, mas não existe outra equipe. Eu já tenho 53 anos e procuro cuidar da minha saúde mental, parece que sou um pouco egoísta, mas mais tarde, quando eu tiver vontade e surgir uma proposta de trabalho que me interesse, eu avalio. E se não, continuarei descansando até que algo importante apareça ou até que eu tenha vontade”.

E Turco vai além, reconhece que tal atitude, “abandonar” seu time, pode parecer algo extremamente egoísta, mas ele se torna o craque do jogo quando deixa claro que está respeitando o seu momento, falando claramente em sua vontade, em seu interesse, justamente porque ele não é capaz de precisar quando será capaz sequer de tomar novas atitudes. Isso significa que ele irá se deitar e esperar o tempo passar? Absolutamente não.

Transtornos mentais não nos definem. Nós não somos a depressão, nós não somos a ansiedade, nós não somos os nossos gatilhos, nós não somos os nossos eventuais episódios traumáticos que nos causaram tamanho impacto a ponto de abalar nossas mentes, nós não somos emocionalmente ou mentalmente instáveis, nós não somos frágeis, nós não somos ‘malucos’, nós não somos ‘doidos’, nós não somos ‘perigosos’. Mas nós também não somos máquinas.

A questão é que é extremamente difícil e exaustivo tentar parecer ou ficar bem quando você não está. Quem sofre mentalmente não quer se sentir assim. Nos casos mais extremos, posso dizer, as pessoas não querem ter um fim, a atitude extrema foi para tentar dar um fim naquela situação.

É como Turco segue dizendo, ele gostaria de continuar, ele gostaria que as coisas fossem mais simples. É “coisa de louco” mesmo pensar que você vai largar por alguns meses (ou anos) algo que você dedicou praticamente toda a sua vida, algo que você ama, algo que te faz viver. Deveria ser o contrário, não? Aí é que tá o grande ponto da questão: você não se sente forte, você não se sente capaz. Por essa extrema, dolorosa e penosa dificuldade em tentar normalizar as coisas até não ser mais possível, perdemos toda a condição de poder tentar “ser normal” ao mesmo tempo que sua mente “não é”.

“Tenho até tatuado aqui: ‘o tempo acomoda tudo’. Acredito que o tempo vai acomodar tudo e cada um é dono de suas decisões. A energia está baixa. Vamos para casa repor energias e ser mais um torcedor do time. Eu gostaria de continuar, a verdade é que eu gostaria de sair de férias agora por 15 dias e voltar com tudo, mas não me sinto tão forte”.

Por certos aspectos, é algo triste pensar que a experiência passada com a saúde mental abalada te faz saber a hora de dar um passo atrás. Mas, por muitas vezes, pode ser o diferencial, o detalhe que salva uma, ou várias, vidas.

Mohamed, por exemplo, aprendeu o valor de cuidar da cabeça da pior forma possível. E hoje, aos 53 anos, ele pode se afastar do seu “mundo real” para cuidar do seu “mundo interno”. Infelizmente, por diversos motivos – de novo, sem poder mais uma vez falar em luxo -, muitas pessoas não podem.

E antes que você pense “mas, Hugão, Turco tá milionário e pode jogar tudo pro ar quando quiser que não faz diferença…”, a atitude de Tony diz muito mais sobre o exemplo a ser seguido, o autoconhecimento, a naturalidade em se falar sobre o assunto, a falta de “vergonha” em abordá-lo, mas, principalmente, sobre o combate à desinformação e o compartilhamento daquilo que pode de fato ajudar alguém. Diz muito menos respeito a quem “pode” ou “não pode” ter seu tempo para curar. Não é meu foco, mas só devemos nos afastar para tratar as feridas expostas? Se fosse o caso, há pelo menos duas décadas transtornos mentais são passíveis de afastamento de função.

Mas o nosso recado, meu, de Turco e de muitas outras pessoas que entendem a importância e a complexidade do bem-estar mental, é muito mais profundo do que o raso espaço que o tema anda tem:

Não deixe que a saúde mental seja moda e acessório pra engajamento somente em setembro. Se você passa por algum problema, peça ajuda, por mais difícil que seja. A você que foi procurado por alguém: faça o possível para ajudar. Repito, poucas pessoas sabem como é difícil o processo de aceitar que ajuda é necessário, e mais difícil ainda, tomar a atitude de pedí-la.

Não é “só” sobre os tratamentos psicológicos e psiquiátricos, não é simplesmente sobre o uso de medicamentos, sobre as terapias ocupacionais, a prática regular de exercícios físicos, a regulação do sono, o controle da alimentação…. Os males da mente parecem muito com os medos “comuns” e inerentes a todos os animais. Quando sentimos medo, buscamos segurança. Se estivermos inseguros, nos sentimos incapazes. Se estivermos incapazes, que possamos contar com o tempo para recobrarmos nossas forças.

Força, Turco. Força a TODOS.

*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, o pensamento do portal Fala Galo*

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