Sob protestos da torcida contra o dono do clube, o Oldham foi rebaixado da Football League após 115 anos | OneFootball

O Oldham teve a honra de participar da fundação da Premier League. Os Latics subiram à primeira divisão do Campeonato Inglês pela última vez em 1991/92 e, na temporada seguinte, compuseram a nova elite nacional. A estadia na reformulada liga não durou muito tempo, com o rebaixamento em 1993/94. Um passado distante, pensando que o clube de Lancashire atingiu seu fundo do poço neste final de semana. O Oldham acabou rebaixado na League Two, a quarta divisão do Campeonato Inglês. Pela primeira vez desde seu ingresso na Football League, em 1907, o time não disputará os níveis profissionais do futebol local. A partida que consumou o descenso, no último sábado, teve uma massiva invasão de campo dos torcedores para protestar contra o proprietário. É o primeiro clube a passar pela Premier League que cai para a “non-League” – a partir da quinta divisão.

Fundado em 1895, o Oldham integrava as divisões regionais até ser aceito na Football League. A ascensão foi rápida e, depois de três anos na segundona, o time alcançou a primeira divisão do Campeonato Inglês pela primeira vez. A estadia dos Latics na elite durou de 1910 a 1923, com direito a um vice-campeonato em 1914/15, um ponto atrás do campeão Everton. Porém, a história da equipe de Lancashire normalmente se concentrou nas divisões de acesso, variando entre o segundo e o quarto nível. A partir de 1974, o Oldham chegou a passar 17 anos consecutivos na segundona. Foi o período que antecedeu o acesso de volta à elite, encerrando um hiato de 68 anos longe da primeira prateleira. Naquele período marcante, a equipe foi vice-campeã da Copa da Liga em 1990 e semifinalista da Copa da Inglaterra em 1994, sob as ordens do celebrado técnico Joe Royle. A estadia na elite durou três temporadas, até a queda em 1994.

O Oldham ficou também três anos na Championship (então chamada Division One) após deixar a Premier League. Após novo rebaixamento em 1996/97, os Latics se firmaram como um costumeiro figurante na League One. A equipe permaneceu na terceira divisão de maneira ininterrupta entre 1997 e 2018, quase sempre ocupando posições na metade inferior da tabela e só duas vezes disputando os playoffs de acesso. Entre diferentes trocas de donos, as finanças não eram as mais estáveis ao longo dessas duas décadas. Quando o rebaixamento ocorreu em 2017/18, a crise econômica estava instaurada.

A última participação do Oldham na quarta divisão tinha acontecido em 1971. A situação era preocupante e o clube entrou em recuperação judicial em março de 2020, por conta das grandes dívidas. Semanas depois o futebol pararia por causa da pandemia e o cenário se tornou mais duro para escapar da bancarrota. Não à toa, os Latics rondaram a zona de rebaixamento nas duas temporadas anteriores, até que a bomba estourasse de vez nesta League Two de 2021/22.

Um personagem fundamental nessa história é Abdallah Lemsagam, agente de jogadores marroquino que se tornou o acionista majoritário em janeiro de 2018, ao adquirir 97% do clube, então na terceira divisão, por apenas £1 – um valor que refletia as crises anteriores, mas que se agravaram em sua gestão. O empresário já estava no cargo quando ocorreu o rebaixamento na League One e, depois, a recuperação judicial. Seu trabalho esportivo catastrófico inclui dez trocas de técnicos e mais de 100 jogadores contratados em quatro anos, mesmo com um embargo de transferências nesse ínterim. Torcedor dos Latics, Paul Scholes foi um desses treinadores e saiu depois de um mês, reclamando da interferência em seu trabalho. Porém, mais graves ainda eram os problemas administrativos, com salários repetidamente atrasados e mesmo entraves com impostos.

Diante de tamanha bagunça, Lemsagam passou a lidar com ameaças de greves entre os jogadores e pedidos dos torcedores para que vendesse o Oldham. A torcida reduziu as compras de carnês de temporada e ingressos, exatamente para não dar dinheiro ao proprietário. O marroquino, além de negar qualquer saída, baniu três torcedores que realizaram protestos contra a sua gestão em dezembro – decisão que acabou cancelada pela repercussão negativa, mas que já tinha feito seu estrago. O caos estava instaurado e só então Lemsagam deu braço a torcer para buscar compradores. Apesar da promessa, contudo, não há qualquer sinal de que realmente venderá os Latics. Segundo o site The Athletic, o empresário pretende receber £6 milhões por um clube que se vê em situação pior do que a encontrada quando investiu £1.

O Oldham começou a campanha na League Two com seis derrotas e uma vitória nas primeiras sete rodadas, mas ainda brigou contra o descenso em parte da competição e teve momentos fora do Z-2. A situação degringolou principalmente a partir de março, quando o time sofreu nove derrotas numa série de dez rodadas. Neste sábado, então, os Latics estavam com a corda no pescoço, mesmo restando mais três partidas para a conclusão da campanha. A derrota dentro de casa para o Salford City por 2 a 1 se tornou cabal. Com 37 pontos em 43 partidas, a equipe já não podia mais alcançar Barrow ou Stevenage. Ao lado de Scunthorpe United, teve o descenso decretado. A invasão da torcida antecipou o fim do sofrimento.

Os torcedores ocuparam o círculo central quando ainda faltavam 14 minutos para o fim da partida. Mulheres e crianças também faziam parte da ação, com garotos aproveitando para jogar bola perto dos gols. Os protestos eram direcionados ao dono Abdallah Lemsagam, com uma faixa exigindo a saída do proprietário, que sequer se deu ao trabalho de comparecer ao estádio. Apesar dos pedidos do técnico John Sheridan, lenda do clube, para que os torcedores voltassem às arquibancadas, a multidão não obedeceu – e isso porque o clima em relação ao elenco sempre foi bom, com a insatisfação direcionada ao proprietário. Os times retornaram aos vestiários e, depois que o estádio foi esvaziado, com o uso do sistema de irrigação para expulsar as pessoas do campo, a partida seria retomada com portões fechados. A derrota por 2 a 1 se manteve e consumou o descenso do Oldham.

Com o Oldham fora da Football League, os torcedores desejam tomar o controle do clube. A Supporters Foundation, uma união formada por torcedores, possui 3% das ações e tenta mobilizar o restante da torcida para comprar os 97% pertencentes a Lemsagam. A entidade já está em contato com empresários locais e organiza um financiamento coletivo para que a mudança se inicie. “Temos que assumir a responsabilidade por isso como torcedores. Queremos aumentar nossa participação além dos 3%. Temos que contatar as pessoas de Oldham e dizer: ‘Isso é importante. Se você investe no Oldham Athletic, investe na cidade’. E é isso que vamos tentar alcançar com nossa organização”, afirma Matt Dean, porta-voz do grupo, à BBC.

Em maio, um fórum de torcedores acontecerá em Oldham. É a primeira data para a transformação, após o desastre confirmado. A saída da Football League significa menor visibilidade e menor aporte financeiro, com as dívidas que continuam as mesmas. As perspectivas de uma recuperação imediata da estabilidade são pequenas, até pela mudança de realidade que o rebaixamento representa. E a torcida promete não colaborar com Lemsagam enquanto o proprietário permanecer à frente dos Latics. O primeiro passo para uma mudança seria mesmo a venda definitiva do marroquino, que sequer reconhece os repetidos erros de sua gestão.