Seleção feminina curte "independência" do masculino e protagonismo nas Olimpíadas | OneFootball

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·30 de julho de 2021

Seleção feminina curte "independência" do masculino e protagonismo nas Olimpíadas

Imagem do artigo:Seleção feminina curte "independência" do masculino e protagonismo nas Olimpíadas

O futebol feminino do Brasil enfrenta o Canadá na madrugada desta sexta-feira, às 5h, por uma vaga na semifinal da Olimpíada. É justamente o algoz que nos tirou do pódio na Rio 2016 ao vencer por 2 a 1 no estádio de Itaquera, que estava lotado de torcedores que abraçaram a seleção feminina.

No entanto, a equipe não chegou à competição sob holofotes tão brilhantes. Apesar da grande campanha na fase de grupos, com direito a goleada por 5 a 1 sobre a Suécia então treinada por Pia Sundhage, o time brasileiro era lembrado e exaltado especialmente nas comparações com o time masculino, que sofreu para se classificar após dois empates contra seleções mais fracas, África do Sul e Iraque.


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Quem não lembra do menino que viralizou ao riscar o nome de Neymar e escrever o de Marta em sua Amarelinha, pedindo que ela fosse mais valorizada? E daquela bronca pública de Galvão Bueno criticando a postura de Neymar e companhia? O problema é que muitos desses comentários pedindo mais respeito e valorização às mulheres do futebol traziam consigo as analogias, pedindo para os homens se inspirarem na garra e na raça da equipe feminina.

Mas aí o masculino engrenou e conquistou o ouro inédito contra a Alemanha em pleno Maracanã lotado. Já o time feminino, que havia “conquistado o coração do torcedor”, nos brindou com fortes emoções nas quartas de final, vencidas nos pênaltis contra a Austrália, em jogo excepcional da goleira Bárbara. Já na semi, nova rodada de penalidades contra as suecas, que desta vez levaram a melhor. O time não conseguiu superar os canadenses e acabou sem o bronze, e pouco depois dos Jogos do Rio o futebol feminino voltou a cair no habitual esquecimento.

As Olimpíadas do Rio não foram a única vez em que mulheres foram exaltadas apenas porque os homens foram mal. Duas décadas antes, em 1996, ano em que o futebol feminino integrou o programa olímpico pela primeira vez, as jogadoras chegaram em Atlanta completamente desacreditadas, e tanto a imprensa quanto a torcida só passou a valorizar o time de Sissi, Pretinha, Kátia Cilene, Formiga e companhia quando o masculino tropeçou, como lembra Romeu Castro, supervisor de futebol feminino da CBF e grande apoiador da modalidade.

“Essa Olimpíada levou a seleção feminina de volta para os braços do povo, porque a gente saiu do Brasil totalmente desacreditado, mesmo tendo mostrado bons resultados nos jogos preparatórios. Era o grupo da morte e a imprensa não acreditava, dizia que o futebol feminino tinha ido para fazer três jogos e voltar para casa. Aí estreamos contra a Noruega e foi 2 a 2, e no mundo só falava de seleção brasileira, que parou a Noruega que tinha ganhado dos Estados Unidos”, me contou Romeu, numa entrevista feita em 2020 para um trabalho de mestrado.

Por sua vez, a seleção masculina, que tinha Ronaldo e Bebeto e chegou a Atlanta rodeada de expectativas, perdeu a estreia contra o Japão por 1 a 0. Era dia 21 de julho de 1996. E o segundo jogo das brasileiras no grupo seria justamente contra as japonesas, dois dias depois, no dia 23. A imprensa, que até então não botava fé no time feminino, passou a alimentar um clima de revanche por causa de um resultado negativo do masculino.

“Foi um escândalo na época que o time masculino tivesse perdido para o Japão, daí criou-se aquele clima de ‘será que as mulheres vão vingar os homens, vão vingar a vergonha dos homens e tal’. E eu comecei a receber ligações do Brasil inteiro falando para incentivar as meninas, que elas tinham que ganhar porque tava todo mundo envergonhado.”

“Nós ganhamos do Japão de 2 a 0 (gols de Kátia Cilene e Pretinha). Quando a gente chegou na Vila Olímpica, você não imagina a quantidade de telegrama e mensagem que tinha, todo mundo procurando a seleção feminina. Ali, o Brasil descobriu que tinha futebol feminino porque elas fizeram algo que os homens não conseguiram”, completa Romeu.

Nenhuma das duas equipes brasileiras saiu feliz de Atlanta: o masculino perdeu a semifinal para a Nigéria nos pênaltis e foi atropelado por Portugal na disputa do terceiro lugar, enquanto o feminino caiu na semi para a China e perdeu o bronze para a Noruega.

Conto toda essa história toda para dizer que, aconteça o que acontecer no jogo entre Brasil e Canadá amanhã, algumas vitórias já são certas. Hoje temos à frente da seleção uma das mais vitoriosas treinadoras do futebol feminino, e diferente da Rio 2016, em que sequer havia um departamento de futebol feminino na CBF, hoje contamos com Aline Pellegrino e Duda Luizelli, gestoras que não só se importam mas como entendem bem da modalidade.

Mais do que isso, temos um futebol feminino que pavimenta seu caminho e não depende mais das comparações com o masculino para estar em voga. A gestão, os investimentos, o fortalecimento das competições nacionais, o consequente aumento da visibilidade na mídia (e não apenas durante os grandes eventos esportivos), o apoio das marcas e, principalmente, os recordes de audiência na televisão e nos estádios -- que derrubaram por terra qualquer balela de “futebol feminino não atrai público” -- elevou o futebol de mulheres a outro patamar.

À base de muito trabalho e muita luta, a modalidade aos poucos constrói sua própria história e suas próprias referências, acompanhada de perto por jornalistas que fazem uma cobertura de qualidade e por torcedores que se interessam, que torcem, que são verdadeiramente apaixonados pelo futebol de mulheres -- e não apenas quando o masculino está perdendo.

O futebol feminino não é mais um acontecimento sazonal, mas uma realidade. E isso vale tanto quanto o ouro.