São raros na história momentos em que Liverpool e Manchester United estiveram fortes ao mesmo tempo | OneFootball

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Trivela

·15 de janeiro de 2021

São raros na história momentos em que Liverpool e Manchester United estiveram fortes ao mesmo tempo

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Quando este texto foi inicialmente publicado, em outubro, o gancho era os momentos diferentes dos dois clubes antes do clássico pela nona rodada da Premier League de 2019/20. O Liverpool caminhava para igualar o recorde de vitórias consecutivas do Manchester City pela liga inglesa, e o Manchester United parecia perdido, há cinco jogos sem vencer, questionando se havia tomado a decisão certa ao efetivar Ole Gunnar Solskjaer.

Aquele jogo terminou empatado por 1 a 1. Não tirou o embalo do Liverpool, que ganhou as 18 rodadas seguidas, igualou o recorde do City mesmo assim e conquistou seu primeiro título inglês desde 1990. Não chegou a ser um impulso ao Manchester United. A campanha seguiu oscilante pelos meses seguintes, até Bruno Fernandes entrar como uma luva no time e catapultá-lo à arrancada que valeu vaga na Champions League.


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A nova temporada começou nervosa para o Manchester United, especialmente pela eliminação na fase de grupos da Champions League. No entanto, tem conseguido uma regularidade excepcional na Premier League, com nove vitórias nas últimas 11 rodadas. Assumiu a liderança, três pontos à frente do Liverpool, que não ganha há três partidas pela liga inglesa.

Isso significa que os grandes rivais entrarão em campo no próximo domingo para um confronto direto pela primeira colocação. A curiosidade é que essa é uma situação historicamente rara.

United e Liverpool são os mais vitoriosos da Inglaterra, com um combinado de 39 conquistas da primeira divisão (20 e 19, respectivamente). Os mais próximos são o Arsenal, com 13, e o Everton, com nove. Em uma perspectiva ampla, são os dois maiores clubes do país e disputaram dezenas de títulos do Campeonato Inglês, mas raramente entre eles. Para ser preciso, apenas cinco vezes ambos ocuparam a primeira e a segunda posição da mesma edição da liga nacional: 1946/46, 1963/64, 1979/80, 1987/88 e 2008/09. E chegou a acontecer de o United ser rebaixado na mesma temporada em que o Liverpool foi campeão, em 1921/22.

É quase poético que o futebol inglês tenha renascido com uma disputa de título entre os dois clubes que o dominariam nas décadas seguintes (e mais uma meia dúzia). Em 1946/47, o primeiro Campeonato Inglês após a derrota de Hitler terminou com o Liverpool em primeiro lugar, um ponto à frente do Manchester United, empatado com o Wolverhampton, mas segundo colocado na média de gols.

O Liverpool, no entanto, liderado pelo ídolo Billy Liddell e com um Bob Paisley jogador, não sustentaria o sucesso e, depois de uma série de campanhas medianas, seria rebaixado em 1953/54, enquanto o United se estabelecia na ponta da tabela até o Desastre de Munique. Shankly chegou a Anfield e começou a sua revolução no final da década de cinquenta, e a seguinte, com ele em um lado da estrada e Busby na outra, foi o único mais prolongado período de tempo em que os dois clubes estiveram em alta ao mesmo tempo.

Porque, no começo década de setenta, o Manchester United, em situação curiosamente similar à atual, seria rebaixado pouco depois da aposentadoria de Busby, na mesma temporada em que Shankly pendurou a prancheta e passou o bastão a Bob Paisley. Relutante em aceitar o cargo no começo, Paisley iniciou um domínio que foi mantido pelos seus sucessores Joe Fagan e Kenny Dalglish e terminaria apenas no começo da década de noventa e que coincidiu com um longo jejum de títulos ingleses do Manchester United.

Hillsborough, porém, atingiu a alma do Liverpool, Dalglish pediu demissão e a Premier League começou quase no mesmo momento em que Alex Ferguson subiu ao time principal a famosa Turma de 1992, com os irmãos Neville, David Bekcham, Nicky Butt, Paul Scholes e Ryan Giggs. O United tornou-se o grande time da Premier League em seus primeiros 20 anos, e foi a vez de o Liverpool entrar em seu período mais longo sem o direito de gritar campeão inglês.

Tudo isso começou a mudar no começo desta década. Acostumado a ter Alex Ferguson tomando todas as decisões, o Manchester United perdeu o rumo com a aposentadoria do escocês. Será que o está reencontrando agora com Solskjaer? O Liverpool, comprado pelo Fenway Sports Groups, cometeu alguns erros no começo do projeto até eventualmente identificar o treinador certo em Jürgen Klopp que, com o apoio de uma boa equipe de bastidores e uma estratégia inteligente de recrutamento, começou a reconstrução do clube.

Essa é a história que contamos a seguir, com mais detalhes.

1950

Liverpool: nono lugar a melhor campanha e um rebaixamento Manchester United: três títulos, dois vices

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Antes de virar treinador do Manchester United, em meados de 1945, Matt Busby era jogador. E adivinha quais clubes defendeu? O Manchester City e o Liverpool, do qual chegou a ser capitão, justamente os dois maiores rivais dos Red Devils. Ele desenvolveu suas habilidades de liderança como Sargento-Major Instrutor durante a Segunda Guerra Mundial e assumiu um clube “sem estádio e sem dinheiro”, como ele mesmo descreveria. Aceitou o trabalho mediante uma importante exigência: teria total controle, o que estava longe de ser a regra para a época. Caso falhasse, não teria ninguém a culpar além de si mesmo, o que não chegou a ser necessário.

Muito tempo antes de ficar famoso o comentário do ex-zagueiro do Liverpool, Alan Hansen, “você não ganha nada com garotos”, referindo-se à molecada do Manchester United de Alex Ferguson, Busby desafiava a tese com um time com média de idade entre 21 e 22 anos. O impacto foi imediato, com três segundos lugares consecutivos no pós-guerra, as melhores campanhas do United desde o título de 1910/11, antes de entrar na década de cinquenta. Outro vice apareceu em 1950/51 e o jejum foi enfim quebrado na temporada seguinte.

O clube de Anfield vinha se acostumando com a mediocridade de uma maneira perigosa. Desde aquele título assim que o Campeonato Inglês foi retomado, ficar no meio da tabela era lucro. A melhor posição foi um oitavo lugar. Em 1952/53, houve um flerte mais sério com o rebaixamento. Na temporada seguinte, o casamento. Com apenas 28 pontos – nove vitórias, dez empates e 23 derrotas -, a queda foi consumada como o lanterna do torneio. A segunda divisão seria a realidade pelos próximos oito anos.

O Manchester United, por outro lado, apenas crescia de produção. Emendou títulos ingleses consecutivos entre 1955 e 1957 e ganhou vaga na recém-nascida Copa dos Campeões. Na segunda participação, conquistou uma segunda semifinal consecutiva ao empatar por 3 a 3 com o Estrela Vermelha, após vencer por 2 a 1 em Old Trafford. Na volta à Inglaterra, o avião parou em Munique para abastecer. Nevava e a pista estava escorregadia. Duas tentativas de decolagem foram mal sucedidas, mas não tanto quanto a terceira. A nave bateu em uma casa e 23 pessoas morreram, incluindo oito jogadores. Matt Busby sobreviveu. Bobby Charlton também.

1960

Liverpool: dois títulos, um vice Manchester United: dois títulos, dois vices

Em 1963/64, o Liverpool foi campeão, quatro pontos à frente do segundo colocado Manchester United

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“Você gostaria de treinar o melhor clube do mundo?”, perguntou o então presidente do Liverpool, Tom Williams, ao treinador do Huddersfield, uma afirmação bastante ousada para quem liderava um time afundado há cinco anos na segunda divisão. Era outubro de 1959, e Bill Shankly havia acabado de perder para o Cardiff City, provavelmente não estava com a paciência intacta, e não resistiu à provocação: “Por quê? Busby está se aposentando?”. Williams, porém, falava do Liverpool.

Shankly era o homem que o Liverpool precisava, e o Liverpool era o clube que Shankly precisava. Um foi feito para o outro. Ele entendia a torcida como ninguém, tinha valores e opiniões políticas que condiziam com os da cidade e, principalmente, a visão de que os Reds poderiam ser enormes se fizessem as coisas certas. Começou reformando Melwood e Anfield e mandando vários jogadores embora. A decisão mais correta que tomou foi manter a comissão técnica praticamente intacta, e mais tarde ele seria o líder da famosa Boot Room, uma espartana sala de chuteiras debaixo das arquibancadas do estádio onde se reunia com Bob Paisley, Joe Fagan, Ronnie Moran e outros para orquestrar a revolução.

Ela demorou um pouco para acontecer. Decolou de verdade graças a John Moores, dono da Littlewood, empresa importante de varejo e apostas da Inglaterra. Ele era ligado aos dois clubes da cidade, mas o Everton recebia a maior parte da sua generosidade. Membro do conselho em Goodison Park, mas também acionista em Anfield, era de seu interesse que o Liverpool crescesse. Como não podia influenciar diretamente a decisão de ambos, apontou um representante para se juntar à diretoria do Liverpool, Eric Sawyer, finalmente alguém que estava disposto a atender aos desejos de Shankly, que já começava a ficar frustrado com os escorpiões que os cartolas vermelhos mantinham dentro de seus bolsos.

A virada aconteceu em 1961/62. Shankly retornou da Escócia com dois pilares: um atacante talentoso para fazer dupla com Roger Hunt, chamado Ian St. John, e um colosso para a defesa, de quase 1,90 metros de altura, batizado de Ron Yates. Junto com o desenvolvimento dos jovens que o treinador havia estabelecido na equipe, o Liverpool finalmente deixou o calvário da segunda divisão para trás. Enquanto isso, Matt Busby conduzia uma reconstrução de natureza diferente.

O Manchester United havia conseguido terminar a temporada do Desastre de Munique na segunda posição, impressionante para quem havia perdido a espinha dorsal do seu time e teve o seu treinador recebendo a extrema unção duas vezes, mas passou por dificuldades naturais nos anos seguintes, chegando a ocupar um perigoso 19º lugar em 1962/63, apenas um ponto acima da zona de rebaixamento. Ao mesmo tempo, conquistou a Copa da Inglaterra, o primeiro título depois do acidente, mostrando que havia alguma coisa de boa acontecendo.

A equipe contava com o sobrevivente Bobby Charlton e Dennis Law, jogador formado por Shankly no Huddersfield. A Santíssima Trindade foi completada por George Best, e o Manchester United estava pronto para voltar a brigar pelo título inglês na temporada 1963/64. Começou bem, com sete partidas de invencibilidade, teve uma forte queda de rendimento entre outubro e novembro, e voltou às cabeças a partir de fevereiro.

No entanto, não foi o bastante para superar o campeão Liverpool. O confronto direto em Anfield, no começo de abril, foi determinante. Os donos da casa ganharam por 3 a 0 e se deram ao luxo de não vencer nenhuma das três rodadas finais e ainda terminar o campeonato quatro pontos à frente do United, seu primeiro título desde aquele em 1946/47. Na temporada seguinte, seria a vez dos Red Devils recuperarem a coroa, na média de gols contra o Leeds United, enquanto o Liverpool conquistava a sua primeira Copa da Inglaterra.

A década seguiu com mais um título e um vice para cada lado. Shankly resistia a renovar a equipe que havia dado tanta alegria ao Liverpool, o que lhe custou algumas temporadas. Idade ainda não era um problema para Busby, que conduziu o time a Wembley para a final da Copa dos Campeões de 1967/68, contra o Benfica e, depois do empate no tempo normal, conquistou na prorrogação o título para lá de simbólico, não apenas por ter sido o primeiro de um time inglês na competição, mas também por marcar de vez o retorno do Manchester United. Infelizmente, ele não duraria muito tempo.

1970

Liverpool: cinco títulos, três vices, duas Copas dos Campeões Manchester United: um vice, um rebaixamento

Em 1979/80, o Liverpool foi campeão, dois pontos à frente do segundo colocado Manchester United

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Bill Shankly havia começado a renovação. O título de 1972/73 teve caras novas, entre elas a mais notória de Kevin Keegan. Conquistou a primeira glória europeia do Liverpool na Copa da Uefa daquela mesma temporada e mais uma Copa da Inglaterra antes de decidir que estava cansado. Todo fim de temporada ameaçava se aposentar, mas, em 1974, falava a sério. Foi feito um esforço honroso para que reconsiderasse – e posteriormente ele se arrependeria de não o ter feito -, mas a batata-quente caiu no colo de Bob Paisley.

Paisley estava associado ao Liverpool desde 1939, quando chegou como jogador. Foi fisioterapeuta, assistente técnico e realmente não queria ser treinador. Realmente. Em sua primeira conversa com o elenco, disse oito vezes – não é uma hipérbole, alguém contou – que não queria o cargo e havia sido pressionado a aceitá-lo. Exatamente o que um grupo de jogadores quer ouvir do novo comandante que acabou de começar a suceder uma lenda.

Acontece que Paisley era uma pessoa retraída, o homem dos detalhes, sem muitas habilidades sociais, mas também portador de uma mente prodigiosa para detalhes e futebol. Ele aprofundou a renovação de Shankly com uma abordagem impiedosa contra jogadores que começavam a mostrar queda de rendimento, refinou a filosofia de jogo do pass and move (passe e se mexa), desenvolveu uma estratégia para partidas europeias fora de casa e contratou muito bem – quando Keegan foi vendido ao Hamburgo, trouxe Kenny Dalglish do Celtic.

O sucesso foi estrondoso. Em suas seis primeiras temporadas como treinador, conquistou o Campeonato Inglês quatro vezes, com dois vices e dois títulos da Copa dos Campeões e outro da Copa da Uefa. A pedra no sapato foi o Nottingham Forest de Brian Clough porque, enquanto os troféus chegavam a Anfield no atacado, o Manchester United havia sido rebaixado.

Pouco depois do título em Wembley, Matt Busby aposentou-se. Mas, como ainda era jovem – 12 anos a menos do que Ferguson quando esse tomou a mesma decisão -, manteve-se como um diretor ativo do Manchester United. Escolheu Wilf McGuiness, treinador do time reserva e que mal havia passado dos 30 anos para sucedê-lo. Era efetivamente um laranja para que Busby continuasse a exercer influência, uma vez que suas atribuições de cartola envolviam as relações com os diretores e o mercado de transferências. Após uma única temporada, ele estava fora, e Busby voltara ao seu antigo cargo.

Em 1971, a aposentadoria foi definitiva. Frank O’Farrell, finalista da Copa da Inglaterra com o Leicester, foi contratado, mas também ficou apenas uma temporada. Em seguida, chegou Tommy Docherty. Mesmo mais experiente, ex-comandante de Chelsea, Porto e seleção escocesa, tudo que conseguiu na primeira temporada foi um 18º lugar. Na segunda, foi rebaixado. O Manchester United passava por alguns problemas. Além da presente sombra de Busby, o elenco estava envelhecido, com os ocasos de Charlton, Best e Law.

Law, aliás, estava no Manchester City quando o United caiu. Em abril de 1973, retornou a Old Trafford para a partida que poderia decretar o rebaixamento. O placar estava zerado, após 82 minutos, quando Law conseguiu encaixar um calcanhar entre as pernas de Alex Stepney. Dizer que ele não comemorou é pouco: ele nem se mexeu. Aquele gol é tido como o que rebaixou o Manchester United, mas como o Birmingham havia vencido o Norwich, os Red Devils não se salvariam nem se tivessem ganhado. Law foi substituído pouco depois do gol e não fez mais nenhum jogo profissional por clubes. Encerrou a carreira efetivamente na Copa do Mundo de 1974, pela seleção escocesa.

Docherty foi mantido, apesar da queda, o que se mostrou um acerto. Ele voltou imediatamente à primeira divisão, com uma nova equipe jovem e ofensiva. Conseguiu um terceiro lugar e chegou a duas finais da Copa da Inglaterra, vencendo o Liverpool na segunda. Peter Shilton negociava com o Manchester United para a temporada seguinte e o futuro era promissor, mas o dever perdeu a luta contra o amor.

Mary Brown era esposa de um fisioterapeuta do Manchester United e o seu caso com Docherty foi um escândalo. Duas semanas depois do título da Copa da Inglaterra, o primeiro da era pós-Busby, ele foi demitido. Perdeu o emprego, mas ganhou uma esposa para o resto da vida. “Sou o único treinador que foi demitido por ter se apaixonado”, diria, em 2014, ao Independent. Dave Sexton terminou a década e até conseguiu um segundo lugar, em 1979/80, a dois pontos do campeão Liverpool, mas, com um futebol mais travado, nunca caiu nas graças da torcida e abriu espaço para Ron Atkinson.

1980

Liverpool: seis títulos, três vices, duas Copas dos Campeões Manchester United: um vice, duas Copas da Inglaterra

Em 1987/88, o Liverpool foi campeão inglês, com nove pontos de vantagem para o segundo colocado Manchester United

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O Manchester United não foi necessariamente mal nos anos oitenta, especialmente na primeira metade. Ron Atkinson havia feito um grande trabalho no West Brom, com um terceiro lugar e quartas de final da Copa da Uefa, contratou jogadores como Frank Stapleton e promoveu Mark Hughes. Estabeleceu-se na ponta da tabela, com cinco temporadas seguidas entre os quatro primeiros, conquistou duas vezes a Copa da Inglaterra e chegou a brigar de verdade pelo título em 1985/86, quando venceu as dez primeiras rodadas. Afetado por lesões, porém, ganhou apenas nove jogos em 27 e acabou em quarto, o que prejudicou seu futuro em Old Trafford. Pouco depois, seria trocado pelo treinador do Aberdeen.

Acontece, porém, que aquela década foi a mais vitoriosa da história do Liverpool. Tirando uma breve exceção em 1980/81, ficou todos os anos em primeiro ou segundo lugar do Campeonato Inglês, ganhou a primeira Dobradinha da sua história, mais dois títulos da Copa dos Campeões e fez tudo isso com três treinadores diferentes. Houve menos drama na aposentadoria de Paisley. Ele anunciou com uma temporada de antecedência que vestiria as pantufas ao fim da campanha de 1982/83 e a diretoria não quis nem saber de buscar um novo treinador de fora. Com o sucesso da promoção do antigo assistente de Shankly, recorreu mais uma vez à comissão técnica.

Promoveu Joe Fagan. Como Paisley, ele relutou em aceitar o cargo, mas pensou que seria pior para o Liverpool se viesse alguém de fora para bagunçar o ambiente. Era um scouser, nascido na cidade, que morou de 1958, quando foi contratado como jogador, até a morte, em 2001, na mesma casinha a uma caminhada de Anfield. O forte era o relacionamento com os jogadores. Sabia quando dar bronca e quando abraçá-los. Conquistou três títulos na primeira temporada, inclusive a Copa dos Campeões, mas sua passagem acabou sendo curta. Ele já tinha a ideia de ficar apenas alguns anos na cadeira e a tragédia de Heysel, quando hooligans do Liverpool causaram a morte de 39 torcedores da Juventus na final europeia de 1985, abreviou os planos.

O sucessor pegou um pouco de surpresa. O natural na hierarquia seria dar o cargo a Ronnie Moran, mas Kenny Dalglish havia adquirido um tamanho tão grande dentro do clube que inevitavelmente se tornou o comandante, dentro e fora de campo. Foi jogador e treinador em seus dois primeiros anos, e Paisley foi trazido de volta como uma espécie de decano para aconselhá-lo. Pouco a pouco, ele foi desenvolvendo seu próprio estilo de treinador, auxiliado pelo sucesso imediato. Sua primeira temporada com a prancheta rendeu a inédita conquista da liga e da Copa da Inglaterra na mesma campanha.

Não teve a oportunidade de testar suas habilidades em campos europeus por causa da exclusão dos clubes ingleses, motivada por Heysel e pelo hooliganismo generalizado de torcidas do país, mas conquistaria mais duas vezes o título inglês, com outros dois vices, antes que a década terminasse em outra tragédia para o Liverpool.

1990

Liverpool: um vice, uma Copa da Inglaterra Manchester United: seis títulos, três vices, três Copas da Inglaterra, uma Champions

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Hillsborough foi um abalo muito grande à alma do Liverpool. Além da perda de 96 irmãos, pesada em si, a cidade precisava lidar com as falsas acusações de que fora a própria torcida quem causara o acidente e o peso de tudo aquilo foi demais para Kenny Dalglish. Ele ainda resistiu até fevereiro de 1991, quando convocou uma coletiva de imprensa surpresa para anunciar que estava renunciando. Com uma máquina de ganhar títulos em mãos há 27 anos, a diretoria tomou a decisão que parecia sensata de manter a linha interna de treinadores e nomeou Graeme Souness, capitão do título europeu de 1984, auxiliado por Roy Evans e Ronnie Moran, dois membros da velha guarda da comissão técnica, mas o futebol estava diferente.

A criação da Premier League injetou um dinheiro sem precedentes ao futebol inglês, cujo caráter um pouco paroquial foi transformando gradualmente em global. Toda a sustentação da filosofia de Bill Shankly que permeou as décadas anteriores era a noção de que todos tinham o seu papel a desempenhar na engrenagem e que tudo era feito pelo bem do Liverpool. O vestiário muitas vezes se auto-governava, com jogadores liderando por exemplo, mas, no começo da década de noventa, havia uma constante pressão por salários maiores porque ninguém queria perder a sua fatia do bolo, especialmente os jogadores que estavam prestes a se aposentar.

E o elenco do Liverpool tinha muitos desses. Ian Rush, Ronnie Wheelan, Peter Bearsdley e Grobbelaar estavam nas redondezas dos 30 anos. Souness, posteriormente, diria que seu principal foi erro foi tentar mudar muito em pouco tempo. Tinha também uma personalidade mais forte do que seus antecessores, o que bateu de frente com o novo perfil de vestiário que começava a surgir. A máquina se esfacelou. Nos três anos de Souness, teve dois sextos lugares, um oitavo e uma entrevista para o The Sun, jornal odiado pela cidade por proliferar mentiras sobre Hillsborough, que irritou a torcida.

O Liverpool tentou a antiga fórmula mais uma vez promovendo Roy Evans, desde 1965 no clube. Mas a postura popstar dos jogadores apenas se acentuava, e, enquanto o antecessor era muito rígido, Evans era acusado de ser bonzinho demais. Tinha um bom time em mãos, com Robbie Fowler e Steve McManaman, e conseguiu pelo menos recolocar o clube nas primeiras posições e disputar o título em 1995/96. Mas, quando retornou das férias em 1998, descobriu que Gérard Houllier havia sido contratado para ser o co-treinador. Ninguém teve muito tempo de descobrir como aquilo funcionaria na prática porque, em novembro, Evans já havia pedido demissão.

Se o Liverpool sofria entre uma fórmula que havia criado uma dinastia e a nova ordem do futebol inglês, tudo que o Manchester United queria era mudança. E Alex Ferguson era bom nisso. Tinha um instinto sobrenatural para identificar o momento de iniciás-la, fosse trocando jogadores ou modificando abordagens e táticas. Foi contratado com o clube perto da zona de rebaixamento. Conseguiu salvá-lo e emendou um segundo lugar na temporada seguinte. Mas também era ele no comando quando o United ficou apenas em 11º e 13º nos dois anos seguintes, testando a paciência da diretoria. O barulho pedindo a sua demissão cresceu e nunca houve uma decisão tão correta na história do futebol do que a de ignorá-lo.

Quando começou a década de noventa, o Manchester United estava pronto para ter sucesso. Ferguson já havia deixado o clube um pouco mais com a sua cara, priorizando a melhor formação de jovens. Seis anos depois de sua contratação, o United entrava em campo para a final da Copa da Inglaterra jovem com Gary Neville, David Beckham, Nicky Butt e Ryan Giggs. Na edição seguinte, outra decisão, com Phil Neville e Paul Scholes. A Turma de 1992 forneceu uma formidável espinha dorsal que Alex Ferguson poderia preencher com o novo dinheiro que chegava das televisões.

Os mais caros foram Roy Keane, do Nottingham Forest, e Andy Cole, do Newcastle, ambos próximos da casa dos € 10 milhões. Peter Schmeichel chegou do Brondby por um troco, e a grande sacada foi a contratação de Eric Cantona, do Leeds. A personalidade imprevisível e o imensurável talento do francês foram os catalizadores que elevaram todo o resto que vinha sendo bem feito no Manchester United à primeira prateleira. Chegou no meio da temporada 1992/93, quando terminou o jejum de 26 anos sem títulos ingleses para os Red Devils.

A década de noventa foi uma passagem de bastão. A máquina de títulos do Liverpool enguiçou, soltou fumaça e explodiu. Com a garotada do Manchester United se desenvolvendo, um recrutamento inteligente e um treinador lendário, outra foi criada, e o United ganharia a Premier League mais cinco vezes antes de o século terminar, coroando sua ressureição com a Tríplice Coroa em 1999.

2000

Liverpool: dois vices, duas Copas da Inglaterra, uma Champions Manchester United: cinco títulos, dois vices, uma Champions

Em 2008/09, o Manchester United foi campeão inglês, com quatro pontos de vantagem para o Liverpool

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O tabuleiro do futebol inglês estava montado no começo do novo milênio. O Manchester United era principal potência e brigava cabeça a cabeça com o Arsenal, que havia trocado o sangue, suor e a vitória-por-1-a-0-com-gol-de-cabeça-do-zagueiro que tanto encantou Nick Honrby pela elegância de Arsène Wenger.  O Liverpool era a terceira força e tinha alguns motivos para sonhar.

Esses motivos tinham nome e sobrenome, aliás. Um deles chamava Michael Owen, o outro Steven Gerrard, dois garotos formados nas categorias de base que pintavam como o futuro do clube. Agora sozinho no comando, Houllier comandou algumas boas temporadas, com a conquista de três copas em 2000/01 e o vice-campeonato da temporada seguinte, a primeira vez que o Liverpool ficou à frente do Manchester United na história da Premier League. Os Red Devils, porém, seguiam dominantes e foram campeões antes e depois dessa temporada em que terminaram em terceiro.

No entanto, com o seu primeiro título inglês completando dez anos, Ferguson precisou tocar a renovação, o que sempre traz consigo algumas lombadas. Jogadores importantes envelheceram ou foram embora, como Beckham para o Real Madrid, e outros chegaram. Era necessário paciência com alguns, como Wayne Rooney e Cristiano Ronaldo, e outros foram decisões equivocadas mesmo. Isso significou três anos seguidos sem títulos ingleses para o Manchester United, e a maior prova da enormidade do trabalho de Ferguson é que aquele foi seu maior jejum no período Premier League.

Ao mesmo tempo, o tabuleiro foi despedaçado pela chegada de Roman Abramovich ao Chelsea, perturbando a ordem estabelecida com seus milhões de euros. O Liverpool não soube acompanhar a toada, contratou mal e seguiu aquele vice-campeonato com um quinto e um quarto lugar. Owen percebeu e forçou sua saída ao Real Madrid em 2004. Abandonado e com uma relação fria com o novo treinador Rafa Benítez, Gerrard ficou tentado pela abordagem do Chelsea.

O capitão permaneceu e liderou o milagre de Istambul naquela mesma temporada, mas, nacionalmente, o Liverpool havia ficado ainda mais para trás e precisaria de algumas janelas de transferências até brigar pelo título em 2008/09, com Gerrard, Xabi Alonso, Mascherano e Fernando Torres. Enquanto isso, o Manchester United havia terminado seu processo de reconstrução. O time agora tinha Van der Saar, Ferdinand, Vidic, Carrick e, claro, Rooney e Ronaldo. Emendou um segundo tricampeonato inglês, tornando-se o único clube a conseguir esse feito duas vezes.

No último desses títulos, o Liverpool conseguiu disputar o troféu de verdade. O Manchester United começou mal, com apenas uma vitória nas quatro primeiras rodadas, mas se recuperou e acompanhou os líderes. Em dezembro, arrancou com 11 vitórias seguidas até receber o Liverpool em Old Trafford e levar um pesado 4 a 1. Mas, no mesmo período, os Reds haviam tropeçado sete vezes e conseguiram apenas diminuir a diferença para sete pontos. O United perdeu a rodada seguinte também, para o Fulham, e o Liverpool conseguiu ficar a quatro pontos. Mas os dois times tiveram a mesma campanha na sequência, apenas vitórias e um empate com o Arsenal.

O Manchester United foi campeão novamente e com um detalhe importante: foi seu 18º título, igualando o recorde do Liverpool que, antes de a Premier League começar, tinha 11 troféus de vantagem para o rival.

2010

Manchester United: dois títulos, dois vices, uma Copa da Inglaterra, uma Liga Europa Liverpool: dois vices, uma Champions League

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O Liverpool teve seu pior início de campanha desde a temporada do rebaixamento de 1953/54 no começo da nova década. A sétima posição na Premier League anterior levou a um êxodo de talento. Javier Mascherano e Torres seguiram Xabi Alonso pela porta de saída e a contratação de Andy Carroll não foi o momento mais iluminado do departamento de recrutamento de Anfield. Nem a escolha de Roy Hodgson para substituir Rafa Benítez, sumariamente demitido em janeiro, o que obrigou Kenny Dalglish a sair da aposentadoria.

Àquela altura, tudo que Alex Ferguson tocava era ouro e, mesmo com a saída de Cristiano Ronaldo e reforços não muito inspirados, o Manchester United conquistou mais dois títulos da Premier League, antes de o escocês decidir se aposentar, em 2013. A nova experiência de Dalglish rendeu uma Copa da Liga, mas os novos donos do Liverpool queriam uma abordagem mais moderna. John Henry, proprietário do Boston Red Sox, havia comprado o clube das mãos de Tom Hicks e George Gillett e o salvado da falência.

Agora, era o momento de reconstruí-lo. A primeira abordagem, com base em estatísticas na linha do Moneyball que havia dado certo no beisebol, não foi tremendamente bem sucedida, mas Brendan Rodgers emergiu do Swansea e conseguiu montar uma boa equipe, liderada por Luis Suárez, que brigou pelo título para valer em 2013/14, culminando no cruel escorregão de Gerrard na partida decisiva contra o Chelsea. Após a Copa do Mundo de 2014, o uruguaio foi vendido ao Barcelona, e o dinheiro recebido acabou sendo muito mal investido. A temporada 2014/15 foi melancólica e terminou com goleada para o Stoke City, no último jogo de Gerrard pelo Liverpool.

O Manchester United não passou por dias muito melhores. Ferguson escolheu a dedo seu sucessor, alguém que tivesse um perfil parecido ao seu, mas o clube havia se estabelecido na primeira prateleira da Europa e não precisava mais de um Ferguson. E David Moyes sempre esteve, estava e estará bem longe de ser um Ferguson. A segunda escolha fez mais sentido. Um nome forte e vitorioso como Louis Van Gaal combinava mais com a marca global que Ferguson havia ajudado a construir, assim como José Mourinho.

No entanto, os dois chegaram a Old Trafford longe dos seus auges, com Van Gaal próximo da aposentadoria e Mourinho em uma crise existencial profunda. Junto à desorientação da diretoria liderada por Ed Woodward na hora de montar o time, nenhum dos dois conseguiu dar uma identidade ao Manchester United ou desenvolver um plano de médio prazo. Muito dinheiro foi gasto, e Mourinho até conseguiu algum sucesso, com títulos da Copa da Liga e da Liga Europa e um segundo lugar na Premier League.

Com uma temporada muito fraca na sequência, Mourinho foi mandado embora e houve uma tentativa um pouco desesperada de resgatar as glórias do passado com um ex-jogador de Ferguson no comando da equipe. E até agora Ole Gunnar Solskjaer oscila entre momentos em que parece que está no caminho certo – como o atual – e momentos em que parece que não está – como no mês passado, quando deixou a escapar a vaga nas oitavas de final da Champions League apesar de ter vencido PSG e RB Leipzig nas primeiras duas rodadas.

O júri ainda delibera sobre Solskjaer, mas entregou o veredicto sobre Jürgen Klopp. Como Shankly, um homem carismático, com valores alinhados aos da cidade e ciente do potencial do clube.  Klopp recuperou a auto-estima do torcedor e conseguiu recolocar o Liverpool na Champions League. Chegou duas vezes à final e conquistou o sexto título europeu dos Reds. Acima de tudo, entregou a tão esperada Premier League, a primeira conquista do Campeonato Inglês desde 1990, e, para tentar conquistá-la novamente, precisará de um bom resultado em Anfield contra o embalado Manchester United.

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