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·09 de novembro de 2023
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Por Antonio Oliveira
O Fluminense venceu o Boca Juniors no Maracanã por 2 a 1 e ficou com o título da Libertadores de 2023. Nos dias anteriores à decisão, vários torcedores do clube argentino começaram a chegar no Rio Janeiro e alguns foram recebidos com violência por grupos adeptos do clube Tricolor. Na praia de Copacabana, os argentinos foram agredidos e tiveram celulares, dinheiro e documentos roubados.
Algumas horas após o primeiro acontecido, uma foto foi publicada nas redes sociais mostrando um grupo de torcedores do Boca em direção ao Brasil. Na imagem, destacam-se Rafael Di Zeo e Mauro Martín, respectivamente líder e vice de La 12, a principal torcida organizada do clube de Buenos Aires e tida por muitos como uma das mais perigosas do mundo. Di Zeo repostou uma publicação em que fanáticos do Fluminense comemoravam os ataques aos argentinos e colocou uma legenda que dizia: “Se querem guerra, é o que vamos dar”.
Em meio a ameaças nas redes, La 12 possui um histórico de brigas sangrentas e fatos que vão além das arquibancadas. A interferência em decisões do clube, a exigência de uma parte dos lucros arrecadados ao redor de La Bombonera e a afinidade com políticos influentes no país marcam a história da torcida.
Fundada nos anos 1960, La 12 era uma simples torcida organizada até o início dos anos 1980, quando o italiano José Barrita, conhecido por El Abuelo, assumiu a liderança da barra brava em 1981, após um conflito com o antigo chefe, Enrique Ocampo, o Quique el Carnicero. Com a chegada do novo comandante, a torcida passou a apresentar traços de organização mafiosa e foi criando um estilo violento e perigoso. Aos poucos, os integrantes começaram a exigir uma parte dos lucros de todos que trabalham ao redor da Bombonera, como vendedores de comida e bebida, além de cobrar estacionamento no local.
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Sob a desculpa de ajudar o clube, La 12 começou a tomar decisões mais arriscadas na busca por dinheiro. Jogadores do Boca eram pressionados a doar quantias para que não fossem perseguidos, assim como empresários ligados ao time. Da mesma forma, políticos enxergaram o crescimento da barra como uma forma de mantê-los por perto, visando segurança e adesão popular. Sendo assim, também eram coagidos a colaborar financeiramente.
José Barrita foi o grande responsável por aproximar a torcida do tráfico de drogas e da corrupção. Em 1990, ele foi preso, mas seguiu liderando à distância. Quatro anos depois, o grande líder morreu em decorrência de complicações de saúde, deixando o trono de La 12 para seu fiel escudeiro, Rafael Di Zeo.
A chegada de Di Zeo ao comando da barra brava foi fundamental para manter o legado de Barrita, mas também para “profissionalizar” ainda mais a espécie de associação criminosa que havia sido instaurada em La 12. A relação com o tráfico e com o crime organizado cresceu, assim como a pressão para que as “doações” chegassem aos cofres da torcida, aumentando o sentimento amedrontador que muitos sentiam em relação a eles.
Além disso, as brigas e emboscadas com outras torcidas tornaram-se recorrentes, contando com a presença de Di Zeo na linha de frente. Contra a Borrachos del Tablón, principal torcida do River Plate, foram travados diversos conflitos armados e não armados em diferentes localidades de Buenos Aires. Da mesma forma, outras torcidas possuem rivalidades históricas e também protagonizaram cenas lamentáveis com La 12, como La Barra del Rojo (Independiente) e La Gloriosa Butteler (San Lorenzo).
Em meio a disputas brutais nas ruas da capital argentina, que contaram até com mortes, La 12 seguiu carregando a alcunha de a barra mais temida, enquanto Rafael Di Zeo se consolidava como uma figura importante no cenário futebolístico e político do país. Aos poucos, o pupilo de Barrita tornou-se o rosto de uma torcida que cultuava o amor pelo Boca Juniors em conjunto com a brutalidade.
Entretanto, em 2007, após escapar da justiça inúmeras vezes, o líder de La 12 foi detido pela polícia argentina depois de uma briga generalizada com torcedores do Chacarita Juniors nas proximidades de La Bombonera. Na ocasião, ele foi preso por porte de arma de fogo e teve de ficar na cadeia até 2011.
Imagem: Reprodução
Ao ser preso, em 2007, Rafael Di Zeo escolheu seu aliado, Mauro Martín, como o novo comandante da barra. Martín era naquele momento o que Di Zeo foi para José Barrita: alguém mais jovem e com muita dedicação a La 12.
Durante quatro anos, Martín comandou a organizada, dando seguimento ao que vinha sendo feito sob o antigo comando. Aos poucos, o jovem foi consumido pelo poder e não queria abrir mão da sua influência dentro da torcida – tanto que, quando Di Zeo foi liberado em 2011, alguns conflitos entre os dois aconteceram, colocando o trono de La 12 em disputa.
Neste período, ambos dividiram a torcida do Boca Juniors em duas partes e acabaram sendo proibidos de ingressar em estádios por alguns anos, em função do alvoroço que causavam entre seus fiéis em La Bombonera. No mesmo ano, Di Zeo teria mandado atiradores atacarem o ônibus da torcida xeneize, e Mauro Martín acabou sendo atingido no estômago, escapando por pouco da morte.
Em meio às desavenças e restrições impostas pela justiça quanto à presença dos dois em estádios, ambos fizeram as pazes. Determinou-se que Rafael Di Zeo voltaria ao comando de La 12, enquanto Mauro Martín assumiria o cargo de vice. Apesar do fato, a trégua entre os dois é algo que passou a gerar dúvidas, muito em função dos ataques de ambos os lados. No entanto, foi algo positivo para a torcida em geral, visto que deu fim à “guerra” que havia sido criada e que enfraquecia La 12.
Após sair da prisão, Rafael Di Zeo continuou participando ativamente da organizada e voltou a envolver-se em confusões. Em 2014, ele foi acusado de ser o mandante de um ataque a tiros que por pouco não culminou na morte de seu ex-colega de cela, Richard Fernandez. O Uruguayo, como era conhecido, era adepto do River Plate e acabou ficando paraplégico em decorrência do episódio. Durante o julgamento, o líder mostrou-se pouco preocupado e saiu do tribunal rindo, enquanto se despedia dos policiais, chamando cada um pelo nome. Em 2015, foi absolvido.
Nos anos seguintes, Di Zeo e Martín foram acusados de diversos crimes relacionados a brigas entre torcidas, mas foram absolvidos em todas as ocasiões. Em fevereiro de 2023, respondiam sobre um ocorrido em 2013 que culminou na morte de torcedores no confronto contra o San Lorenzo. Nesse caso, a polícia alegou falta de provas para culpar a dupla xeneize.
Na maioria das vezes, a punição encontrada para os dois foi a proibição de frequentar estádios na Argentina durante um período específico (geralmente um ano). Sendo assim, eles só poderiam frequentar jogos do Boca fora do país, mas existem relatos de que ambos descumpriram a ordem em algumas oportunidades e estiveram em La Bombonera.
Assim como a maior parte das torcidas organizadas pelo mundo, La 12 também prega uma relação quase sanguínea com os principais atletas da história do clube. Como foi citado anteriormente, durante alguns anos, foi comum que os jogadores doassem uma parte do salário para manter a organizada. Entretanto, alguns não se mostravam muito favoráveis a tal prática e preferiam não participar.
Imagem: Reprodução
Juan Román Riquelme, maior ídolo do Boca no século XXI, por exemplo, nunca esteve muito próximo de La 12. Em tempos de jogador, ele não costumava contribuir com o valor mensal arrecadado e tinha comemorações “indiferentes” em relação à barra brava. No ano de 2019, o antigo camisa 10 tornou-se vice-presidente do Boca Juniors e, desde então, não tem sido apoiado pelos principais integrantes da torcida.
Di Zeo, por exemplo, chegou a dizer em uma entrevista para o jornal Olé que o dirigente deveria mandar diversos jogadores embora, pois estavam jogando como “mortos”. Além disso, especula-se que La 12 lidere uma chapa para concorrer contra a de Riquelme nas eleições que ocorrem em dezembro de 2023.
Quanto a outros ídolos, a organizada tinha boa relação com Diego Maradona, apoiando o eterno camisa 10 em todos os momentos que esteve em La Bombonera. Quando faleceu, em 2020, a família do craque chamou Di Zeo e outros dois integrantes de La 12 para comparecer ao velório privado de Diego.
Além dele, Carlitos Tévez é outro que sempre esteve próximo da barra brava. Muito influente dentro e fora dos gramados, o ex-atacante comemorava seus gols em direção à organizada e costumava provocar os adversários, principalmente o rival River Plate, com frequência, causando simpatia dos xeneizes. Tanto Di Zeo quanto Martín já afirmaram que gostariam de contar com o apoio de Tévez para concorrem à presidência do clube.
(Adaptado do texto originalmente publicado no site Retrique)