Calciopédia
·14 de setembro de 2023
In partnership with
Yahoo sportsCalciopédia
·14 de setembro de 2023
Os anos 1980, conhecidos como a era de ouro do futebol italiano, tiveram vários protagonistas em momentos de glória – alguns consolidados até hoje, outros nem tanto. A Sampdoria foi uma das equipes em maior evidência. Depois de comprar a agremiação na década anterior, o empresário Paolo Mantovani começou a construir o time multicampeão que tomaria de assalto a Itália e a Europa. No continente, um dos passos iniciais foi a chegada à decisão da Recopa Uefa de 1989, onde a Samp enfrentaria o Barcelona de Johan Cruyff pela primeira vez. E, assim como na segunda, na final da Copa dos Campeões de 1992, perderia.
Àquela altura, a Samp já era conhecida pelos seus “gêmeos do gol”: Roberto Mancini e Gianluca Vialli eram o pesadelo das zagas adversárias e se consolidavam como uma das maiores duplas da história do futebol italiano. Para além de Mancio e Luca, os blucerchiati ainda tinham no elenco outros jogadores que se tornariam lendas da agremiação: o maestro do meio-campo Toninho Cerezo, o czar Pietro Vierchowod, o incansável lateral-direito Moreno Mannini, o seguro goleiro Gianluca Pagliuca, o insinuante articulador Giuseppe Dossena e tantos outros. Tudo isso sob a batuta de Vujadin Boskov, técnico iugoslavo que levou o Real Madrid a duas copas nacionais e a um título espanhol anos antes.
Em tempos em que a Serie A contava com o Napoli de Diego Armando Maradona, a Inter de Lothar Matthäus, a Juventus de Michel Platini, o Milan de Marco van Basten e tantos outros esquadrões lendários, a Sampdoria que brilhou entre o final da década de 1980 e o início da de 1990 era a irmã caçula dos grandes. Na época, a agremiação tinha pouco mais de 40 anos de existência enquanto tal, já que é resultado de uma fusão – ocorrida em 1946 – entre Sampierdarenese, nascida em 1891, e Andrea Doria, de 1900.
Apesar de “novata”, a Sampdoria tinha bala na agulha. Empresário do setor energético, Mantovani tinha multiplicado sua fortuna durante as crises do petróleo da década de 1970 e investiu maciçamente na agremiação, que comprou em 1979. Impulsionada à elite em 1982, a Samp viu a aplicação de verbas de seu proprietário gerar frutos mais doces em 1985, quando conquistou a sua primeira Coppa Italia. Os dorianos repetiram o feito dois anos depois e se classificaram à Recopa de 1988-89.
Barcelona e Sampdoria decidiram o título da Recopa Uefa de 1989 em Berna, na Suíça (imago)
A Sampdoria teve uma trajetória bastante acidentada na competição europeia: os blucerchiati simplesmente não ganharam nenhum de seus jogos longe de Gênova, mas fizeram do estádio Luigi Ferraris a sua força e alcançaram a decisão. Na primeira fase, os italianos precisaram virar o confronto contra o Norrköping, após perderem por 2 a 1 na Suécia. No Marassi, o 2 a 0 foi suficiente para garantir os dorianos nas oitavas de final.
Na sequência, a Samp fez duas viagens a países socialistas. Nas oitavas, superou o Carl Zeiss Jena por um placar agregado de 4 a 2 (1 a 1 na Alemanha Oriental; 3 a 1 na Itália) e, nas quartas, passou pelo Dinamo Bucareste graças ao gol qualificado – após o 1 a 1 na Romênia, o empate sem bolas nas redes em casa bastou aos dorianos.
Nas semifinais, uma pedreira esperava a trupe de Boskov: o Mechelen, que disputava o torneio na qualidade de campeão da Recopa anterior, conquistada sobre o Ajax, clube que Cruyff treinara até janeiro de 1988. Contando com jogadores como Michel Preud’homme, Erwin Koeman, Marc Wilmots e John Bosman, o time da Bélgica fez valer o mando de campo na ida e venceu a Samp por 2 a 1. No jogo de volta, contudo, uma atuação de gala de Cerezo e dos demais meias dorianos permitiu à equipe genovesa vencer por 3 a 0 e alcançar a sua primeira final em uma competição europeia.
Apesar de contar com ótimos meio-campistas, como Dossena e Cerezo, a Sampdoria foi dominada pelo Barça (imago)
O adversário da Samp na decisão da Recopa seria o Barcelona, em seu primeiro ano sob as ordens de Cruyff. Após duas temporadas e meia no Ajax, o holandês repetiu o caminho que fez como jogador e foi fazer história novamente na Espanha. O Barça vivia um cenário caótico, com dívidas, e crises que levaram até a trocas de farpas entre o então presidente do clube, Josep Lluís Núñez, e Jordi Pujol, governante da Catalunha na época. A chegada do craque representaria a salvação dos culés.
Com o passar dos anos, Cruyff construiria o chamado Dream Team, que alcançaria o título europeu, em 1992, e quatro conquistas seguidas de La Liga. Dentre os membros daquela equipe, alguns já integravam o elenco finalista da Recopa Uefa de 1988-89: Andoni Zubizarreta, José Alexanko, José Mari Bakero, Guillermo Amor, Sergi, Eusebio, Txiki Begiristain e Julio Salinas. Para encarar a Sampdoria, o Barcelona ainda tinha outras peças de relevo, como o zagueiro brasileiro Aloísio e o craque inglês Gary Lineker.
Assim como a Samp, o Barcelona teve percalços em sua campanha. A trajetória na Recopa até começou com tranquilidade, já que o sorteio reservou aos culés o modesto Fram, da Islândia, que foi derrotado por um placar agregado de 7 a 0. Na fase seguinte, o time catalão precisou dos pênaltis para eliminar o Lech Poznan, da Polônia – 5 a 4, após 2 a 2 com a bola rolando –, ao passo que o AGF, da Dinamarca, também foi páreo duro e caiu pelo placar mínimo, nas quartas. Só nas semifinais, contra o Sredets Sofia, atual CSKA Sofia, é que a paz voltou a reinar para os blaugrana: 6 a 3 no total, apesar dos esforços de Hristo Stoichkov, autor de todos os gols dos búlgaros.
Em sua primeira final europeia, a Samp não conseguiu oferecer resistência ao Barcelona de Cruyff (Allsport)
A final da Recopa aconteceria no Wandkorfstadion, em Berna, capital da Suíça. Frente a quase 43 mil pessoas, mal houve tempo para a Samp respirar: aos 4 minutos de jogo, Lineker ganhou de Fausto Pari, disparou pela direita e fez o cruzamento. Entre Mannini e Dossena, Roberto escorou a bola e Salinas empurrou para o gol. Bem cedo, já havia festa catalã em terras helvéticas.
O jogo seguiria disputado por todo o primeiro tempo. Mancini e Vialli tinham poucos espaços para atacar, graças à fortíssima defesa culé. Do outro lado, Lineker e Salinas infernizavam a vida de Pagliuca e da zaga doriana, capitaneada por Luca Pellegrini.
O Barcelona teve uma chance claríssima num chute forte de Urbano, espalmado pelo goleiro. Salinas tentou aproveitar o rebote, mas foi travado por Marco Lanna e, na sequência do lance, o arqueiro blucerchiato conseguiu agasalhar a pelota. Perto do intervalo, Begiristain ainda desperdiçou uma oportunidade cara a cara com Pagliuca, após escorregão de Stefano Pellegrini – irmão do capitão Luca, que entrara no lugar do lesionado Mannini.
Apesar de ter perdido o título, a Sampdoria reagiu e deu continuidade a seu percurso ascendente (Allsport)
Já na etapa complementar, Aloísio mandaria a bola para a área e Roberto quase marcaria de cabeça, mas finalizou acima da baliza. Robert, como também era conhecido, ainda assustaria com um chute de média distância. A Sampdoria assistia, quase inerte, o Barcelona jogar. Para piorar a vida dos italianos, as mexidas de Cruyff surtiram mais efeito do que as de Boskov: Luis Milla e Begiristain sairiam para dar lugar a Miquel Soler e a Luis López Rekarte, fundamentais para o segundo e definitivo gol da decisão.
Aos 79 minutos, Mancini levantou a bola na área e Zubizarreta subiu para pegá-la, iniciando rápido contragolpe. Soler arrancou pelo lado esquerdo sem muita oposição e, após Fulvio Bonomi não ter conseguido lhe parar com falta, só passou no corredor para Rekarte, que saiu cara a cara com Pagliuca. O lateral espanhol não hesitou e chutou colocado, no canto. Estava sacramentado o primeiro título de Cruyff pelo Barça como treinador.
O vice-campeonato não esmoreceu a Sampdoria, que ainda tinha três frentes às quais se dedicar no fim da temporada. A equipe genovesa acabaria perdendo a Supercopa Italiana para o Milan, mas garantiria a quinta posição na Serie A, que lhe daria vaga na Copa Uefa. Daria porque, poucos dias depois, os blucerchiati conquistariam, pela terceira vez, a Coppa Italia – a segunda consecutiva. Após perderem o jogo de ida para o Napoli, por 1 a 0, enlouqueceram o Marassi com um 4 a 0 sobre a trupe de Maradona e Careca. Com isso, poderiam disputar novamente a Recopa. E a venceriam em 1990, ao baterem o Anderlecht.
A primeira glória continental foi mais um passo da ascensão da Sampdoria, que vivia os seus anos de ouro e ainda faturaria o scudetto em 1991. Em 1992, foi a vez de disputar a decisão da Copa dos Campeões contra outro adversário em ascensão: o Barcelona, que até 1994 ganharia uma Copa do Rei, o tetracampeonato consecutivo de La Liga, três Supercopas da Espanha e dois títulos internacionais. Os culés levantariam a própria orelhuda ao baterem a Samp, em Wembley, e a Supercopa Uefa logo na sequência. Portanto, se tem um adversário que está engasgado na garganta da torcida blucerchiata, este é o Barça.
Barcelona: Zubizarreta; Urbano, Alexanko, Aloísio; Eusebio, Amor, Milla (Soler); Roberto; Lineker, Salinas, Begiristain (López Rekarte). Técnico: Johan Cruyff. Sampdoria: Pagliuca; Mannini (S. Pellegrini), Pari, L. Pellegrini (Bonomi), Lanna; Salsano, Muñoz, Cerezo, Dossena; Vialli, Mancini. Técnico: Vujadin Boskov. Gols: Salinas (4’) e López Rekarte (79’) Árbitro: George Courtney (Inglaterra) Local e data: Wankdorfstadion, Berna (Suíça), em 10 de maio de 1989