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·18 de maio de 2022

Quando Frankfurt e Rangers fizeram uma semifinal de Champions com 16 gols em dois jogos

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Nesta quarta-feira, Rangers e Eintracht Frankfurt serão protagonistas de uma decisão de Liga Europa repleta de história. Os dois clubes possuem títulos continentais em seu passado, com os escoceses faturando a Recopa Europeia em 1972 e os alemães com a Copa da Uefa de 1980 no currículo. Além disso, na Champions, ambos possuem uma história cruzada bastante relevante. O único confronto dos times por competições europeias aconteceu em 1960. Foi uma semifinal de Copa dos Campeões, naquela campanha que permanece ainda hoje como a melhor de ambos os clubes no torneio. Todavia, as lembranças para o Frankfurt são bem mais doces. As Águias marcaram seis gols nos dois jogos, com um placar de 12 a 4 no agregado. Depois, perderiam a decisão em Glasgow, no lendário 7 a 3 para o Real Madrid.

O Eintracht Frankfurt era um clube tradicional e popular na Alemanha desde a primeira metade do Século XX, mas não figurava exatamente como uma potência nacional. Teve suas conquistas regionais na virada dos anos 1920 para os 1930, mas não passava de um vice-campeonato nacional em 1932. Durante a década de 1950, as Águias voltaram a se fortalecer. E o primeiro título no Campeonato Alemão-Ocidental (ainda hoje o único) foi justamente o de 1959, em decisão vencida contra o Kickers Offenbach. Pela primeira vez, a agremiação disputaria as competições europeias em 1959/60. Disputaria a Copa dos Campeões.


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O Rangers, por sua vez, tinha uma reputação bem maior na Europa durante a década de 1950. Os Teddy Bears já colecionavam títulos no Campeonato Escocês desde 1891, com 31 taças erguidas na liga nacional até 1959. Por mais que os anos 1950 marquem um período forte da dupla de Edimburgo, Hearts e Hibernian, os Gers ainda eram o principal concorrente pelos troféus – em períodos de maior seca ao Celtic. Assim, a Champions de 1959/60 não era exatamente uma novidade em Ibrox. O Rangers tinha disputado duas edições do torneio e em ambas caiu nas oitavas de final, mas contra adversários fortes – diante do Nice em 1956/57 e para o Milan em 1957/58.

Naquela época, o Rangers era dirigido por Scot Symon, antigo jogador do clube que assumiu o comando técnico em 1954. Àquela altura, o treinador já somava três títulos no Campeonato Escocês e mantinha sua reputação num clube que historicamente manteve longas relações com seus técnicos. Já dentro de campo, os Teddy Bears contavam com alguns ídolos históricos, como o lateral Eric Caldow e o meia Ian McMillan, membros do Hall da Fama do futebol escocês. O ataque também reunia nomes frequentes da seleção, como Davie Wilson, Jimmy Millar e Alex Scott. O elenco ainda possuía Ian McColl, uma das grandes lideranças do clube no pós-guerra e futuro treinador da seleção, mas já em fim de carreira.

O Eintracht Frankfurt, por sua vez, estava sob as ordens de Paul Osswald, um dos maiores treinadores da história do clube. O comandante havia dirigido as Águias em períodos vitoriosos entre 1928 e 1938, antes de retornar para a casamata em 1958 e liderar outro salto de desempenho. Em campo, as Águias não costumavam ceder muitos destaques à seleção, mas tinham bons nomes. A defesa era liderada pelo capitão Hans Weilbächer, importante também por iniciar a construção. Alfred Pfaff vestia a camisa 10 e tinha sido reserva na conquista da Copa de 1954, com um estilo mais clássico. Mais à frente, enquanto Erich Meier e Richard Kress davam força para as pontas, com muitos gols garantidos, o centroavante Erwin Stein garantia mobilidade.

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O Eintracht Frankfurt chegava à semifinal ainda invicto. A equipe passou pelo KuPS na fase inicial, com um W.O. dos finlandeses. Depois, goleou o Young Boys por 4 a 1 na Suíça, antes de segurar o 1 a 1 na Alemanha e avançar nas oitavas. Já nas quartas, o triunfo por 2 a 1 na ida em casa abriu o caminho para superar o Wiener com o empate por 1 a 1 na Áustria. O Rangers iniciou sua campanha atropelando o Anderlecht, com vitória por 5 a 2 na Escócia e por 2 a 0 na Bélgica. Depois passou mais aperto contra os tchecoslovacos do Cervena Hviezda Bratislava, com os 4 a 3 arrancados no fim em Ibrox e o empate por 1 a 1 na atual Eslováquia. Já nas quartas, os Teddy Bears venceram o Sparta Roterdã por 3 a 2 na Holanda e perderam por 1 a 0 em Glasgow. Foi necessário um jogo extra, em Londres, para que o novo triunfo por 3 a 2 classificasse os escoceses.

O Eintracht Frankfurt era apontado como favorito pela imprensa alemã antes da partida de ida, mesmo que seu elenco não fosse totalmente profissional como o do Rangers. Grande parte dos jogadores alemães trabalhava em meio período e conciliava seus empregos com os treinos. Do outro lado, os Gers eram elogiados por seu futebol veloz e ao mesmo tempo técnico, mas tinham desfalques importantes na viagem à Alemanha Ocidental – como o atacante Ralph Brand, que depois faria parte do Hall da Fama do clube. Porém, ainda que a torcida local aguardasse uma vitória das Águias dentro do Waldstadion, o placar se tornou inacreditável. O time de Paul Osswald emplacou logo de cara uma goleada por 6 a 1, que praticamente encaminhou a classificação rumo à decisão.

Diante do clima caloroso no Waldstadion, o Eintracht Frankfurt pressionou no início e desperdiçou um pênalti logo aos oito minutos, quando Richard Kress bateu para fora. O primeiro gol saiu aos 29, com Dieter Stinka enchendo o pé no alto da rede. Contudo, a festa dos alemães não durou mais do que dois minutos, quando o Rangers buscou o empate num pênalti convertido por Eric Caldow. Ainda era um duelo equilibrado, sem dar muitas pistas sobre o massacre que viraria o segundo tempo.

O Rangers poderia ter virado na volta do intervalo, mas parou na trave. A partir de então, o Eintracht Frankfurt iniciou seu show e apresentou um futebol de muita aceleração. Aos seis minutos, Alfred Pfaff anotou o segundo gol num rebote do goleiro George Niven. Quatro minutos depois, o terceiro viria numa cobrança de falta de Pfaff que entrou no cantinho. Com a vantagem no placar, as Águias puderam atuar de maneira ainda mais solta. E não se cansaram de balançar as redes.

Dieter Lindner também se tornou um personagem importante na goleada do Eintracht Frankfurt. O atacante assinalou o quarto gol, aos 29, de cabeça. Também se tornou responsável pelo quinto, aos 39, numa linda infiltração. Por fim, a pá de cal seria dada por Erwin Stein, aos 41. O centroavante aproveitou um vacilo da zaga para arrancar sozinho. Driblou o goleiro George Niven e teve muita calma na hora de finalizar para as redes vazias. Tinha sido um banho de futebol dos alemães, que não se justificava apenas pelos desfalques do Rangers. O jornal The Glasgow Herald justificava que, durante o segundo tempo, o Eintracht foi “mais rápido, mais habilidoso e obviamente cresceu em confiança”.

A virada em Glasgow era considerada uma tarefa “praticamente impossível” pela imprensa escocesa. Apesar disso, o Estádio Ibrox recebeu bom público, com 68 mil espectadores acreditando num milagre do Rangers. Entretanto, acabaram assistindo a outra goleada acachapante que sacramentou os méritos do bom time do Eintracht Frankfurt. De novo a linha ofensiva dos alemães estava inspirada e garantiu a goleada por 6 a 3.

“Não acho que os escoceses nos levaram muito a sério no primeiro jogo. Depois, o Ibrox estava abarrotado. Dizem que 70 mil torcedores estavam no estádio, foi um espetáculo infernal. Sabíamos que nosso treinador estava certo. Devíamos jogar leves, felizes, livres – e não esperar para ver”, analisaria o goleiro Egon Loy, titular do Frankfurt naquelas partidas, em entrevista recente ao jornal FAZ.

O Rangers saiu desesperado ao ataque durante os primeiros minutos e pagou caro por isso. Sua linha ofensiva cometia muitos erros e, do meio para trás, a falta de segurança deixou a equipe exposta. O Eintracht Frankfurt aproveitou para abrir o placar logo aos oito minutos, num contragolpe puxado por Dieter Lindner, que avançou por metade do campo com a bola dominada e finalizou de fora da área. Os Gers ainda conseguiram o empate, com Ian McMillan, e quase viraram num tiro de Jimmy Millar por cima. Todavia, o Frankfurt já retomou a vantagem aos 20, num tiro de fora de Pfaff que desviou na marcação. Já o terceiro foi cortesia de Richard Kress, no rebote de uma grande defesa do goleiro George Niven. O arqueiro escocês, aliás, evitava um saldo pior e realizou quatro boas intervenções até o intervalo.

Quando o segundo tempo começou, McMillan voltou a descontar para o Rangers. Todavia, o Eintracht Frankfurt não tirava o pé e contou com a participação do ponta Erich Meier, que assinalou mais dois gols em sequência, chegando aos cinco no placar. De calcanhar, Davie Wilson voltou a reduzir o estrago para os Gers aos 29. Mas nada que esfriasse as Águias, que selaram o baile com o sexto gol aos 40, num belo chute de Alfred Pfaff. A torcida escocesa reconheceria o talento dos alemães e aplaudiria os vencedores. Em retribuição, os atletas também aplaudiram o público. “A equipe varreu o clube mais orgulhoso da Escócia, o Glasgow Rangers, para fora da final da Copa Europeia. Os escoceses mais velhos não se lembrarão de outra ovação semelhante para um time estrangeiro na cidade do Rio Clyde”, escreveu o jornal Frankfurter Rundschau.

Já o Glasgow Herald não poupava nas críticas: “Não houve milagre em Ibrox, nem história da maior virada do Rangers, apenas uma clara confirmação que o time da casa não está na mesma classe que o Eintracht de Frankfurt. Como atletas, como artesãos do futebol, como táticos, os alemães foram imensuravelmente superiores e provaram isso ao marcarem de novo seis gols, apesar de algumas chances perdidas e algumas grandes defesas de Niven. O Rangers, com cinco gols de desvantagem no primeiro jogo, entrou para marcar rápido. Eles deixaram seu próprio gol exposto, perderam-se num contra-ataque e o plano desesperado de vitória foi explodido. Tudo o que restou para eles foi a humilhação de serem envolvidos, de tomarem uma quantidade de gols sem precedentes – mas isso foi revelador, também”.

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“O Eintracht é um time de qualidade. A linha de meio-campo foi dura e construtiva. Pfaff, na meia esquerda, foi o tipo de armador e trabalhador que o Rangers precisa. O veloz Meier foi um finalizador mortal e Kress foi tão habilidoso que as arquibancadas de Ibrox depois o aplaudiram sonoramente e com frequência – um privilégio que não é usualmente dedicado aos visitantes. Eles darão ao Real Madrid um bom jogo na final”, complementava o jornal escocês.

De fato, o Eintracht Frankfurt ofereceu um grande jogo na decisão da Champions. Basicamente, um dos melhores da história. Os alemães voltaram a Glasgow para encarar o Real Madrid e os 127 mil presentes nas arquibancadas respeitavam a equipe de Paul Osswald – tanto é que muitos dos torcedores locais optaram por apoiar os germânicos. A vitória dos merengues por 7 a 3, porém, não deve depreciar os derrotados. O Frankfurt teve bons momentos e, por incrível que pareça, conseguiu ser superior aos espanhóis em certos intervalos. O problema era superar a noite inspiradíssima de um Real que já era tetracampeão europeu e tinha um elenco claramente superior. Alfredo Di Stéfano e Ferenc Puskás lideraram o esquadrão numa noite que repercute ainda hoje no futebol europeu. Uma pena que aquele Frankfurt não tenha rendido outros frutos, já que alguns de seus protagonistas passavam dos 34 anos – entre eles Pfaff e Kress.

Já o Rangers se recuperou com um período de domínio no Campeonato Escocês, em equipe considerada entre as melhores da história do clube. A resposta dos Teddy Bears às goleadas foi contratar Jim Baxter, uma de suas maiores lendas, ainda em 1960. Com o craque, os Gers faturaram mais três títulos da liga até 1964. Também chegaram à decisão da Recopa Europeia em 1961. Nas quartas de final, aliás, os escoceses se reencontraram com um clube alemão, o Borussia Mönchengladbach. Anotaram 3 a 0 em Düsseldorf, antes de impiedosos 8 a 0 em Ibrox. A equipe de Scot Symon ainda deixou pelo caminho times de Ferencváros e Wolverhampton, mas caiu diante da Fiorentina na decisão.

Apesar do placar acachapante na semifinal da Champions, Eintracht Frankfurt e Rangers sustentaram uma relação cordial nos anos 1960. Em 1961, a inauguração de um novo sistema de iluminação em Hampden Park contou com um amistoso entre Teddy Bears e Águias. Os escoceses dominaram o duelo, mas perderam de novo para os alemães por 3 a 2. Já em 1967, o Frankfurt visitou os Gers num amistoso de pré-temporada em Ibrox e finalmente os azuis ganharam. O triunfo por 5 a 3 contou com três gols de ninguém menos que Alex Ferguson – torcedor do Rangers que se viu inspirado por aquelas noites de Champions em 1960.

Mais de 60 anos depois, a história daqueles 12 a 4 no agregado permanece viva no imaginário de Frankfurt e Rangers. As chances de uma revanche ou então de uma nova goleada surpreendente não são descartadas na Liga Europa. Agora, o reencontro dos dois tradicionais clubes vale taça.

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