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·08 de outubro de 2024

Por que os técnicos italianos são tão cobiçados? A resposta está em uma escola

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Antonio Conte, Arrigo Sacchi, Carlo Ancelotti e Marcello Lippi. O que estes personagens italianos do futebol têm em comum? O questionamento pode ser respondido de forma rápida e óbvia, afinal, não é preciso refletir muito para dizer que são todos técnicos e vencedores.

Contudo, por trás da profissão e do sucesso que os une, há o papel de uma das principais instituições do planeta quando o assunto é formar treinadores do mais alto patamar: a Escola de Coverciano – ou, mais exatamente, o Centro Técnico Federal Luigi Ridolfi, localizado no bairro de Coverciano.


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Com sede na cidade de Florença, a Escola de Coverciano foi fundada em 1958. Ao longo de seus mais de 65 anos de história, a academia formou inúmeros técnicos de sucesso graças a uma metodologia que une a tradição futebolística e os contextos que marcaram a sua evolução era após era, com os aspectos que conduzem a dinâmica atual – e do futuro – do esporte.

O que torna Coverciano tão especial?

Além de um trabalho rigoroso para desenvolver a compreensão dos alunos em relação a fundamentos táticos, o curso também aborda o aspecto físico dos atletas, o gerenciamento de grupos e, não menos importante, a psicologia esportiva, uma vez que a saúde mental é um tema cada vez mais discorrido tanto no esporte quanto na sociedade em geral. A formação é reconhecida por preparar os treinadores para trabalharem dentro e fora da Itália, e em sua cultura termos como “na minha época” são proibidos.

Não é à toa que, nos últimos anos, tornou-se habitual técnicos italianos formados na instituição protagonizarem grandes momentos mesmo fora da Velha Bota. Só para citar alguns exemplos, basta ver o trabalho impecável de Ancelotti no Real Madrid, a história construída por Roberto Mancini no Manchester City, os títulos de Conte no comando do Chelsea e, é claro, a hercúlea conquista de Claudio Ranieri pelo Leicester.

Vale destacar também que a escola, ao contrário de outras academias de formação de treinadores espalhadas pelo continente europeu, exige que os alunos construam uma tese antes de conquistarem o diploma – todas elas, inclusive, ficam disponíveis para acesso público no repositório da instituição. Nos trabalhos, estão presentes os mais variados temas, como o desenvolvimento de jovens atletas, análise de desempenho e, mais recentemente, o uso da tecnologia nos gramados.

Mancini e Ancelotti, por exemplo, trabalharam com temas semelhantes em suas teses, destacando o papel dos meias na modernização dos conceitos táticos do futebol. Já Lippi, campeão mundial pela Squadra Azzurra em 2006, se concentrou nos fundamentos que formam uma equipe coesa e vencedora, analisando não só fatores técnicos e táticos, mas também o componente psicológico.

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Ao longo de mais de 65 anos, o Centro Técnico Federal de Coverciano formou centenas de treinadores (Getty)

O desenvolvimento de uma nova geração

Para ir um pouco mais a fundo no conceito das teses, separamos para análise os conteúdos produzidos por dois dos treinadores mais promissores da nova geração italiana: Thiago Motta, atualmente na Juventus, e Vincenzo Italiano, comandante do Bologna. Ambos apresentaram as suas teses e se formaram na Escola de Coverciano em 2020.

Thiago Motta: Il valore del pallone – Lo strumento del mestiere nel cuore del gioco (O valor da bola – A ferramenta do ofício no coração do jogo)

Quem acompanha mais de perto a Serie A e gosta de entender mais sobre os conceitos táticos do jogo, provavelmente já ouviu falar sobre o incomum 2-7-2 que o ítalo-brasileiro utiliza como base na formação de suas equipes. E para entendê-lo um pouco melhor, sua tese em Coverciano é um bom ponto de partida.

Para o ex-meia da seleção italiana, a bola é o elemento central do jogo. No material, o treinador aprofunda como a interação dos jogadores com ela é o fio condutor para que estilos táticos e técnicos possam ser impostos com efetividade dentro de uma partida.

Até aqui, parece meio óbvio dizer que a pelota tem um papel de protagonismo – afinal, sem ela não há futebol. Mas Motta vai muito além em sua abordagem. Para ele, uma posse de bola inteligente é, antes de qualquer outro aspecto, o maior diferencial competitivo de grandes equipes. Thiago destaca que times que desenvolvem um trabalho em torno da posse são mais capazes de gerenciar o ritmo do jogo e desorganizar a formação adversária.

Além disso, o ex-atleta defende a movimentação constante como potencializador do uso estratégico dos espaços. Ou seja, se o time tem a bola nos pés, ele tem a missão de buscar criar superioridade numérica em determinadas áreas do campo. Como fazer isso? Com deslocamentos coordenados e rotatividade posicional. Isso dá mais fluidez ao jogo, com os jogadores se desprendendo de suas funções e ocupando zonas do gramado de acordo com os diferentes contextos da partida.

Com essa base de suas convicções em mente, chegamos ao 2-7-2. Para Thiago Motta, a adoção desse esquema, que visa preencher o máximo de espaços no meio-campo, cria uma sensação de constante pressão no adversário, com foco no controle absoluto da manutenção da bola.

Por fim, o treinador não deixa de lado o aspecto mental. Na tese, ele pontua que a aplicação de seu sistema de jogo só pode ser colocada em prática se antes os jogadores tiverem desenvolvido o seu controle emocional e a capacidade de tomar decisões rápidas.

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Motta e Italiano foram colegas na turma de 2020 (Getty)

Vincenzo Italiano: Passaggio calciatore-allenatore: cosa ricordare e cosa mettere nel cassetto (A transição de jogador para treinador: o que lembrar e o que deixar de lado)

Entender as ideias de um treinador de futebol vai muito além de somente compreender suas percepções táticas. Em sua tese, Italiano salienta o quanto o seu passado como jogador trouxe importantes lições do que pode ser aplicado ou do que precisa ser reinterpretado em seu papel como técnico.

Ao destacar o que deve fazer parte dessa jornada de transição na carreira, estão fatores como a empatia, a capacidade de motivar e a compreensão da dinâmica do vestiário. Emoções mais impulsivas, por sua vez, são aspectos comuns a muitos jogadores, mas que, para ele, não podem fazer parte da rotina profissional de um técnico.

O ex-meia, que nasceu na Alemanha, mas nunca jogou ou treinou fora do território italiano, enfatiza em sua tese a importância de haver “transformações psicológicas” para que um ex-jogador possa se tornar um treinador de qualidade. As mudanças consistem, principalmente, na capacidade de desenvolver um novo tipo de mentalidade, para que o profissional deixe de ser alguém que está acostumado a acatar ordens e se torne um tomador de decisões estratégicas capaz de lidar com os mais diversos contextos, inclusive os de maior pressão.

Ao escrever a tese, Italiano reflete sobre a sua própria evolução. Seu maior foco está na autoanálise e no “desapego do instinto de jogador”. O futebol moderno, para ele, consiste no desenvolvimento contínuo das habilidades técnicas, táticas e comportamentais do jogo, com ênfase na capacidade do técnico liderar uma pluralidade de perfis e conseguir levar todos a um objetivo comum.

Versatilidade de estilos

Apesar de a tese do treinador do Bologna não focar na parte tática do futebol, algumas de suas ideias em campo são semelhantes às de Thiago Motta – como a valorização da posse de bola e a intensidade sem a posse. A interface entre os pensamentos foi uma das razões para o ex-treinador da Fiorentina ter sido o escolhido para substituir exatamente o ítalo-brasileiro. Todavia, outro destaque da Escola de Coverciano é a sua versatilidade. Os mais diferentes estilos são privilegiados.

No campo dos técnicos mais pragmáticos e até mesmo resultadistas, Fabio Capello e Lippi são dois cases de absoluto sucesso. Com posturas mais cautelosas, formaram times seguros e vencedores. Já na ala dos treinadores esteticamente mais arrojados em seu trabalho futebolístico, Sacchi e Maurizio Sarri puxam a fila de alguns dos melhores exemplos. Sacchi, inclusive, é considerado um revolucionário do futebol, graças ao seu sistema de pressão alta e jogo posicional.

Seja na priorização dos resultados ou com fogo na beleza do jogo, Coverciano tem em suas paredes um legado histórico, campeão e que pode ser a chave para o futebol italiano voltar a ser protagonista.

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