Perspectivas de gestão a frente de um clube: os modelos de Manchester City e Liverpool | OneFootball

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Trivela

·26 de maio de 2022

Perspectivas de gestão a frente de um clube: os modelos de Manchester City e Liverpool

Imagem do artigo:Perspectivas de gestão a frente de um clube: os modelos de Manchester City e Liverpool

*Por João Ricardo Pisani

Desde que assumiu o comando do Liverpool em 2010, o Fenway Sports Group (FSG) conseguiu recolocar nas mãos do clube vermelho a tão cobiçada coroa de campeão inglês. Os títulos da Champions League e da Premier League entre 2019 e 2020 são troféus importantes e que carregam a assinatura do FSG. Pelo menos em cifras, a Premier League inglesa se consolidou como o maior e mais rico campeonato do globo e vem monopolizando as atenções dentro da indústria do futebol.


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Enquanto a Champions League é algo mais imprevisível, a Premier League tem se mostrado restrita a um grupo seleto de clubes, diminuindo cada vez mais a margem para erros de gestão, entre eles equívocos de contrações, montagem de elenco e escolha/manutenção de um treinador. Compilar todas essas responsabilidades e conciliá-las com novas frentes, como investimento em inovação, novos modelos de negócios ou montagem de elenco, pode se transformar em impasse de difícil solução para quem administra um superclube no topo do futebol inglês e mundial.

Até agora o foco do FSG parecer estar voltado a tirar o melhor do Liverpool dentro do cenário inglês e europeu do modo tradicional. Sem propostas arrojadas, e mesmo sendo alvo constante de especulações, o fundo de investimentos americano não se mostrou entusiasmado em trilhar caminhos como o da estratégia multi-clube em voga com o City Football Group (CFG) e com a Red Bull no futebol atual.

Apesar de modelos distintos, tanto a empresa de energéticos quanto o CFG se colocam na vanguarda de algo que já rende frutos para suas principais equipes. A empresa de energéticos monopoliza o campeonato austríaco, na Alemanha tem deixado concorrentes da Bundesliga para trás, e nos últimos anos já faturou mais de € 100 milhões vendendo jogadores apenas para o Liverpool. Em paralelo, o City conquistou o campeonato local seis vezes desde a compra pelo Abu Dhabi United Group em 2008, num movimento que também deu o pontapé no modelo de multi-propriedade de clubes e espalhou sementes do CFG ao redor do globo.

Por hora esse tipo de estrutura no futebol parece não interessar ao pessoal de Boston. Atualmente o FSG se limita a explorar apenas a experiência acumulada durante a gestão de um dos maiores times de beisebol dos Estados Unidos, o Boston Red Sox, e outras frentes acessórias em solo americano. Enquanto brotam notícias do Manchester City como o novo “irmão mais velho” de algum clube em algum novo mercado estratégico, a equipe do Liverpool se mostra dedicada única e exclusivamente a se manter de forma sólida como um dos clubes favoritos a levantar a taça cada vez que um campeonato começa.

Se antes já parecia limitador para um gigante como o Liverpool uma fila de 20 anos sem sentir o gosto de uma beijar uma taça com “Premier League” gravado no metal, agora parece limitador para um clube global (e para um dos mais valiosos conglomerados esportivos do mundo, como é o FSG) se contentar em ser apenas um dos favoritos nas casas de apostas a cada torneio que se inicia.

Outubro de 2010 se torna uma data cada vez mais distante para os gestores do clube vermelho. No momento da chegada do FSG ao comando do clube o objetivo era trazer de volta as conquistas para Anfield por meio de uma gestão que melhorasse a tomada de decisões e que não terminasse em grandes solavancos financeiros a cada final de temporada sem título. Agora o objetivo precisa ir além de pinçar bons talentos para a temporada seguinte.

Afinal, é no extracampo que os prognósticos mais impactantes parecem criar o verdadeiro ponto de inflexão entre os dois clubes. A pandemia que vivenciamos nos últimos anos teve um impacto considerável no futebol e nas finanças do esporte como um todo.

Outro fator importante a se levar em conta é que ainda não parece fácil mensurar o impacto que um movimento como o Brexit terá na Premier League. Diversas análises apontam que a saída dos britânicos da União Europeia deve provocar uma mudança tão revolucionária no fluxo de jogadores pelo continente (e pelo mundo) quanto a Lei Bosman em 1995.

E é nessa hora que os planos do City Football Group parecem ser pensados não apenas como mera inovação, mas como algo que será tão essencial para o jogo em alto nível quanto uma rede de scouts ou a robustez financeira são para o futebol de hoje. Ao costurar essa trama de clubes satélite espalhados pelo mundo, em tradicionais centros formadores ou lugares com potencial de mercado latente, em uma direção que por hora parece ter em Manchester ponto focal, o CFG constrói uma verdadeira multinacional da bola e consolida o City como principal rival a ser batido na Inglaterra dentro e fora dos campos.

Esse cenário de incertezas criou o quadro ideal para que fundos de investimento e organizações como o CFG saíssem atrás de barganhas no mercado. O belga Lommel em maio, e o francês Troyes em setembro de 2020 são bons exemplos. O mercado aquecido de compra e venda de clubes reforçou a tática de fincar a bandeira do City Football Group em gramados considerados férteis e se preparar para os impactos do Brexit e compensar todas as facilidades que o bloco europeu proporcionava para os clubes ingleses.

O modelo de multi-propriedade de clubes pode até soar como algo revolucionário dentro do universo do futebol, mas essa receita não é tão inédita assim. Antes mesmo do ENIC investir em clubes de futebol espalhados pela Europa, ou da família Pozzo mostrar como gerir de forma centralizada clubes em diferentes países, o beisebol nos EUA já havia organizado seu negócio sobre bases semelhantes.

O ecossistema montado abaixo da principal liga de baseball do país, a Major League Baseball (MLB), e conhecido como ligas menores se mostrou o acessório ideal para encontrar, moldar e promover o trânsito de jogadores entre suas “divisões” e levar as equipes para mercados distantes da franquia principal.

As aspas aparecem porque apesar de cada andar da pirâmide estar intrinsecamente ligado à qualidade do beisebol jogado ali, as franquias estão travadas naquele patamar a cada nova temporada e funcionam tanto para lapidar novos talentos, quanto para recuperar jogadores que não estão sendo aproveitados momentaneamente pela equipe principal. Também chamado de “farm system” o modelo não é nenhuma novidade para o FSG, mas por hora parece não ter força para cruzar o Atlântico e inspirar algo diferente em Liverpool.

Atualmente, especulações colocam o Bahia como mais um clube na constelação azul do CFG, ao passo que a principal notícia envolvendo movimentações do FSG são a compra de uma equipe de basquete na NBA. Ou se resumem à transferência de jogadores como o brasileiro Antony do Ajax ou outra joia de Salzburg para o Liverpool. Jogadores pinçados e lapidados em clubes que se consolidaram como centros formadores de talento na Europa e que reforçam a necessidade de um modelo com margens melhores e com mais capilaridade na busca por talento.

Não tem jeito: sendo o Liverpool uma das equipes no topo da atual cadeia alimentar do futebol, parece cada vez mais improvável para o clube conseguir vender jogadores por valores como o de Coutinho sem reforçar rivais diretos pela Premier League. Ou passar pelo incômodo de ver peças importantes como Wijnaldum saírem para superclubes rivais gerando nenhum caixa para os cofres do clube.

Dessa forma, ser uma holding poliesportiva orientada para o crescimento como o FSG pode garantir que o Liverpool não trilhe o mesmo caminho insustentável que arruinou um gigante como o Barcelona na Espanha, mas vai reduzir drasticamente a margem para erros e deslizes que o fundo americano terá pela frente se não investir em algo novo no seu horizonte.

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