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·26 de novembro de 2020

Outros craques virão, mas Maradona deixa um vazio de delírio

O mais humano dos gênios do futebol, o único jogador da primeira prateleira a não se distanciar da arquibancada, Diego Armando Maradona, feito de carne e osso como nenhum outro daqueles que parecem poder tocar o céu, ficou encantado logo em tempos de distanciamento social.

O camisa 10 que tantas bocas beijou deu para se despedir no ano das máscaras. O homem das multidões, a própria comoção em forma de gente, tem seu último brilho em dias de portões fechados.


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Logo ele, o maior símbolo do que o futebol pode representar na vida das pessoas, o cara que jogou como torcemos, que levou essa relação às últimas consequências. Se o futebol pudesse voltar no tempo por 90 minutos, difícil imaginar maior intensidade e paixão que uma jornada de Maradona em Nápoles ou Buenos Aires, hoje.

Porque outros grandes jogadores vieram, outros grandes jogadores virão, mas o futebol amanhece com um lugar vago. Sem Maradona, ninguém suporta nem promove tamanha loucura. Perto dele, os demais parecem meros chutadores de bolas, gente ordinária que alegra ou irrita campos aqui e ali, muito pouco perto da devoção religiosa que os seguidores de Diego fazem questão de manifestar desde que aquela perna esquerda começou a rabiscar o mundo.

O campo de futebol vai sempre render debate, claro. A carreira de Maradona é cheia de pedras no caminho, tal qual a vida, muito mais irregular que dos craques de hoje. Diego nunca jogou uma partida de Libertadores, também mal foi a campo pela Copa dos Campeões. Tem uma série de hiatos de bom futebol, foi bastante questionado, e encontrou seu lugar no mundo num improvável Napoli com contextos social e político ímpares. Se não está nos intermináveis rankings da UEFA que surgem a cada semana de Champions League, venceu o Norte da Itália no maior campeonato possível em seu tempo, vindo duplamente do Sul.

Fez chover na Copa do Mundo, palco ainda gigantesco, mas hoje menos influente quando se trata de Messi e Cristiano Ronaldo, os dois maiores desta era. Seu mais icônico gol, feito com a mão, se já era mal visto pelo livro de regras, envelheceu mal diante da tecnologia - até uma criança operando o VAR anularia o toque para as redes contra a Inglaterra. Um gesto completamente maradoniano, controverso, mas genial e autêntico, obra de um artista único.

Agora, se tudo isso pode ser comparado, visto e revisto nos registros de vídeo, e Maradona inclusive deixa uma vasta filmografia à eternidade, restarão apenas tentativas de se reproduzir o que é subjetivo: o delírio. Não houve alguém que despertasse um vínculo tão passional entre camisa 10 e público, ídolo e lugar. Ele é o superlativo em pessoa, o jogador de bola que virou religião, o cara que se fez naturalmente o maior da história em termos de influência e idolatria a partir de um jogo. Coisas impossíveis de medir. A Fifa ainda não tem métrica para número de tatuagens.

É bonito que o futebol, e Maradona foi uma prova viva disso, tenha essa capacidade de criar referências e craques tão diversos. Enquanto houver o esporte, haverá um habilidoso rapaz conduzindo a bola com a perna esquerda, outro marcando gols improváveis, um terceiro levando um time nas costas. Duvido que tão populares e reverberando esse nível de proximidade com os anônimos mortais apaixonados. A gente, no caso.

E olha que, jogando bola, eles até aparecem. Gênios como Zidane, Ronaldo e Ronaldinho nascem e pingam por aí. Mas a cadeira de Diego está vaga. Ele evocou o delírio, se viu personagem incomparável e, quando nos demos conta de sua falta, deixou o futebol mais normal. Nesse ponto não há substituto para jogar no fim de semana. Lembraremos de Maradona.