Trivela
·20 de setembro de 2020
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Zagueiro que aliava técnica e raça como poucos, o brasileiro Mozer – que completou 60 anos neste sábado – pode dizer que tem lugar de destaque na história de três clubes gigantescos do futebol mundial: o Flamengo, no qual se profissionalizou e se projetou, conquistando todos os títulos possíveis; o Benfica, por onde teve duas passagens e integrou uma defesa que marcou época; e o Olympique de Marselha, em que viveu parte do período mais bem-sucedido da história da agremiação, ganhando a idolatria e o reconhecimento perene dos franceses.
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Em sua edição especial “Quem é quem no futebol”, publicada em setembro de 1991, a revista Placar descreve Mozer em sua ficha como “quarto-zagueiro, técnico, forte nas disputas corpo a corpo, impulsão fantástica, recuperação rápida”. Seu estilo parecia uma síntese de outros gigantes da posição no Flamengo, clube que o revelou: conciliava a raça de Rondinelli, a técnica ousada que lembrava Domingos da Guia e a excelência na saída de jogo à imagem do paraguaio Reyes. Acrescentando ainda a imposição física e a soberania no jogo aéreo.
Nascido num conjunto residencial de Bangu, Zona Oeste carioca, José Carlos Nepomuceno Mozer começou no futebol de salão (hoje futsal) atuando pelo Cassino Bangu e depois pelo Pavunense. Já nos gramados, o início veio no dente-de-leite do Campo Grande, chegando mais tarde à escolinha do Botafogo, então comandada por Neca, famoso revelador de talentos do futebol carioca da época. Mas sua carreira quase terminou por aí. Embora muito habilidoso, o garoto de 14 anos que jogava de meia-esquerda tinha problemas: era baixinho e mirrado.
Antevendo sua provável dispensa ao fim do ano, pediu a seu pai que o levasse numa peneira do Flamengo na Ilha do Governador. Aprovado, foi então submetido ao mesmo tratamento de Zico para ganhar corpo e acelerar seu crescimento. Quando chegou ao clube, media 1,53 m. Aos 19, já media 1,86 m. O rápido crescimento, por outro lado, diminuiu sua velocidade, levando-o a mudar de posição: de meia, passou a centroavante, volante e, por fim, quarto-zagueiro, por orientação do paraguaio Modesto Bria, técnico da base rubro-negra.
Campeão carioca juvenil pelo clube em 1979 e bicampeão brasileiro da categoria pela seleção carioca, Mozer já era apontado dentro e fora do clube como grande promessa, antes mesmo de ser promovido ao elenco principal. O lateral-esquerdo Júnior chegou a comentar na época que ele e seus companheiros pediam para chegar mais cedo ao Maracanã para poder assistir, do túnel, ao garoto jogar pela equipe de juvenis. “Ele sabe tudo de bola”, dizia o Capacete. Não demorou muito até ser chamado pela Seleção Brasileira de novos.
Em maio de 1980, a equipe canarinho dirigida pelo experiente técnico Nelsinho Rosa Martins (ex-jogador rubro-negro), viajaria para a França, onde participaria do Torneio de Toulon, tradicional competição entre seleções de base. Na primeira fase, o Brasil goleou a China (8 a 0), empatou com a Tchecoslováquia (1 a 1) e derrotou a Holanda (2 a 0). Na final, uma vitória sobre a dona da casa França na prorrogação (2 a 1) deu ao Brasil seu primeiro título no torneio. Elogiado por sua regularidade, Mozer foi apontado como o destaque do campeonato.
Quando retornou, o Flamengo tinha acabado de se sagrar campeão brasileiro. Mas haveria uma oportunidade aguardando por ele na Taça Guanabara, que naquele ano voltaria a ser disputada como um torneio à parte do Estadual, como em seus primeiros anos. A estreia de Mozer no time principal viria nesta competição, no Fla-Flu de 13 de julho, vencido pelos rubro-negros por 2 a 0. Titular ao lado de Rondinelli, o novato começou um tanto nervoso, recorrendo a entradas duras. Mas logo se acalmou e fez partida de destaque por sua segurança.
O zagueiro de 19 anos seguiu como titular até o fim do torneio, ajudando o Flamengo a levantar o tricampeonato. Entre um jogo e outro, voltou ao time de juniores para conquistar o bi estadual da categoria. E em seguida, embarcou com o elenco principal para uma excursão europeia, atuando em alguns jogos e adquirindo valiosa experiência. Entretanto, no retorno ao Rio para a disputa do Estadual, percebeu seu espaço se reduzir quando o clube anunciou a contratação do ex-palmeirense Luís Pereira, vindo do Atlético de Madrid.
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Agora em quarto lugar na fila dos zagueiros (atrás do novo reforço, de Rondinelli e de Marinho), Mozer precisaria ter paciência e aguardar sua vez. Pouco utilizado no Carioca de 1980 (a última competição do Flamengo sob o comando de Cláudio Coutinho) e também no Brasileiro de 1981 (quando Modesto Bria, seu ex-técnico da base, assumiu o time profissional), ele só ganhou uma sequência de jogos ao ser novamente convocado para a Seleção de novos que retornaria a Toulon em junho daquele ano. E de lá voltaria com mais um caneco.
O título na França – no qual o Brasil passou sem sofrer gols diante de Itália (2 a 0), Portugal (2 a 0), União Soviética (1 a 0) e Tchecoslováquia (2 a 0) – rendeu novo destaque a Mozer, que agora se depararia com um cenário mais favorável na Gávea: Luís Pereira, que nunca se adaptara ao clube, foi negociado com o Palmeiras em 28 de abril, logo após o Brasileiro. E no fim de junho, durante a Taça Guanabara (agora de novo um turno do Estadual), uma lesão de Rondinelli abriu espaço para o retorno do jovem zagueiro. E ele não sairia mais do time.
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Jogando ao lado de Marinho, ou de Rondinelli, ou de Figueiredo – seu antigo companheiro de zaga no juvenil – ou mesmo de Leandro (que chegou a ser escalado no centro da defesa), Mozer só ficou de fora de três dos 43 jogos que o Flamengo faria de sua efetivação até o fim do ano – mesmo assim por ter sido poupado em meio à intensa rotina de jogos que em muitos momentos fazia a equipe entrar em campo até quatro vezes por semana, pelo longo Estadual em três turnos e pela Taça Libertadores da América, disputada em paralelo.
Mas a história quase foi diferente: em 19 de julho, o Flamengo enfrentava o Serrano no Maracanã e vencia por 1 a 0, quando houve uma cobrança de falta para o adversário, com a bola levantada para a área. Na barreira, Mozer tentou uma jogada de efeito, esticando o tronco para a frente e a perna para trás na tentativa de fazer o corte – o que acabou conseguindo. Só que o novo técnico rubro-negro, Dino Sani, considerou o recurso do zagueiro uma jogada irresponsável e tirou-o de campo ainda no primeiro tempo, além de dar uma bronca no intervalo.
Havia a expectativa sobre se o lance faria Mozer perder seu lugar no time. Mas Dino Sani – que já havia se indisposto com outros jogadores – caiu antes, substituído por Paulo César Carpegiani. Arestas aparadas, o zagueiro se firmou de tal modo que o clube não se importou em abrir mão de Rondinelli, negociando o antigo ídolo com o Corinthians em setembro. Afinal, o Flamengo já estava formando seu novo Deus da Raça, com a mesma garra e liderança (apesar da pouca idade) somadas à vantagem de ter a qualidade técnica de um meio-campista.
E seria com Mozer como titular da zaga que o Flamengo conquistaria no fim daquele ano, num espaço de 21 dias, a Taça Libertadores, o Campeonato Estadual e o Mundial Interclubes. Nas três decisões suas atuações foram bastante seguras, com destaque para a do Carioca, no 2 a 1 sobre o Vasco de Roberto Dinamite na tarde de 6 de dezembro, que recebeu a seguinte avaliação do Jornal do Brasil: “O melhor da defesa. Não falhou uma vez sequer. Ganhou pelo alto, por baixo, deu chutões, mostrou categoria e entrou duro quando necessário”.
Sua titularidade seguiu durante boa parte do Brasileiro de 1982 (também vencido pelo Fla), no qual protagonizou uma virada sensacional sobre o Atlético-MG na segunda fase. Os rubro-negros saíram atrás com gol de Reinaldo aos 14 minutos e tiveram Figueiredo (improvisado na lateral direita) expulso ainda na primeira etapa. Mesmo com um a menos, o time chegou ao empate no segundo tempo, com gol de Adílio após passe de cabeça de Mozer aos 28 minutos, e mais tarde à vitória, na raça, numa cabeçada fulminante do zagueiro a nove minutos do fim.
O campeonato, porém, terminaria para Mozer no jogo de ida das quartas de final contra o Santos, no Maracanã, quando o jogador fraturou uma costela. Seria a primeira lesão de um ano marcado pelos problemas físicos, em especial no joelho direito, restringindo sua participação a apenas três partidas do mês de setembro em diante. Quando esteve em campo, no entanto, foi muito bem: teve ótima atuação tanto no 1 a 0 no Vasco que valeu o penta da Taça Guanabara quanto nos 3 a 0 sobre o River Plate no Monumental de Núñez pela Libertadores.
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Operado para a extração dos meniscos do joelho direito em novembro de 1982, Mozer ficou fora da equipe até abril de 1983. Recuperado, tornou-se peça fundamental na recuperação do time durante o Campeonato Brasileiro com a chegada do técnico Carlos Alberto Torres. Já na estreia do treinador, contra o Corinthians no Maracanã no dia 17 daquele mês, o zagueiro marcou com uma bonita cabeçada o quarto gol do Flamengo na goleada por 5 a 1. E fez também um dos três tentos do time estranhamente anulados pelo árbitro gaúcho Roque José Gallas.
Porém, novamente as lesões deixariam o zagueiro mais uma vez fora da decisão do Brasileiro. No jogo de ida da final contra o Santos no Morumbi, Mozer teve ótima atuação e chegou a participar da jogada que culminou no gol de desconto na derrota por 2 a 1, o que manteve viva a esperança de título do Flamengo. Porém, no último minuto, foi atingido por uma cabeçada (não intencional) de Paulo Isidoro e sofreu afundamento no malar, tendo de ser operado de emergência assim que voltou ao Rio. No Maracanã, Figueiredo entrou em seu lugar.
O Flamengo viveu período turbulento nos primeiros meses após a venda de Zico para a Udinese, em junho de 1983. Mas Mozer passou incólume por ele, a ponto de, no fim de julho, ser chamado pela primeira vez para a Seleção principal, então dirigida por Carlos Alberto Parreira, e continuar como titular por toda a campanha da Copa América daquele ano. Começava ali seu auge técnico atuando no futebol brasileiro. Especialmente no momento em que, além de se consolidar como uma verdadeira barreira na zaga, tornou-se também temível no ataque.
Além de se aproveitar de sua estatura nas jogadas aéreas ofensivas, Mozer também se tornou um ótimo batedor de faltas. E, como Júnior era um lateral-esquerdo que apoiava mais por dentro, fazendo a função de meia-armador, Mozer tinha liberdade para descer ao setor ofensivo como um verdadeiro ala por aquele lado. E por aquele flanco ele andou fazendo jogadas maravilhosas. Como no encarniçado empate em 1 a 1 diante do Paraguai no Defensores del Chaco, pelas semifinais da Copa América, na noite de 13 de outubro de 1983.
Aos 43 minutos do segundo tempo, o Brasil perdia por 1 a 0, gol de Morel, quando um balão para o alto do lateral Paulo Roberto no rebote de uma cobrança de falta encontrou Mozer descendo pela esquerda do ataque. E o beque fez uma jogada de ponteiro autêntico: um drible curto para descadeirar o primeiro adversário, uma dividida ganha no pé de ferro com outro marcador e o cruzamento da linha de fundo na medida para o sem-pulo violento de Éder, arrancando o empate num jogo nervoso. E que rendeu ao zagueiro a aclamação definitiva.
Pela avaliação do Jornal do Brasil, Mozer “foi, de longe, o melhor do Brasil, com uma grande atuação”. “Mostrou segurança e coragem”, destacou o diário, que também lembrou a presença crucial do zagueiro nos dois lances mais importantes para a Seleção na partida. A bola paraguaia que salvou de cabeça, em cima da linha, com Leão já vencido, e a jogada inteira do gol de Éder. Onze dias antes, em lance semelhante (arrancada pelo mesmo lado do campo), ele havia cruzado para Tita cabecear o gol da vitória de virada por 2 a 1 no Fla-Flu da Taça Rio.
Um dos maiores destaques em meio à recuperação rubro-negra naquele returno do Estadual, Mozer também fez partida impecável na tranquila vitória por 3 a 0 sobre o Vasco, na penúltima rodada, dominando completamente seu setor e apoiando com decisão. Como analisou o Jornal do Brasil: “Está realmente numa forma exuberante. Dificilmente é batido e ainda se dá ao luxo de ir à frente tentar jogadas de gol. Sempre que se lança leva perigo e, em muitas vezes, só foi parado com faltas. Bateu uma falta muito bem, mas Acácio defendeu”.
Com seu futebol se afirmando a olhos vistos, Mozer apresentaria um belo cartão de visitas para a temporada 1984 com outra jogada ainda mais impressionante logo no início daquele ano. Na noite de 11 de fevereiro, Flamengo e Santos jogavam no Maracanã pela rodada de abertura da Taça Libertadores da América. E o zagueiro já havia inaugurado o placar no primeiro tempo com um belíssimo sem-pulo no rebote de uma cobrança de falta de Tita. Mas nada perto do que ele faria pouco depois da volta do intervalo, aos 11 minutos da etapa final.
Após recolher a bola num ataque rubro-negro, o goleiro santista – o uruguaio Rodolfo Rodríguez – saiu jogando com um lançamento com as mãos, buscando o atacante Serginho Chulapa. Mas Mozer atravessou a linha do meio-campo e se antecipou brilhantemente, iniciando uma nova ofensiva do Fla. Percebendo o espaço que tinha pela frente, arrancou como se fosse um ponta, gingou na frente do lateral Toninho Oliveira e, antes que o zagueiro Toninho Carlos chegasse para dividir, disparou um verdadeiro míssil para as redes. Rodolfo nem viu.
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No fim, o Fla goleou por 4 a 1. Assim como faria na “revanche” santista no Morumbi no dia 20 de abril: 5 a 0, com mais outro gol de Mozer, o segundo da partida, mergulhando num sensacional peixinho ao escorar um cruzamento de Leandro para as redes do Peixe. Semanas antes, pelo Brasileiro, ele havia sido crucial na vitória por 2 a 0 sobre o Internacional no Maracanã que valeu a passagem à terceira fase: marcou um belíssimo gol de falta, com a bola caindo de chuá nas redes coloradas, e cruzou da direita para Dunga empurrar contra a própria meta.
“Que bola fina está jogando esse rapaz”, comentou João Saldanha em sua coluna no Jornal do Brasil. E, com efeito, Mozer se tornava uma das referências técnicas daquele time. Era feroz no combate, imponente no jogo aéreo, de precisão cirúrgica nos desarmes, tinha ótimo senso de colocação e aliava classe e dinamismo ao sair jogando. Ainda que o Flamengo só tenha levantado a Taça Guanabara naquela temporada, seu zagueiro teve um desempenho individual sublime ao longo de todo o ano, preservando ainda seu lugar na Seleção Brasileira.
Mozer foi titular nos três jogos da curta passagem de Edu Antunes Coimbra pelo comando do escrete. Na única vitória, 1 a 0 sobre o Uruguai no Couto Pereira, foi um dos destaques: “Perfeito nas bolas rasteiras e pelo alto. Foi ao ataque nos momentos precisos e criou boas jogadas”, escreveu o Jornal do Brasil, que lhe deu nota 9. Naquele momento, o zagueiro rubro-negro era, sem favor algum, o melhor da posição em atividade no país, ao lado do uruguaio e gremista Hugo de León. E possivelmente o mais completo. Vivia seu auge no Flamengo.
No início de 1985, a revista Placar perguntou aos 20 técnicos dos clubes dos dois principais grupos da primeira fase do Brasileirão quais seriam seus 22 convocados para uma Seleção Brasileira formada por atletas atuando no país. Dos 18 que responderam (e Zagallo, treinador do Fla, foi um dos que declinaram), 17 indicaram Mozer como um dos zagueiros (foi o mais votado no geral, junto com o lateral Branco). Na mesma época, o jornalista gaúcho Ruy Carlos Ostermann, da Zero Hora, referia-se ao beque rubro-negro como “nossa discreta unanimidade”.
E o beque seguiria intocável também no período em que Evaristo de Macedo esteve à frente da Seleção. Ao fim dele, em maio de 1985, Mozer havia alcançado a marca de 18 jogos consecutivos como titular do Brasil. A sequência só terminaria com a volta de Telê Santana ao comando, em junho, para as Eliminatórias da Copa do México. Era um Telê aparentemente buscando se retratar das críticas feitas por imprensa e torcida no Mundial anterior. Além disso, ao contrário de seus antecessores, ele teria a vantagem de contar com os astros que atuavam no exterior.
Com isso, o técnico decidiu trazer Edinho, da Udinese, para escalá-lo na posição que havia sido do inseguro Luizinho na Espanha. Mozer passava à reserva. Dos 17 jogos deste segundo ciclo de Telê à frente da Seleção, o zagueiro rubro-negro atuaria apenas em cinco amistosos preparatórios disputados em março e abril de 1986. E, depois de ter sido incluído na lista final de 22 jogadores, acabaria fora da Copa ao se lesionar num treino já no México: ao girar o corpo para tentar uma cabeçada, torceu o joelho direito e rompeu o menisco interno.
A extensa preparação da Seleção e a artroscopia no joelho lesionado reduziram a participação de Mozer na campanha do título carioca de 1986 do Flamengo a apenas três partidas: a goleada de 4 a 1 sobre o Fluminense na rodada de abertura, um dia antes da apresentação a Telê, e os dois últimos jogos da Taça Rio – empate em 1 a 1 com o Bangu e vitória de 3 a 2 sobre o Vasco (que garantiu a conquista do turno e a ida às finais). Mas um inchaço no tornozelo tirou o defensor da melhor-de-três decisiva contra os cruzmaltinos que deu o caneco ao Flamengo.
Em 1986, Mozer já não apresentava uma forma física e técnica tão exuberante quanto nos dois anos anteriores, e o nível de suas atuações oscilava mais. Entretanto, ainda era capaz de fazer ótimas partidas. Como na estreia do time no Brasileiro, por exemplo, quando balançou as redes duas vezes na goleada de 4 a 1 sobre o Paysandu, uma delas em ótima cobrança de falta. Ou mais adiante, na segunda fase, quando teve presença destacada no primeiro Fla-Flu daquela etapa e diante do perigoso Guarani em Campinas, em jogos que terminaram 0 a 0.
A última competição disputada por Mozer com a camisa rubro-negra seria o Estadual de 1987, do qual o zagueiro nem chegou a participar até o fim. Precisando fazer caixa, o clube anunciou sua venda ao Benfica por US$ 500 mil (cerca de Cz$ 21,6 milhões no câmbio da época) no dia 28 de junho daquele ano, poucos dias após o fim da Taça Rio. Curiosamente, o zagueiro quase foi parar no Porto, primeiro clube a se interessar por sua contratação depois de ter enfrentado o Fla num torneio em Paris. Mas os encarnados lisboetas chegariam na frente.
Mozer deixaria na Gávea um substituto de muito futuro: um baiano chamado Aldair, também de enorme qualidade técnica, mas de personalidade mais calma e introvertida. Porém, num primeiro momento, os dirigentes preferiram repor sua saída com outro nome mais experiente: por ironia, o mesmo Edinho que tirara sua vaga de titular na Seleção em 1985. Enquanto isso, o ex-rubro-negro começaria a fazer história no futebol europeu, onde atuaria por oito temporadas, sendo cinco no Benfica (em duas passagens) e três no Olympique de Marselha.
Embora tivesse levantado o título português de 1986/87 sob o comando do sueco Sven-Göran Eriksson, o Benfica não contava com uma dupla de zaga considerada confiável, e Mozer chegava como grande reforço para o setor. O início da nova temporada, porém, foi um tanto irregular e acabou custando o cargo do técnico dinamarquês Ebbe Skovdahl, sucessor de Eriksson, ainda em novembro. Este mau começo acabaria tornando impossível a perseguição ao Porto, que levou o campeonato com folga e fez a dobradinha ao ganhar também a Taça de Portugal.
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Na Copa dos Campeões, porém, o Benfica cumpriu uma excelente campanha, voltando à decisão após 20 anos. Superou o Partizan Tirana, o AGF Aarhus e – após a chegada do novo treinador, Toni – os grandes esquadrões do Anderlecht (base da seleção belga) e do Steaua Bucareste (campeão dois anos antes e agora reforçado por nomes como Gheorghe Hagi, Dan Petrescu e Gheorghe Popescu). Na final em Stuttgart, encararia um resiliente PSV Eindhoven, que avançara nas duas etapas anteriores eliminando Bordeaux e Real Madrid com duplos empates.
Depois de arrancar o quinto empate consecutivo no tempo normal e prorrogação, os holandeses levaram a melhor nos pênaltis. Com calma e categoria, Mozer converteu sua cobrança, a última da série normal, empatando em 5 a 5. Mas na primeira do Benfica nas cobranças alternadas, o goleiro Hans van Breukelen defendeu sem problemas o chute fraco do lateral-direito Veloso e pôs fim ao sonho encarnado. O Benfica encerrava sua campanha com apenas um gol sofrido em oito jogos, mas sem o caneco que desejava ter de volta desde 1963.
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A defesa das Águias receberia outro reforço brasileiro na temporada seguinte: Ricardo Gomes, do Fluminense, era o novo parceiro de defesa de Mozer, ao lado de quem havia chegado a atuar pela Seleção em 1984. Na Luz, os dois combinaram-se à perfeição: o Benfica levantou o título português com sete pontos de vantagem sobre o Porto e sofrendo apenas 15 gols em 38 partidas. Apesar de terem atuado lado a lado por apenas um ano, os dois compatriotas são comumente citados como a melhor dupla de zaga já formada pelo clube na história.
Em meados de 1989, Mozer se transferiria para o ambicioso Olympique de Marselha, pelo qual atuaria por três temporadas, conquistando a liga francesa em todas as três. Na terceira delas, em 1991/92, o clube estabeleceria um novo recorde defensivo histórico na competição, ao sofrer apenas 21 gols em 38 partidas (marca que só seria quebrada pelo Paris Saint Germain em 2016). Antes, nas duas primeiras, os marselheses empreenderiam grandes campanhas europeias na Copa dos Campeões – ambas, porém, encerradas de maneira amarga.
Na de 1989/90, o clube deixaria pelo caminho com certa tranquilidade um bom time do Bröndby, o AEK Atenas e um CSKA Sofia (então chamado de Sredets) que reunia um trio histórico do futebol búlgaro: os atacantes Hristo Stoichkov e Emil Kostadinov e o zagueiro Trifon Ivanov. Na semifinal, que marcaria o reencontro de Mozer com o Benfica, os franceses venceriam de virada a partida de ida no Vélodrome por 2 a 1. Na volta, porém, um gol de mão marcado pelo atacante angolano Vata a oito minutos do fim daria a classificação à final aos encarnados.
Já na campanha seguinte, as classificações sobre o Dinamo Tirana e o Lech Poznan viriam com goleadas. Mas nas quartas de final havia pela frente o poderoso esquadrão do Milan de Arrigo Sacchi, então bicampeão do torneio. No jogo de ida, no San Siro, os rossoneri abriram o placar logo no começo, quando Mozer tentou recuar a bola para o goleiro Pascal Olmeta, mas foi atrapalhado por seu próprio companheiro de zaga Bernard Casoni, que botou o pé na frente e desviou o passe, deixando a jogada pronta para Ruud Gullit tocar às redes.
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Pouco depois, porém, Jean-Pierre Papin deixou tudo igual, e o 1 a 1 permaneceu até o fim graças a uma excelente atuação do zagueiro brasileiro. Na volta, no Vélodrome, ele foi simplesmente impecável em todos os quesitos: “Liderada por Mozer, a defesa marselhesa bloqueou todas as situações, exceto por uma cabeçada de Gullit e um chute de Rijkaard”, escreveu a revista Onze-Mondial, antes de destaca-lo: “Por sua colocação, sua impetuosidade, sua recuperação, sua presença física e seu gênio tático, Mozer beirou a perfeição”.
Jogando melhor, o Olympique de Marselha abriu o placar aos 30 minutos do segundo tempo num belo gol do inglês Chris Waddle e teve outras chances para ampliar a contagem. Nos acréscimos, uma torre dos refletores se apagou e a partida foi interrompida por alguns minutos. O Milan, no entanto, se recusou a voltar a campo quando as luzes retornaram e foi declarado perdedor pelo placar de 3 a 0, além de suspenso pela Uefa das competições continentais por um ano. E o OM avançou para enfrentar um surpreendente Spartak Moscou nas semifinais.
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Os russos haviam despachado o Napoli de Maradona e Careca e o Real Madrid de Butragueño e Hugo Sánchez nas fases anteriores, mas não foi páreo para os franceses, que venceram as duas partidas mesmo sem Mozer na primeira, suspenso por cartões amarelos. Na final, o adversário seria outra surpresa: o Estrela Vermelha, que apresentava uma geração brilhante. Porém, foi uma partida tecnicamente fraca, levando-se em conta a fartura de grandes jogadores em ambas as equipes, e que teve os iugoslavos exibindo um jogo excessivamente cauteloso.
Num raro contra-ataque dos balcânicos, Mozer apareceu na hora certa para desarmar o atacante Dragiša Binić, que chegava quase cara a cara com Pascal Olmeta após troca de passes entre Dejan Savićević e Robert Prosinečki. O zero a zero seguiu pelo tempo normal e prorrogação, e o zagueiro mais uma vez enfrentaria uma disputa nos pênaltis numa decisão da principal taça europeia. E, a exemplo de 1988, o final não seria feliz: Mozer voltou a converter sua penalidade, numa cobrança com estilo. Mas Manuel Amoros perdeu a sua, e a taça foi para a Iugoslávia.
Em julho de 1992, Mozer encerrou seu ciclo de três anos na Provença ao acertar seu retorno ao Benfica. Mesmo não tendo participado da conquista da Champions pelos franceses (o que viria a acontecer na temporada seguinte à sua saída), o zagueiro brasileiro ficou eternizado no clube: em 2010, foi eleito pelos torcedores para a equipe histórica do Olympique de Marselha, à frente de nomes lendários do futebol francês que atuaram no clube na posição, como Marius Trésor e a dupla campeã do mundo pelos Bleus, Laurent Blanc e Marcel Desailly.
Na Seleção, porém, ele teve presença apenas esporádica depois do corte de 1986, embora tivesse chegado a disputar o Mundial seguinte na Itália em 1990. Fora dos planos de renovação levados a cabo por Carlos Alberto Silva, que assumiu o comando após a nova saída de Telê Santana, Mozer só voltaria a vestir a camisa canarinho três anos depois, já quando Sebastião Lazaroni – que havia sido seu treinador no Flamengo entre outubro de 1985 e março de 1987 – era o nome no cargo, no amistoso contra Portugal no Maracanã em junho de 1989.
Embora Mozer e Lazaroni já se conhecessem do clube, a relação entre os dois na Seleção não seria das mais harmoniosas. O zagueiro ficou de fora da Copa América de 1989 e, depois de ter sido convocado para as Eliminatórias da Copa de 1990, viu o Olympique de Marselha – clube para o qual havia então acabado de se transferir – pressionar por seu corte, a fim de que fosse logo apresentado na França. Assim, dos 26 jogos oficiais que a Seleção de Sebastião Lazaroni fez antes do Mundial, Mozer participou de apenas quatro, todos eles amistosos.
O jogador chegou à Copa com prestígio entre a crônica internacional: em abril de 1990, o jornal italiano La Gazzetta dello Sport apontou-o como um dos melhores jogadores do mundo em sua posição dentre as 24 seleções que jogariam o Mundial. Na mesma época, outro periódico do país anfitrião do torneio, o romano La Repubblica, incluiu o jogador em sua seleção prévia do torneio, numa defesa formada de resto apenas por italianos (Zenga, Bergomi, Baresi e Maldini). Porém, seu alto cartaz na imprensa europeia não era referendado por Lazaroni.
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Acusado pelo técnico de deixar espaços na defesa com seus frequentes avanços ao ataque após o 3 a 3 com a Alemanha Oriental no Maracanã, no último jogo da Seleção antes do embarque para a Copa, Mozer foi destituído do posto de líbero do 3-5-2 adotado pelo treinador, que passou a escalá-lo apenas como zagueiro pelo lado direito. Era um caso típico de distintas interpretações para a função: na Europa, onde Mozer atuava, o líbero tinha liberdade para sair jogando. Mas o treinador via a posição como um beque de sobra, o último homem da defesa.
Na Itália, a Seleção conviveu com uma preparação claudicante, com um entra e sai constante de empresários e familiares de jogadores da concentração em Asti, além dos inúmeros problemas de relacionamento dentro do elenco, com guerras de egos e brigas por premiação. Nesse clima, poucos jogadores do Brasil tiveram atuação destacada no torneio, embora a equipe tenha vencido os três jogos da fase de grupos. Na estreia contra a Suécia, Mozer levou a culpa pelo gol adversário, marcado por Brolin, ainda que no lance a falha de posicionamento tenha sido coletiva.
Já no segundo jogo, contra a Costa Rica, ele cumpriu atuação um pouco melhor, tendo inclusive participado da jogada que culminou no gol de Müller, o único da partida, ao subir para disputar a bola pelo alto com a defesa costarriquenha após um lateral cobrado por Jorginho. Porém, por ter levado cartão amarelo nas duas primeiras partidas, acabou suspenso do terceiro jogo, contra a Escócia, sendo substituído por Ricardo Rocha. E ficaria no banco no jogo contra a Argentina, nas oitavas de final, que marcaria a eliminação brasileira com derrota por 1 a 0.
Ao fim do torneio, Mozer seria novamente “exilado” da Seleção. Logo ao assumir o cargo, o novo treinador Paulo Roberto Falcão recebeu do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, uma lista com os atletas cuja convocação não era recomendada pela entidade e que incluía, além do zagueiro, nomes como Alemão, Careca e Müller. Mas, dois anos depois, ele teria sua volta por cima – ainda que rápida – ao ser resgatado por Carlos Alberto Parreira, sucessor de Falcão, para os amistosos contra a Inglaterra em Wembley e o Milan no San Siro em maio de 1992.
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Mozer foi absoluto diante da Inglaterra de Gary Lineker e David Platt no bom empate por 1 a 1 em Wembley (“Ganhou todas as divididas. Chegou a passar por cima dos adversários nas bolas altas”, comentou o Jornal do Brasil). E assim permaneceu diante do Milan de Ruud Gullit e Marco van Basten (“Soube se impor quando os jogadores do Milan passaram a abusar de jogadas mais duras e não deu espaço aos atacantes do time italiano”, escreveu a publicação) na vitória brasileira por 1 a 0 no San Siro, em jogo que valeu como despedida do meia Carlo Ancelotti.
Acertada em julho de 1992, sua volta ao Benfica duraria três temporadas e renderia o título da Taça de Portugal na primeira delas e o do campeonato na segunda, além de boas campanhas europeias. Com sua experiência, Mozer liderava um time das Águias em que despontavam nomes como Rui Costa – que mais tarde incluiria o brasileiro numa seleção de atletas com quem atuou. Outro craque europeu que incluiu Mozer em seu time dos melhores que viu jogar foi o francês Zinedine Zidane, numa entrevista a um portal chinês em dezembro de 2018.
O então zagueiro benfiquista também formava inicialmente a dupla de zaga ideal do técnico da Seleção, Carlos Alberto Parreira, para a Copa de 1994 ao lado de Ricardo Gomes. Porém, a dificuldade de liberação do jogador novamente restringiu suas convocações, e ele faria apenas mais duas partidas oficiais pelo Brasil. A última delas, sua 32ª, a vitória por 2 a 0 sobre a Argentina no Recife em março de 1994. Às vésperas do Mundial, porém, seria dispensado com um quadro de hepatite, num corte que causou polêmica na época. Em seu lugar, entrou Aldair.
Mozer penduraria as chuteiras aos 36 anos, no fim de 1996, depois de um ano e meio atuando no Japão, defendendo o mesmo Kashima Antlers onde tantos outros ex-rubro-negros brilharam, a começar por Zico. E parou como campeão, ao vencer a J-League daquele ano. Após o fim da carreira de jogador, voltou a morar em Portugal e trabalhou como auxiliar de José Mourinho no Benfica e no União de Leiria. Teve ainda breves passagens como treinador, comentarista e até dirigente. Mas na maior parte do tempo esteve afastado do futebol.
Só nunca esqueceu o Flamengo, a quem sempre fez questão de demonstrar toda a gratidão pelo que conquistou no futebol. “Eu era um menino pobre. De repente me vi morando numa casa enorme, com piscina e conforto. O Flamengo me deu a chance de ser alguém”, declarou numa entrevista à TV Cultura, em 1994. Os rubro-negros também nunca o esqueceram: no mesmo ano ele foi eleito para a seleção histórica do clube, escolhido por 22 dos 32 votantes na pesquisa da revista Placar. Um emocionante caso de reconhecimento mútuo.
Saiba mais sobre o veículoAlém de colaborações periódicas, quinzenalmente o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas. Para visualizar o arquivo, clique aqui. Confira o trabalho de Emmanuel do Valle também no Flamengo Alternativo e no It’s A Goal.
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