O ‘futebol champanhe’ de Luigi Maifredi teve sucesso no Bologna e fracassou na Juventus | OneFootball

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Calciopédia

·17 de julho de 2023

O ‘futebol champanhe’ de Luigi Maifredi teve sucesso no Bologna e fracassou na Juventus

Imagem do artigo:O ‘futebol champanhe’ de Luigi Maifredi teve sucesso no Bologna e fracassou na Juventus

“No futebol, um gênio. Fora de campo, um burro”: assim se descreve Luigi Maifredi, criador do chamado calcio champagne, que comandou diversos clubes da Itália em sua carreira como treinador. Dos mais exóticos, como Orceana e Ospitaletto, até mais conhecidos, como Bologna e, a cereja do bolo, Juventus. Infelizmente, Gigi não engrenou no grande desafio de sua carreira, mas escreveu uma belíssima história nas cores rossoblù, apesar de ter demonstrado potencial para um sucesso que nunca lhe abraçou por completo.

Nascido na pequena Lograto, na região da Lombardia, norte da Itália, Gigi mal teve chance de tentar a carreira de jogador. Aos 21 anos, uma lesão no menisco abreviou a carreira do zagueiro, que saiu da base do Brescia e só atuou profissionalmente por Rovereto e Portogruaro. Isso não impediu o jovem trabalhador de entrar no universo do futebol. Mais velho, Maifredi fundou o Real Brescia, clube amador no qual foi presidente e treinador. A partir de então, começou a chamar a atenção de Renato Cavalleri, diretor esportivo do Crotone.


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Em 1977, Maifredi trocou o norte pelo sul da Itália e se transferiu à Calábria para ser assistente de Oronzo Pugliese no Crotone, que disputava a terceira divisão. Nada deu certo nos squali, que caíram para a quarta categoria, e Gigi retornou para a província de Brescia. Ao menos, com um emprego: o cargo de treinador principal do Lumezzane, que frequentava o sexto nível do sistema futebolístico italiano.

Maifredi fez um bom trabalho no Lume, obtendo um terceiro e um sétimo posto na categoria Promozione da Lombardia. Porém, ao invés de ser sondado por times de divisões superiores, foi treinar os amadores Pontevico e Leno, em níveis mais próximos da base da pirâmide nacional. Ao mesmo tempo, trabalhou como representante de vendas de doces, panetones e, por último, bebidas – em especial, o champanhe da marca Veuve Clicquot Ponsardin.

Em 1984, já longe dos comes e bebes, l’Omone – “o homenzarrão”, como era conhecido, devido a sua robusta compleição física – assumiu a Orceana, que havia acabado de subir para a quinta divisão. Sob as ordens de Maifredi, os biancoblù obtiveram o triunfo no Campeonato Interregionale e o segundo acesso consecutivo.

Na quarta categoria, Gigi enfrentaria um dilema: na disputa pelo acesso para a Serie C1, jogou contra o Ospitaletto, time pelo qual já tinha um contrato assinado para a temporada seguinte. A vitória era crucial para a Orceana continuar a brigar pelo acesso. Não teve maracutaia: garantiu o resultado positivo da sua equipe e atrapalhou o caminho dos laranjas, que perderiam a promoção para o Mantova numa partida de desempate. Com isso, seguiu na quarta divisão.

Pelo Ospitaletto, presidido por Gino Corioni, teve a primeira grande mudança na sua vida. Com um futebol vistoso, vencia bonito e, assim, garantiu a promoção para a Serie C1. “Dávamos show. Pessoas de todos os cantos da Itália vinham nos ver, incluindo Arrigo Sacchi”, disse Maifredi em entrevista ao Corriere della Sera, em 2017. Uma das grandes características da personalidade do treinador, durante a sua carreira, era realmente falar bastante, com vaidade. Não tinha papas na língua – e contava com certa presunção, especialmente sobre seu próprio talento.

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Com sucesso no Ospitaletto, Maifredi foi chamado por Corioni para treinar o Bologna, time principal de seu portfólio (LaPresse)

Convencido de que era um dos melhores, Gigi recusou o Parma, que buscava um sucessor para Sacchi, que acertara com o Milan. Os crociati viam em Maifredi o herdeiro perfeito para o técnico, visto que ambos pregavam a marcação por zona, revolucionária à época – l’Omone, aliás, diz ter influenciado o colega. Ciente do interesse parmense, Corioni decidiu oferecer ao treinador um novo papel na estrutura dos clubes de sua propriedade: promovê-lo do Ospitaletto ao Bologna, que militava na segunda divisão italiana. Na capital da Emília-Romanha, o comandante provou que o que falava de si próprio tinha pelo menos um fundo de verdade.

Os rossoblù fizeram uma campanha sensacional na Serie B, principalmente pelo futebol demonstrado. Mas o título conquistado lavou a alma da torcida, que vivia o período mais nefasto da história do clube até o momento – os felsinei jamais haviam passado pela segundona e, em plena crise, chegaram até a disputar a terceira categoria. Maifredi, portanto, devolveu o Bologna à elite após uma ausência de seis anos.

É curioso imaginar que a partida dessa caminhada não foi tão boa: derrota por 3 a 0 para o Lecce. Porém, as coisas só melhoraram a partir da primeira rodada. Era um futebol divertido e muito ofensivo. Um time de baixa estatura que contava com Nello Cusin, que também foi “promovido” do Ospitaletto, atuando como um protótipo de goleiro-líbero.

Mas não era só isso. Os laterais, bem avançados, jogavam quase como alas. Os zagueiros atuavam em linha e subiam ao ataque, como faziam Marco De Marchi, outro ex-Ospitaletto, e o mítico e ousado Renato Villa – que fora treinado por Maifredi na Orceana. E vale o destaque: Gigi se considera um dos precursores a implementar o sistema de marcação por zona, ao lado de Zdenek Zeman e Giovanni Galeone. “Ensinamos que um craque como [Diego] Maradona deve ser marcado pela equipe inteira, e não apenas por um jogador”.

O meio-campo era montado por dois pratas da casa de diferentes gerações – Eraldo Pecci e Giancarlo Marocchi. No ataque, Loris Pradella, Lorenzo Marronaro e Fabio Poli. Em entrevista ao site Il Pallone Gonfiato, de Bolonha, Poli chegou a dar uma declaração interessante sobre como era trabalhar com Gigi: “era bom jogar porque ninguém entendia nada das nossas táticas e éramos capazes de incomodar todo mundo”, afirmou. O estilo de jogo ficou conhecido como calcio champagne, ou em português brasileiro, futebol champanhe. Esse apelido se justificava por dois aspectos: porque os jogadores se moviam muito rapidamente, animados como as bolhas da bebida, e pelo passado do próprio Maifredi como revendedor de Veuve Clicquot.

Apesar de Maifredi ter sido o campeão da Serie B, a imprensa italiana deu um jeito de superdimensionar os feitos daquele Bologna. Entre os exageros, colocou l’Omone como um “irmão gêmeo” de Sacchi. As comparações entre os dois eram constantes porque eles eram pontos fora da curva entre os treinadores da época, se valiam do jogo por zona e pregavam um futebol ofensivo e estético. Porém, em um amistoso em 1988, o Milan dos holandeses Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco Van Basten amassou os veltri: vitória por 5 a 0.

A diferença técnica existia, e a primeira temporada do Bologna de Maifredi na elite foi pautada na busca pela permanência. O objetivo foi alcançado, apesar de um começo de trajetória desastroso, com uma sequência de sete jogos sem vitórias. Após isso, o time voltou aos trilhos e até empatou com o super Milan por 1 a 1, jogando em San Siro. Os rossoblù terminaram a Serie A na 13ª posição e ainda foram vice-campeões da Copa Mitropa.

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Maifredi tirou o Bologna da segundona e, com futebol ofensivo, levou o time à Copa Uefa (Getty)

No campeonato seguinte, nomes de peso, como Antonio Cabrini, Bruno Giordano e o brasileiro Geovani, foram contratados. Por outro lado, Corioni não conseguiu buscar a lenda romena Gheorghe Hagi para ocupar um dos três postos permitidos para estrangeiros – o cartola teria melhor sorte nesta empreitada poucos anos depois, ao comprar o Brescia e levar o meia para lá. Ainda assim, o elenco nas mãos de Maifredi era mais forte do que o de 1988-89.

Com direito a empates com Juventus e Inter, o Bologna ficou invicto até a nona rodada, quando perdeu para a Lazio por 3 a 0, no Flaminio – o Olímpico estava em obras para a Copa do Mundo. A trajetória dos rossoblù seguiu sólida e permeada por paridades, o que era comum na época em que vitórias valiam apenas o dobro de pontos. O time de Maifredi somou 16 igualdades em 34 rodadas, mas também obteve triunfos importantes, como os dois no Dérbi dos Apeninos, sobre a Fiorentina de Roberto Baggio, e aquele sobre a Sampdoria, na reta final da Serie A. No fim das contas, os veltri ficaram com a oitava posição e se classificaram para a Copa Uefa pouco depois de deixarem o inferno da segundona. O calcio champagne produzira resultados.

A Juventus já vinha cortejando Maifredi desde 1988, quando efetuara uma sondagem para substituir Rino Marchesi pelo técnico de Lograto. Naquela época, Giampiero Boniperti, presidente da agremiação bianconera, tentou entrar em contato com o treinador através de uma ligação telefônica para sua residência, e produziu uma situação bastante curiosa com Bruna, esposa de Gigi, que atendeu o telefonema. “Olá, sou Boniperti”, disse o mandatário, logo sendo retrucado ironicamente: “claro, e eu sou Grace Kelly”, disse a senhora, desligando em seguida.

No dia seguinte, um enorme buquê de flores chegou à casa da família de Gigi. “Sou mesmo Boniperti!”, estava escrito no cartão. Depois, o cartola bianconero deu um recado ao técnico: “caro Maifredi, lembre-se que, na vida, a sorte e a Juventus batem apenas uma vez. Mas você tem muita sorte…”. No fim das contas, l’Omone aceitou a Velha Senhora no verão de 1990, meses depois de o ícone bianconero deixar a presidência. O responsável por finalizar o negócio foi Luca Cordero di Montezemolo – que foi executivo da Juve antes de se tornar homem forte da Ferrari por mais de uma década.

Na Juventus, Maifredi reencontrou Marocchi e Angelo Alessio, que treinou no Bologna – do clube rossoblù, levou consigo De Marchi e Gianluca Luppi. Naquele verão, Montezemolo, com moral elevado por ter sido o diretor geral do comitê de organização da Copa do Mundo de 1990, ainda fechou com destaques da competição: os italianos Salvatore Schillacci e Roberto Baggio, além do alemão Thomas Hässler. Menos badalados, o zagueiro brasileiro Júlio César e os promissores Eugenio Corini e Paolo Di Canio também aportaram em Turim. Em resumo, Gigi tinha em mãos um elenco reforçado e capaz de repetir os feitos na temporada anterior, quando, sob o comando de Dino Zoff, os bianconeri faturaram os títulos da Copa Uefa e da Coppa Italia.

Eram grande as expectativas de que Maifredi pudesse reproduzir no Piemonte o sucesso que Sacchi e a zona obtinham na Lombardia. No entanto, foi na Juventus que começou a derrocada do treinador: tudo deu errado na agremiação bianconera, que terminou a Serie A na sétima posição e ficou fora das competições europeias pela primeira vez em 28 anos.

Logo na estreia, Maifredi levou um tombo: o Napoli faturou a Supercopa Italiana com um sonoro 5 a 1 sobre a Juventus. Na Serie A, não bastaram alguns placares elástico, como o 4 a 2 sobre a Inter e as goleadas por 5 a 0 sobre Roma e Parma. A equipe chegou a brigar pelo título na primeira metade da temporada, mas duas sequências de cinco rodadas sem vitórias no returno lhe condenaram a um destino bem menos virtuoso. Na Recopa Uefa, os bianconeri foram mais longe e caíram apenas nas semifinais, por obra do Barcelona.

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Gigi teve a oportunidade de treinar Baggio na Juventus, mas não conseguiu grandes resultados (imago/IPP)

“Na Juve, tudo deu errado porque fui um burro, um presunçoso, e a presunção tem um preço. Embora o Barcelona que nos eliminou da Recopa fosse treinado por um certo [Johan] Cruyff e contasse com [Michael] Laudrup, [Hristo] Stoichkov, [José] Bakero e [Ronald] Koeman. Mesmo que não tivessem contratado o Dunga para mim. Mesmo que [Pierluigi] Casiraghi tenha ficado fora por quatro meses devido a uma lesão”, desabafou o treinador, em 2017, numa entrevista ao Corriere dello Sport. Durou uma temporada e foi sacado – ou melhor, mais ou menos, segundo o mesmo.

Maifredi afirma que Gianni Agnelli, dono da Juventus, fez de tudo para mantê-lo. No entanto, como outras figuras da agremiação trabalhavam para boicotá-lo, optou por deixar Turim. Em avaliação posterior, o treinador afirmou que o ideal teria sido passar por uma equipe intermediária antes de ir para a Juve – o que não aconteceu, já que recusou uma proposta da Roma.

Em 1991, Gigi foi procurado por Paolo Mantovani, presidente da Sampdoria, que desejava tê-lo como herdeiro de Vujadin Boskov – o iugoslavo, que acabara de faturar o scudetto pelos dorianos, deixaria Gênova no ano seguinte. Maifredi tinha a aprovação de líderes do vestiário blucerchiato, como Roberto Mancini e Pietro Vierchowod, e poderia dar continuidade à boa fase que a agremiação vivia. Porém, recusou, e optou por retornar ao Bologna, que sofrera com a sua ausência e, lanterna da Serie A, caíra para a segundona.

“Outro erro sensacional”, descreve o técnico. Maifredi trocou um projeto estável por uma aposta, visto que o Bologna havia sido vendido por Corioni e atravessava um péssimo momento financeiro. Gigi, evidentemente, deu o lance errado e o seu tiro saiu pela culatra: foi demitido após a 11ª rodada da Serie B, com um retrospecto de quatro vitórias, quatro derrotas e três empates. Os veltri caíram, amargaram outro rebaixamento no ano seguinte e faliram. Só se recuperaram após a aquisição por parte do empresário Giuseppe Gazzoni Frascara.

Maifredi, por sua vez, nunca mais conseguiu fazer um trabalho memorável. Em 1992-93, terminou rumando a Gênova, mas não para dirigir a Sampdoria: pegou o Genoa com o campeonato em andamento e o comando em apenas 12 rodadas, sem empolgar. Todas as suas experiências seguintes foram igualmente curtas e fracassadas, sendo que apenas uma foi numa primeira divisão europeia – em 1995, pelo Brescia de Corioni, rebaixado com o pior aproveitamento da história da Serie A.

Os fracassos de Maifredi ainda envolveram Venezia, Pescara, Reggiana e Brescia (interinamente, neste caso), na Serie B, Espérance Túnis, na primeira divisão da Tunísia, e Albacete, na segundona espanhola – neste caso, El Queso Mecánico quis formar uma pequena colônia italiana, com Giuseppe Baronchelli, Salvatore Giunta e Antonio Rizzolo, e não se deu bem.

Em sua carreira, Gigi ainda ocupou cargos na diretoria do Brescia, foi comentarista no canal Mediaset Premium e ainda participou de uma experiência curiosa: treinou um time de ex-jogadores para reproduzirem gols e jogadas polêmicas para o programa Quelli che il calcio, da Rai. Encenações à parte, Maifredi sabe que poderia ter conseguido mais êxito em sua carreira, talvez atingindo o nível que atribuía a si mesmo. Porém, o caminho improvável que percorreu é, sem dúvidas, uma espécie de vitória. “Cheguei à Juventus saindo do Real Brescia. Isso não é para qualquer um”, afirmou. Nisso, ele está certíssimo.

Luigi Maifredi Nascimento: 20 de abril de 1947, em Lograto, Itália Posição: zagueiro Clubes como jogador: Rovereto (1967) e Portogruaro (1968) Clubes como treinador: Lumezzane (1978-1980), Orceana (1984-86), Ospitaletto (1986-87), Bologna (1987-90 e 1991), Juventus (1990-91), Genoa (1992-93), Venezia (1994), Brescia (1995 e 2013), Pescara (1996), Espérance Túnis (1996), Albacete (1998-99) e Reggiana (2000) Títulos: Campeonato Interregionale (1985), Serie C2 (1987) e Serie B (1988)

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