O craque francês Franck Ribéry escolheu a Itália para encerrar sua grande carreira | OneFootball

“A bola para, mas meus sentimentos por ela não”. Foi com essa frase, escrita em quatro línguas, e um vídeo de retrospectiva dos seus grandes momentos em campo que Franck Ribéry anunciou sua aposentadoria, em outubro de 2022. Apesar de ter vivido seu auge na Alemanha, em especial no Bayern Munique, a Itália foi o país em que o ex-atacante escolheu encerrar sua longa carreira: primeiro defendeu a Fiorentina e, por último, ainda topou fazer a Salernitana renascer.

Franck Henry Pierre Ribéry nasceu em Boulogne-sur-Mer, na região costeira do norte da França, e foi abandonado num convento por seus genitores. Adotado por uma família humilde, aos dois anos de idade, o garoto sofreu um acidente que mudaria sua vida: o carro de seus pais colidiu com um caminhão e ele foi vítima de várias lesões no rosto. O ocorrido deixou duas cicatrizes compridas no lado direito de seu rosto e outra entre as sobrancelhas.

As marcas terminariam por lhe render apelidos, como Frankenstein – na época de adolescente, quando sofreu bullying na escola – e Scarface, quando já era atleta profissional. Apesar do passado cheio de mazelas, Ribéry sempre afirmou que as cicatrizes lhe deram a força e a motivação que ele precisava para ser um jogador de futebol. O ofício, aliás, viria a ser seguido por François e Steeven, seus irmãos mais novos.

Franck deu seus primeiros passos aos seis anos, quando jogou pelo Conti Boulogne, um clube amador da cidade natal. Na adolescência, Ribéry passou pelas categorias de base do Lille e pelas do Boulogne, onde se profissionalizou e estreou pela quarta divisão francesa. Ainda garoto, já chamava a atenção pelas características que se tornariam sua marca registrada: a rapidez na ponta esquerda, com dribles e passes precisos, além da capacidade de proteger a bola.

Mesmo com esses atributos, Ribéry demorou para estourar no futebol francês. O ponta teve mais espaço no Boulogne na terceirona, mas não conseguiu evitar a volta dos rubro-negros à quarta divisão. Franck continuou a perambular pela terceira categoria, na qual defendeu Alès e Brest – e foi pelos alvirrubros do noroeste do país que deu um salto na carreira. Liderando o ataque do time, que vivia um período de reconstrução, o levou para a Ligue 2.

Ribéry chegou à Fiorentina no fim da carreira, após brilhar por Marseille e Bayern Munique (Getty)

Para Ribéry, o bom desempenho na campanha do acesso lhe abriu as portas da Ligue 1 – e, em seguida, da seleção sub-21 da França, treinada por René Girard. No verão europeu, se transferiu para o Metz e logo foi eleito como o Jogador do Mês dos grenás em agosto de 2004. Em apenas alguns meses de permanência, ganhou o amor da torcida, que o comparava com Robert Pirès, lenda do clube.

Em janeiro de 2005, Ribéry foi cedido ao Galatasaray, a pedido do então técnico Gheorghe Hagi. No entanto, apesar de ter assinado um contrato de três anos e meio, caso seu empréstimo fosse convertido em transferência permanente, o francês teve curtíssima passagem pela Turquia. O ponta caiu nas graças da torcida do Gala, que o apelidou de “Ferraribery”, por causa de sua velocidade, e também de Scarface. Franck foi crucial para a conquista da Copa da Turquia, dando uma assistência e marcando o primeiro dos cinco gols da vitória sobre o arquirrival Fenerbahçe.

Para a temporada de 2005-06, tudo parecia que Ribéry seguiria no Galatasaray. No entanto, ele surpreendeu a todos quando anunciou que estava retornando ao seu país natal, para jogar no Olympique de Marseille. A notícia também pegou de surpresa o clube aurirrubro, já que o ponta havia sido adquirido em definitivo junto ao Metz e, em teoria, ainda precisaria cumprir três anos de contrato.

Em sua defesa, o jogador afirmou que os turcos lhe deviam salários e entrou com uma ação na Fifa para que o órgão invalidasse seu contrato. Ribéry ainda disse que chegou a ser ameaçado com um taco de beisebol por um diretor do Galatasaray. No dia seguinte ao anúncio, através de seu técnico, Eric Gerets, o time de Istambul acusou o atleta de traição e fez um recurso à entidade reguladora do futebol mundial – que, no fim das contas, decidiu a favor de Franck. Dessa forma, o atacante pode se reunir com Jean Fernandez, seu treinador dos tempos de Metz.

A passagem pelo Marseille coincidiria com outro momento de explosão de Ribéry – desta vez, para todo o planeta. A Copa do Mundo de 2006, disputada na Alemanha, foi o cartão de visitas que o atacante francês apresentou: titular do time de Raymond Domenech, Scarface marcou um gol sobre a Espanha, nas oitavas de final, e ficou em campo durante 100 minutos da decisão contra a Itália, que se sagraria tetracampeã.

Já veterano, o francês foi eleito como melhor jogador da Fiorentina em 2019-20 e apresentou bom rendimento geral em sua passagem pela equipe (Getty)

Por conta da grande atuação pela seleção francesa, muitos times tentaram a sua contratação. No entanto, o Marseille freava qualquer possibilidade de negociação e Ribéry também não forçou uma saída. O ponta ficou no OM até o verão de 2007, quando o Bayern Munique pagou 25 milhões de euros por seu futebol – à época, foi a maior venda dos phocéens. Pelo clube do sul da França, Scarface foi duas vezes vice-campeão da copa nacional e uma da Ligue 1. O único título que obteve foi o da Copa Intertoto.

No Bayern, Ribéry construiu uma história que renderia dezenas de textos – num site especializado em futebol alemão, mas não aqui. Resumidamente, em 12 temporadas na Baviera, conquistou nove títulos da Bundesliga, seis da Copa da Alemanha, uma Copa da Liga Alemã, quatro Supercopas da Alemanha, uma Supercopa Uefa, o Mundial de Clubes e, claro, a Liga dos Campeões, sobre o rival Borussia Dortmund; estes dois últimos troféus, em 2013. Foi neste ano que Franck consolidou o seu status de craque. O ponta, que era um dos melhores jogadores do planeta, ficou foi eleito o melhor atleta da Europa pela Uefa e ficou em terceiro na Bola de Ouro entregue pela Fifa, atrás apenas de Lionel Messi, segundo, e Cristiano Ronaldo, primeiro.

Durante sua década de Bayern, Ribéry teve seus altos e baixos com a seleção. Após várias lesões, que chegaram a afetar o seu desempenho pelos Roten, o ponta teve uma péssima participação na Copa de 2010, como todos os Bleus. Naquela época, quase ficou de fora da convocação por conta de uma situação extracampo: o envolvimento com uma prostituta menor de idade. As investigações criminais concluíram que o jogador não estava ciente da condição da garota, mas o ocorrido balançou o casamento do atleta e a sua reputação. Afinal, para casar com Wahiba, francesa de origem argelina, ele se converteu ao islã e até adotou um nome muçulmano – Bilal Yusuf Mohammed.

A pressão sobre Ribéry na seleção era grande. Isso porque, além de não ter ido bem na Copa de 2010, também não brilhou nas Eurocopas de 2008 e 2012. A redenção poderia acontecer em 2014, no Brasil, mas uma lesão nas costas o fez perder o Mundial. Depois de ser cortado por Didier Deschamps, Franck anunciou a sua aposentadoria da equipe nacional, com apenas 31 anos.

Já lidando com lesões recorrentes, em especial no seu joelho, Ribéry encerraria sua trajetória no Bayern em 2019, após 24 títulos conquistados, 425 aparições, 124 gols e 182 participações em tentos, com assistências ou pênaltis sofridos. Além, claro, de ter protagonizado uma parceria histórica com Arjen Robben, com o qual formou a lendária dupla “Robbery”. Se imaginava que Scarface, aos 36 anos, poderia se aposentar. No entanto, o francês deixou claro que ainda queria continuar jogando.

De forma surpreendente, Ribéry decidiu atuar por uma Salernitana imersa no caos (Getty)

Curiosamente, seu destino seguinte seria o país daqueles que o impediram de ser campeão mundial em 2006: em agosto de 2019, Ribéry aportou na Itália ao assinar com a Fiorentina. O francês foi a cereja do bolo da primeira janela de mercado feita pela gestão do presidente Rocco Commisso e, além de empolgar o torcedor violeta, sedento por voltar a sonhar com taças, recebeu a promessa de ser a principal estrela da companhia de Vincenzo Montella.

Scarface teve um ótimo início de trajetória em Florença. Se ambientou rapidamente à cidade, a qual dispensou muitos elogios, e também ao time. Em setembro, marcou seu primeiro gol num empate por 2 a 2 com a Atalanta, forneceu uma assistência no triunfo por 2 a 1 sobre a Sampdoria e deu show em San Siro, na impactante vitória por 3 a 1 da Fiorentina sobre o Milan. Com tal desempenho, foi eleito pela liga como o melhor jogador do mês.

Apesar de um cartão vermelho contra a Lazio, que lhe tirou de três rodadas, continuou a atuar bem pela Fiorentina até se chocar com Panagiotis Tachtsidis, numa derrota por 1 a 0 para o Lecce, e lesionar o ligamento colateral medial do tornozelo. Ribéry teve de se submeter a uma cirurgia e só voltou aos gramados em junho de 2020, quando a Serie A foi retomada após o pico da pandemia de covid-19 na Itália. Já treinados por Giuseppe Iachini, os gigliati terminaram o certame na décima posição.

Eleito como craque do ano pelos torcedores violetas, Franck permaneceu na equipe para a disputa da temporada 2020-21 e, dessa vez, não sofreu nenhuma grave lesão. Assim, dentro de suas possibilidades físicas, deu sua contribuição para ajudar a Fiorentina a atravessar um campeonato complicado, concluído na 13ª posição e pontuado por duas trocas de técnico – Iachini começou a campanha, foi substituído por Cesare Prandelli e acabou retornando depois. Jogando no ataque, ao lado de Dusan Vlahovic, marcou dois gols, forneceu seis assistências e ainda sofreu um pênalti.

Após duas temporadas, 51 jogos, cinco gols e 10 participações diretas em tentos, Ribéry deixou a Fiorentina em fim de contrato. Novamente, se imaginava que a aposentadoria bateria à porta do francês. Mas Scarface queria novos desafios e topou um bastante complicado: no início de setembro de 2021, com a Serie A já em andamento, aceitou ser o principal nome da Salernitana, que voltara à elite depois de mais de 20 anos de ausência. Com problemas societários, a equipe teria dificuldades de fazer negócios no mercado e era favoritíssima a ser rebaixada. Franck não deu trela para essas possibilidades.

O craque chegou a ser capitão da Salernitana num ano histórico (Getty)

De fato, a Salernitana se viu em apuros na metade inicial da temporada. Por alguns anos, a agremiação foi presidida por Claudio Lotito, dono da Lazio, e só pode disputar a máxima divisão italiana depois que o empresário cedeu a administração a um truste – afinal, uma mesma pessoa não pode ser proprietária de duas equipes na liga. Todo esse trâmite afetou diretamente a capacidade de o time se reforçar e teve impactos esportivos: no primeiro turno, os grenás somaram apenas oito pontos.

Dentro de campo, o capitão Ribéry tentava manter a Salernitana viva. E, no fim das contas, a sua experiência foi fundamental para a reviravolta exercida no returno, após a compra do clube por Danilo Iervolino, a chegada de reforços e a contratação do técnico Davide Nicola. De forma surpreendente, os campanos protagonizaram uma arrancada na reta final da Serie A e escaparam do descenso na última rodada. Franck contribuiu com três assistências em 23 partidas, além de toda sua sabedoria.

Por conta da permanência na elite, o contrato de Ribéry foi renovado automaticamente por mais uma temporada. Mas, dessa vez, o corpo falou mais alto: após duas partidas e meses lesionado, o francês decidiu antecipar a sua aposentadoria e pendurou as chuteiras em outubro de 2022, aos 39 anos. Ambientado à Itália e às belezas de Salerno, Scarface permaneceu na cidade e no clube, dando início à atividade de assistente técnico de Nicola.

Franck Henry Pierre Ribéry Nascimento: 7 de abril de 1983, em Boulogne-sur-Mer, França Posição: atacante Clubes: Boulogne (2000-02), Alès (2002-03), Brest (2003-04), Metz (2004-05), Galatasaray (2005), Marseille (2005-07), Bayern Munique (2007-19), Fiorentina (2019-21) e Salernitana (2021-22) Títulos: Quarta Divisão Francesa (2001), Copa da Turquia (2005), Copa Intertoto (2005), Campeonato Alemão (2008, 2010, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019), Copa da Alemanha (2008, 2010, 2013, 2014, 2016 e 2019), Copa da Liga Alemã (2007), Supercopa da Alemanha (2012, 2016, 2017 e 2018), Liga dos Campeões (2013), Supercopa Uefa (2013) e Mundial de Clubes (2013) Seleção francesa: 81 jogos e 16 gols