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·17 de novembro de 2021

O Canadá empolga nas Eliminatórias e se permite acreditar: será que finalmente chegou sua vez?

Imagem do artigo:O Canadá empolga nas Eliminatórias e se permite acreditar: será que finalmente chegou sua vez?

*Por Leandro Vignoli

A vitória do Canadá sobre o México pelas Eliminatórias da Concacaf entrou para a história. O país ainda não está classificado para a Copa do Mundo, que seria a sua primeira desde 1986, mas foi de fato histórica para dois jogadores. Cyle Larin, autor dos dois gols no triunfo de 2 a 1 contra os mexicanos, se tornou o maior artilheiro do país, com 22 gols. E o veterano Atiba Hutchinson, 38 anos, que agora lidera as partidas jogadas pela seleção, com 90. E as duas marcas foram cheias de pedras e cascalho pelo caminho.


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Larin, 26 anos, já era considerado por parte da imprensa local um talento perdido. De ascensão meteórica na MLS, Larin fez 43 gols em três temporadas no Orlando City e rumou à Europa, onde flopou no Besiktas e acabou emprestado a um pequeno clube belga. Na seleção, estagnou, com apenas oito gols até 2018, e nenhum deles nas três edições de Copa Ouro que o Canadá fracassou. Cyle Larin era visto no Canadá mal comparando como Alexandre Pato foi para o Brasil. Mas tudo isso mudou em 2021.

Na última temporada, Larin ajudou o Besiktas a ser o campeão turco, com 19 gols, vice-artilheiro da competição. E na seleção, marcou 14 gols só em 2021, quase o dobro do que tinha. E se por um lado foi ajudado por enfrentar babas como Bermuda e Ilhas Cayman, Cyle Larin já provou de grande importância no octogonal final da Concacaf. Marcou contra a pedra-no-sapato Honduras, fez o gol de empate contra os EUA, em Nashville e, claro, os dois contra o México. Cyle Larin agora divide a artilharia histórica do Canadá com a lenda local Dwayne De Rosario – o jovem Jonathan David já aparece em quinto na lista, com 18 gols.

Para Atiba Hutchinson a trajetória é ainda mais tortuosa. Desde 2003 na seleção, Atiba é único jogador remanescente da humilhante derrota por 8 a 1 para Honduras, em 2012, pelas Eliminatórias da Copa de 2014 – em que o Canadá entrou em campo precisando apenas do empate para ir ao hexagonal final. Ele participou de seis edições da Copa Ouro quando o Canadá era eliminado por Cuba, quando fez um bisonho gol contra a favor dos EUA, na derrota para Guadalupe, na virada do Haiti quando vencia por 2 a 0 no segundo tempo. Atiba Hutchinson é o jogador que pode dizer que já estava lá quando tudo era mato.

O veterano volante chegou a considerar a aposentadoria da seleção, mas ao contrário do escocês-canadense Scott Arfield, que declarou “não ver sentido nesses jogos contra Bermuda” (e nunca mais foi convocado), Atiba mudou de ideia para tentar classificar o Canadá para a Copa do Mundo uma última vez. Eleito seis vezes o Jogador Canadense do Ano, um recorde no futebol masculino (Christine Sinclair foi eleita 14 vezes), jogar no Catar seria o ápice do capitão.

Duas gerações, um mesmo lugar

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Cyle Larin, do Canadá (Foto: federação canadense)

Cyle Larin e Atiba Hutchinson desde 2018 jogam juntos no Besiktas, mas desde que nasceram dividem as mesmas raízes: Brampton, Ontário. A cidade de 530 mil habitantes na grande Toronto é um dos grandes centros migratórios do país, com 40% da população do sul da Ásia (Índia, Paquistão) e cerca de 16% de origem negra – os pais de Atiba vieram do Trinidad e Tobago; os de Cyle Larin, da Jamaica. Outros jogadores da seleção, como Doneil Henry, Junior Hoilett e Tajon Buchanan, também são todos de Brampton.

As trajetórias idênticas, porém, param por aí. Cyle Larin, assim como outros dois titulares na vitória contra o México, Buchanan e Richie Laryea, saíram da Sigma FC, uma escolinha particular de futebol, na vizinha Mississauga. E esse é o grande problema que o futebol canadense tem enfrentado ao longo de várias gerações. Quase não existem centros públicos de alto rendimento ou projetos de desenvolvimento desde a base – ainda mais essencial em um país onde metade do ano é impossível jogar em campo externo, por conta do inverno. Sem uma liga profissional (até 2018), tudo ficava na mão de escolinhas privadas, onde crianças têm diferentes níveis, diferentes ambições, e diferentes…contas bancárias. E eventualmente, todos os jogadores de destaque paravam nos três times da MLS, criando um inchaço cheio de joio e trigo

O dono da Sigma FC, fundada em 2005, Bobby Smyrniotis, é o técnico do Forge FC, atual bicampeão da Canadian Premier League. Criada em 2019, a ideia da liga é justamente fomentar categorias de base no Canadá, entre os oito novos times profissionais, onde são obrigados a dar pelo menos 1.500 minutos de jogo combinado a jogadores domésticos sub-21. De uma geração bem anterior, o modelo de Atiba Hutchinson era o de cada-um-por-si, e foi desde jovem tentar a sorte na Europa, em testes no Schalke 04, antes de eventualmente conseguir uma vaga num time sueco (uma trajetória parecida a do goleiro Milan Borjan, Samuel Piette, Jonathan Osorio e tantos outros do elenco do Canadá). Não existe “geração” canadense.

Os coadjuvantes que brilham

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O Canadá em campo contra o México (Foto: federação canadense)

Além da experiência de Atiba, da fase iluminada de Cyle Larin, e dos óbvios destaques Alphonso Davies (Bayern) e Jonathan David (Lille), o Canadá chegou a um time-base durante as Eliminatórias cheio de jogadores ainda jovens.

Tajon Buchanan, 22, foi o grande destaque da (invisível) campanha do Canadá no pré-Olímpico em março (eliminado pelo México nas semis) e eleito o jogador revelação da Copa Ouro em julho (fez o gol na eliminação para o México nas semis), até ganhar a vaga na seleção principal e virar titular do time. Jogador de velocidade no lado do campo, Buchanan também carregou o New England Revolution a uma campanha recorde na MLS, e já está vendido ao Club Brugge, onde deve chegar em janeiro.

Stephen Eustáquio, 24, nasceu no Canadá, mas mora em Portugal desde os sete anos (e chegou a jogar pela seleção sub-21 de Portugal). Destaque do último Portuguesão pelo Paços de Ferreira, deu uma cadência ao meio que o talentoso-mas-sonífero Jonathan Osorio nunca conseguiu.

Alistar Johnston, 23, até dois anos atrás jogava futebol semi-amador. Foi chamado pela primeira vez em março de 2021 e assumiu o protagonismo – foi dele o chute que originou o rebote para o primeiro gol contra o México. Numa zaga ainda bastante fraca, Johnston se encontrou como terceiro zagueiro numa linha de três (ele é lateral direito de origem).

Milan Borjan, 34, é um paredão quando se precisa dele, e deu pra ver contra o México. Experiente, joga há cinco temporadas no tradicional Estrela Vermelha, de Belgrado.

“Ice”teca

A vitória do Canadá contra o México se tornou viral por conta das comemorações na neve à beira do campo e da temperatura de 10 graus negativos na hora do jogo. Mas, tecnicamente, o jogo em Edmonton, no Commonwealth Stadium, foi estratégia de uma Data Fifa só. Exceção feita também à vitória contra a Costa Rica na última sexta, todos os outros jogos do Canadá foram em Toronto, onde o estádio e gramado são melhores. A ideia de um ambiente hostil foi justamente dificultar a México e Costa Rica.

Em Toronto, por exemplo, fazia quatro graus (positivos!) na hora do jogo, e a cidade ainda não viu um centímetro de neve neste inverno. Em Toronto é o único lugar no Canadá com uma significativa presença de mexicanos (uma das grandes vantagens do México quando joga nos Estados Unidos, por exemplo). Em Toronto a grama é natural, ao contrário do campo sintético de Edmonton (usado para a CFL, o futebol canadense), onde a bola corre mais, especialmente num ambiente climático tão avesso quanto a neve.

Funcionou. Foi a primeira vitória contra o México desde 2000 (na Copa Ouro que o Canadá seria campeão) e a primeira pelas Eliminatórias da Concacaf desde 1976 (exatos 45 anos). “Foi uma oportunidade genuína de trazer o lado canadense dos nossos jogadores”, disse o técnico John Herdman, ao jornal Toronto Star. “Todos eles cresceram nesses campos de plástico e lugares muito frios. Queríamos que eles se sentissem como se estivessem em casa.” Alphonso Davies, por exemplo, cresceu em Edmonton.

Contra os EUA, na rodada de janeiro, o Canadá ainda não decidiu o local, mas provavelmente o “Ice”Teca deve ser reservado apenas contra a Jamaica, em março.

Tão perto, mas extremamente longe

Essa é a primeira vez que o Canadá chega à fase final das Eliminatórias desde a Copa de 1998. E ainda que o Canadá tenha chegado até mais longe em 1994 (perdeu a repescagem intercontinental nos pênaltis para a Austrália, que depois perdeu pra Argentina), é possível que seja a grande chance de ir a Copa do Mundo pela primeira vez desde 1986.

O Canadá está invicto, lidera o grupo na virada do ano e faltam seis jogos, mas…

Mas o Canadá ainda não venceu fora de casa na fase final, está apenas dois pontos à frente do quarto colocado, e ainda pega Honduras, El Salvador, Costa Rica e Panamá fora. São apenas três vagas diretas e, caso termine em quarto, pode cair num playoff contra um grande sul-americano (Uruguai? Chile? Colômbia?). Se tem uma coisa que o torcedor canadense mais antigo sabe é que o time sempre encontra um jeito de decepcionar.

Veremos se desta vez é diferente.

*Leandro Vignoli é jornalista etc, escreveu o livro À Sombra de Gigantes: uma viagem ao coração das mais famosas pequenas torcidas do futebol europeu (clique aqui e compre o seu). Também é o dono do perfil Corneta Europa e do blog/newsletter Corneta Press.

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