Calciopédia
·16 de fevereiro de 2022
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No futebol, naturalmente, o jogador diferenciado, isto é, aquele que possui requinte técnico e capacidade de decidir partidas, é o que tem maior facilidade para ter reconhecimento. Há também aqueles que exercem um importante papel cumprindo funções táticas, e nem sempre têm o devido apreço. É o caso de Emanuele Giaccherini, que atuou praticamente em todas as posições entre o meio-campo e ataque ao longo dos 17 anos que dedicou ao esporte, com direito a importante capítulos.
Nascido em Bibbiena, na província de Arezzo, Emanuele cresceu na pequena vila de Talla, que remonta à época da presença dos etruscos na região da Toscana. Em 1995, quando tinha 10 anos, Giaccherini viu o futebol ganhar importância em sua vida: a partir dali, passou a circular por divisões de base de times do país. Passou por Rassina, Arezzo e Bibbiena até rumar o Cesena, aos 16 – transferência facilitada pelo fato de a equipe de sua cidade ter uma parceria com os cavalos marinhos.
Atuando como meio-campista central, Giaccherini se profissionalizou aos 19. No entanto, não fez seus primeiros jogos com a camisa do Cesena: para adquirir experiência, conviveu com três empréstimos nos quatro primeiros anos de carreira, sempre para equipes da Serie C2. Passou por Forlì e depois fez duas temporadas pelo Bellaria Igea Marina.
Na sua segunda temporada pela agremiação romanhola, Giak sofreu uma séria lesão e, desanimado, chegou a cogitar a aposentadoria precoce no futebol. Seu plano B seria trabalhar como operário na Mabo, empresa de construção industrial de Arezzo cujo proprietário era Roberto Falsini, patrocinador da Bibbiena, seu time de infância. Emanuele acabou demovido da ideia graças a Furio Valcareggi (filho de Ferruccio Valcareggi) e Giulio Marinelli, seus dois agentes, que aconselharam-no a permanecer no clube da Emília-Romanha. “Fique aí até que eles notem você”, disseram.
Com sua versatilidade, Giaccherini foi o grande nome da ascesão do Cesena à elite italiana (Getty)
Nova temporada, novo empréstimo, agora ao Pavia. Jogando em posição mais adiantada, como trequartista ou ponta, o baixinho de 1,67m marcou 11 gols em 32 aparições pelos longobardi durante 2007-08 e convenceu o treinador do Cesena, Pierpaolo Bisoli, a apostar em seu futebol. O “loirinho” ajudou os cavalos marinhos a obterem dois acessos seguidos: marcou cinco vezes na campanha do título da terceira divisão e, um ano mais tarde, com oito tentos e uma assistência, contribuiu para o segundo lugar na Serie B, que assegurou a promoção à elite italiana, algo que o clube não vivenciava havia quase duas décadas.
O Giaccherini dos tempos de Cesena já era um jogador versátil: atuava principalmente como meia ou ponta pela esquerda, mas também construía pelo flanco oposto, centralizado ou podia ser escalado como segundo atacante. Estreando nos gramados da elite do futebol italiano, o polivalente toscano foi às redes pela primeira vez na segunda rodada da Serie A, quando selou o triunfo por 2 a 0 sobre o Milan. Seu momento de maior brilho individual ocorreu na 26ª jornada, ao anotar uma doppietta sobre a Sampdoria em um intervalo de dois minutos. Com sete gols e quatro assistências, Giak foi determinante para evitar a queda do time, que acabou na 15ª posição.
Em agosto de 2011, por 3 milhões de euros mais o empréstimo do atacante uruguaio Jorge Martínez, Giaccherini acertou a sua ida para a Juventus, à época treinada por Antonio Conte, que insistiu pela contratação de uma peça que atuasse pelo setor esquerdo. Nos três anos em que esteve no Cesena, o toscano convenceu o técnico por esta característica, pela polivalência e por uma boa contribuição ao ataque – marcou 23 gols em 103 partidas pelos romanholos.
O mais novo reforço da Velha Senhora foi inicialmente escalado como ponta-esquerda em um 4-3-3, mas ao longo da temporada a formação tática mudou para um 3-5-2. O novo esquema, a princípio, indicava uma incompatibilidade para quem atuasse mais pelas beiradas ou não tivesse muita aptidão para defender, mas foi aí que entrou o dedo de Conte, que transformou Giak em um autêntico mezz’ala. Estabelecido na nova função, se tornou opção confiável às eventuais ausências de Andrea Pirlo, Claudio Marchisio e Arturo Vidal, atuando 27 vezes em seu primeiro ano pelos bianconeri, no qual faturou o scudetto.
Na Juventus, o meio-campista italiano ganhou de Conte o apelido de “Giaccherinho”(Getty)
Um episódio engraçado aconteceu durante as oitavas de final da Coppa Italia, contra o Bologna. Giak abriu o placar aos 45 da etapa final e viu Andrea Raggi igualar o marcador nos acréscimos, seis minutos mais tarde. Na prorrogação, Marchisio selou a classificação bianconera. No tento anotado pelo camisa 24, Conte aplaudiu efusivamente e disse: “Giaccherini é o exemplo de como um jogador que chegou à província pode merecer a Juventus, e o provou esta noite. Se ele se chamasse ‘Giaccherinho’, seria muito mais respeitado”.
A recompensa para “Giaccherinho” veio quando Cesare Prandelli, treinador da Squadra Azzurra, o incluiu na lista para a disputa da Euro 2012. Era a primeira convocação da carreira do toscano, que declarou: “Posso ser útil tanto no 3-5-2 como no 4-3-1-2, como extremo sinto-me muito bem e tenho as características técnicas e físicas para tal. O que conta é o desejo, o espírito de sacrifício. Foi assim que acho que convenci Prandelli”, afirmou.
Cheio de moral, surpreendeu muita gente quando foi escalado como titular no primeiro compromisso, contra a Espanha (1 a 1). Para além da pressão de estrear pela Itália logo em uma partida de Euro, ele foi escalado em uma posição que não estava tão habituado: ala pela esquerda no 3-5-2. Sua atuação foi relativamente boa em termos ofensivos, mas a inexperiência na posição fez com que não acompanhasse o lance que originou o gol de empate dos espanhóis, anotado por Cesc Fábregas. Iniciou o jogo seguinte, contra a Croácia, mas depois que Prandelli alterou o esquema, tirando Daniele De Rossi da linha de três zagueiros e adiantando-o para a função de volante, Giaccherini não entrou mais em campo durante a competição. A Itália chegou à decisão e ficou com o vice-campeonato após perder para a Espanha por 4 a 0.
Seu segundo ano em Turim começou com outra taça, a Supercopa Italiana, e após o 4 a 2 sobre o Napoli ele continuou com prestígio sendo um verdadeiro coringa para Conte, que o escalava às vezes aberto pela esquerda e, às vezes, em uma faixa mais central do campo. Neste período, desenvolveu ainda mais sua capacidade tática e teve seis participações diretas para gols: fez três e forneceu três assistências. A Juventus faturou mais um scudetto e Giaccherini foi decisivo, principalmente na 28ª rodada, ao marcar o tento salvador no penúltimo minuto sobre o Catania, quando a disputa estava acirrada entre os bianconeri e os napolitanos.
Giak se transferiu ao Sunderland em busca de espaço, mas acabou perdendo a vaga na Copa do Mundo de 2014 (Getty)
Permanecendo na lista de Prandelli, foi chamado para disputar a Copa das Confederações de 2013, no Brasil. Em um amistoso preparatório contra o Haiti, fez história ao tornar-se o jogador a marcar o gol mais rápido da Azzurra, levando 19 segundos para tal – o duelo terminou em 2 a 2. No primeiro confronto da competição intercontinental, com o placar indicando 1 a 1 contra o México, Giak deu a assistência para o tento da vitória, anotado por Mario Balotelli. Contra o Japão, foi o “mosquito atômico” que construiu a jogada que terminou no gol contra de Atsuto Uchida – àquela altura, o do 2 a 2, mas a Itália acabaria vencendo por 4 a 3. Na terceira partida, contra o Brasil, viu seu time perder por 4 a 2, apesar de ter ido às redes.
O adversário da semifinal era a Espanha. O 0 a 0 insistiu em permanecer no placar e o duelo foi para a prorrogação. Giaccherini poderia ter sido o herói da classificação, mas sua finalização parou na trave de Casillas. O caminho foi a disputa por pênaltis, vencida pelos espanhóis depois que Leonardo Bonucci isolou sua oportunidade e Jesús Navas converteu a cobrança decisiva. Restava o terceiro lugar. Esse tipo de jogo costuma ser um tanto quanto melancólico, mas com tendência a muitos gols. Foi o caso de Itália e Uruguai, que empataram em 2 a 2 e decidiram nas penalidades máximas. A Squadra Azzurra levou a melhor, com Giak acertando sua cobrança antes de Gianluigi Buffon defender chute de Walter Gargano e garantir os italianos entre os três melhores.
Apesar do papel importante que ocupava no elenco da Juventus sempre que atuava, a boa fase, especialmente após a Copa das Confederações, fizeram com que Giaccherini tomasse uma difícil decisão: deixar a Velha Senhora para ter mais minutos em campo em outro lugar. O destino foi o Sunderland, da Inglaterra, cujo treinador era Paolo Di Canio: os Black Cats desembolsaram a quantia de oito milhões de euros, além de eventuais bonificações referentes a metas.
As coisas não aconteceram, Di Canio foi demitido ainda em setembro (Gus Poyet assumiu depois do interino Kevin Ball), e Giak acabou parando no banco de reservas no final da temporada. Os Black Cats avançaram à final da Copa da Liga Inglesa naquele ano, mas foram batidos pelo Manchester City por 3 a 1 – Giaccherini entrou em campo por volta dos 30 minutos do segundo tempo.
Ano fantástico pelo Bologna serviu para Giaccherini recuperar seu prestígio no cenário nacional (Getty)
O mosquito atômico quase não atuou nos dois anos seguintes por conta de lesões nos dois tornozelos e perdeu cada vez mais espaço – também por conta das rusgas que surgiram com o novo técnico, o holandês Dick Advocaat. Como consequência da falta de ritmo, não foi chamado por Prandelli para a lista final da Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Precisando respirar novos ares, retornou à Emília-Romanha através de empréstimo ao Bologna, onde voltou a desempenhar um bom futebol marcando sete gols na Serie A, importantíssimos para livrar os rossoblù do descenso. A boa forma fez com que Giak se reencontrasse com Conte, agora treinador da Nazionale, e que convocou o ex-queridinho dos tempos de Juventus.
Ao longo das Eliminatórias da Euro 2016, Giaccherini voltou a figurar com constância no selecionado nacional e reconquistou seu espaço em meio à ausência de opções para o setor de meio-campo: Marchisio havia rompido o ligamento cruzado do joelho esquerdo, enquanto Marco Verratti, com uma hérnia inguinal, seria submetido a um procedimento cirúrgico. Riccardo Montolivo, outra reposição natural ao setor, também era baixa por conta de uma lesão na panturrilha.
Imprensa e boa parte dos torcedores criticaram a lista final e a escolha de um jogador que era reconhecido por suas qualidades, mas que não agregava a criatividade que a equipe carecia. Pois Giaccherini, escalado entre os titulares para a estreia, contra a Bélgica e sua poderosa geração, justificou o voto de confiança do treinador marcando o gol que abriu o placar, aos 32 minutos, após aproveitar belo lançamento de Bonucci. Dali em diante, foi o dono da partida e regeu o time. Nos minutos finais, Graziano Pellè sacramentou a vitória italiana por 2 a 0.
No segundo confronto, contra a Suécia, deu cruzamento perfeito para Marco Parolo, seu ex-colega de Cesena, que testou no travessão – a Squadra Azzurra venceu por 1 a 0, com gol de Éder. Na peleja que fechou a fase de grupos, os italianos amargaram derrota pelo placar mínimo para a Irlanda. No mata-mata, os azzurri encararam a Espanha nas oitavas e venceram por 2 a 0. No primeiro tento, Éder cobrou falta, Thibaut Courtois deu rebote e Giaccherini chegou dividindo. Na sobra, Giorgio Chiellini empurrou para as redes. Já no finalzinho, Pellè deixou o dele e selou a ida às quartas, onde a Itália caiu nos pênaltis para a Alemanha após empate por 1 a 1 no tempo normal – Giak converteu a sua cobrança. Apesar da eliminação, o baixinho foi um dos grandes destaques do time ao potencializar o jogo coletivo da equipe de Conte, ratificando que, sob o comando do treinador, podia encontrar a sua melhor versão.
Pelo Napoli, o baixinho teve o momento menos impactante de sua trajetória no alto escalão italiano (Getty)
Em alta mais uma vez graças à boa passagem pelo Bologna e ao excelente desempenho na Eurocopa, Emanuele fechou com o Napoli, vice-campeão italiano na temporada anterior. Mas a passagem pelos azzurri não deu nada certo e ele quase não teve espaço por lá. Uma lesão muscular impediu que ele tivesse sequência e, quando voltou a ter condições de jogo, segundo o próprio Giaccherini, Maurizio Sarri o escalou de forma equivocada, como uma espécie de substituto de José Callejón.
O baixinho foi titular somente três vezes, sendo duas na Coppa Italia. Nessas ocasiões, Giak anotou seus únicos dois gols pelos partenopei – ante Spezia e Genoa. Sua passagem por Nápoles durou um ano e meio, nos quais somou apenas 504 minutos em campo, e ele continuou a criticar Sarri, alegando que o treinador não foi capaz de administrar o elenco.
Giaccherini desembarcou em Verona na janela de inverno de 2017-18 para defender o Chievo, último destino de sua carreira. Atuou 13 vezes e marcou três gols, sendo peça importante e ajudando a garantir a permanência dos gialloblù nas Serie A. O ano seguinte, contudo, foi bem diferente.
As dificuldades começaram quando o time foi penalizado com a perda de três pontos em virtude da falsificação de balanços contábeis. O Céo, enfraquecido e envelhecido em relação ao ano anterior, passou pela mão de três treinadores diferentes (Lorenzo D’Anna, Gian Piero Ventura e Domenico Di Carlo), amargou a lanterna, teve o pior ataque (25 gols marcados), a pior defesa (75 sofridos) e somou míseras duas vitórias ao longo das 38 rodadas. Um completo desastre.
No fim de carreira, Giaccherini foi um dos poucos jogadores que honraram a camisa de um decadente Chievo (Getty)
Com a Serie B no horizonte, Giak, que atuou em 26 compromissos na fatídica campanha da queda, decidiu permanecer no clube. Em pouco tempo, se tornara querido pela torcida por conta de sua dedicação. Na terceira rodada, contra o Venezia, o jogador de 34 anos marcou um dos tentos na vitória por 2 a 0, mas sofreu lesão na coxa e ficou de fora dos gramados por cerca de dois meses. Plenamente recuperado, voltou com uma cobrança decisiva de pênalti, no finalzinho, que garantiu o triunfo por 2 a 1 sobre o Crotone. O Chievo terminou na sexta colocação e teve o direito de disputar os playoffs de acesso, mas acabou parando na semifinal, quando o critério do gol fora de casa classificou o Spezia, após 3 a 3 no placar agregado.
A temporada 2021-21 marcou a despedida de Giaccherini do futebol. O desfecho não foi dos melhores porque o Chievo acabou excluído do futebol profissional devido ao acúmulo de dívidas; os débitos bateram na casa dos 20 milhões de euros. Em meio a todo esse caos e sem investidores interessados, o clube acabou não se inscrevendo para nenhum torneio e passou apenas a trabalhar em nível juvenil.
A última partida de Giaccherini como atleta profissional se deu em uma derrota por 3 a 1 para o Venezia, em maio, pelas semifinais dos playoffs de acesso à elite. Segundo o próprio meio-campista, a decisão pela aposentadoria, aos 36 anos, não foi por falta de convites para continuar jogando, mas por causa do cansaço e das lesões que acumulou ao longo de sua trajetória. Em seu melhor período pelos gialloblù, cumpriu bem o papel de articulador e, quando preciso, demonstrou toda sua polivalência atuando pelos lados, como volante e até mesmo como centroavante. Costumava ser ponto de criação do time, que representou em 78 ocasiões, com 13 gols anotados.
O jogador pequenino que transformou a baixa estatura em vantagem, fazendo-se valer da agilidade que dispunha para executar dribles rápidos e deixar os defensores para trás, rodou por alguns clubes e conquistou o respeito de todos com sua entrega, disciplina e aptidão para desempenhar múltiplas funções. Após pendurar as chuteiras, tornou- se comentarista da Serie A pela DAZN.
Emanuele Giaccherini Nascimento: 5 de maio de 1985, em Bibbiena, Itália Posição: meio-campista Clubes: Forlì (2004-05), Bellaria Igea Marina (2005-07), Pavia (2007-08), Cesena (2008-11), Juventus (2011-13), Sunderland (2013-15), Bologna (2015-16), Napoli (2016-18) e Chievo (2018-21) Títulos: Lega Pro Prima Divisione (2009), Supercopa Italiana (2012) e Serie A (2012 e 2013) Seleção italiana: 29 jogos e 4 gols