Trivela
·02 de dezembro de 2022
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·02 de dezembro de 2022
André Ayew era um mero espectador naquele jogo do Soccer City. Suspenso, o garoto prodígio da seleção de Gana ficou de fora nas quartas de final contra o Uruguai. No máximo, pôde consolar os companheiros pela derrota agonizante nos pênaltis, depois da chance desperdiçada por Asamoah Gyan. Após 12 anos, o camisa 10 é o único remanescente no Catar daquela epopeia mundialista dos Estrelas Negras. De novo contra os uruguaios, seria a vez de se ver na marca da cal. A chance de conceder um mínimo alento ao antigo companheiro e de lavar a alma dos compatriotas. Porém, a responsabilidade pesou demais. Dedé desperdiçou o penal. Em vez de redimir Gyan, ele se juntou ao ex-atacante na amargura. Ambos parcialmente aliviados apenas pelo goleiro Lawrence Ati-Zigi. Foi ele quem ofereceu a mínima revanche a Gana. O time perdeu por 2 a 0 e sucumbiu na fase de grupos, mas, ao impedir o terceiro tento celeste, o goleiro provocou ao menos um motivo para os ganeses celebrarem: a queda daqueles que significaram o gosto de fel 12 anos atrás.
André Ayew parecia o personagem perfeito para uma reviravolta na história. O filho de um grande símbolo de Gana. O menino que o país inteiro idolatrou e aprendeu a aplaudir desde cedo. O prodígio daquele time de 2010, que guardou tantos sonhos mundialistas na África do Sul. Dá para se questionar o patamar que a carreira de Dedé alcançou. Teve bons momentos por Olympique de Marseille e Swansea, mas não que tenha se tornado um craque incontestável. Na seleção ganesa, ainda assim, ele seguiu representando muito. Virou uma referência da equipe presente na Copa de 2014. E, ausente em 2018, tentava dar uma volta por cima rumo a 2022.
O ciclo seria conturbado para André Ayew. Gana quase parou na fase de grupos das Eliminatórias. Precisou vencer África do Sul num jogo tenso, decidido apenas com um pênalti pessimamente assinalado. André Ayew assumiu a responsabilidade e converteu, levando os ganeses à fase decisiva. Entretanto, o capitão saiu como vilão da Copa Africana de Nações em 2022. Era treinado por Milovan Rajevac, o mesmo responsável pelas quartas de final no Mundial de 2010. Entretanto, os Estrelas Negras fizeram sua pior campanha na história do torneio continental. A vexatória derrota para Comores na rodada final teve Ayew expulso logo aos 25 minutos, prejudicando demais sua equipe.
André Ayew não voltou ao time para os duelos decisivos das Eliminatórias contra a Nigéria. Viu de longe seus companheiros buscarem a classificação com dois empates. Mas ganhou a anistia do técnico Otto Addo. Voltou para recuperar a braçadeira de capitão e ser o mais experiente de um elenco jovem para a Copa de 2022. Era o único sobrevivente de 2010. E parecia carregar certa mística. Anotou gol na estreia contra Portugal, apesar de sacado logo depois, antes que a derrota desandasse. Também fez papel razoável na vitória sobre a Coreia do Sul. Isso até que se reencontrasse com o Uruguai. Isso até que disputasse o jogo que escapou 12 anos antes.
O pênalti aos 15 minutos do primeiro tempo era a oportunidade perfeita para André Ayew. Quem mais competente para assumir a responsabilidade? É o capitão, é o cobrador oficial, é o jogador mais vivido da seleção. Porém, as memórias devem ter tomado a sua cabeça naquele instante. Chamar alguém traumatizado por 2010, afinal, também era uma temeridade. Por que reviver os fantasmas? Falar depois é fácil. Fato é que, entre a liderança do capitão e as lembranças daquele antigo prodígio, preponderaram as últimas. Ayew foi péssimo na cobrança. Facilitou demais o trabalho do goleiro Sergio Rochet.
André Ayew nem voltou do intervalo. Saiu do time assim como o irmão mais novo, Jordan Ayew. Gana fazia uma péssima partida e melhorou com as entradas dos garotos. Osman Bukari e Kamaldeen Sulemana ajudaram bem mais Mohammed Kudus, com sobras o melhor ganês desta Copa. Todavia, os Estrelas Negras ficaram distantes de recuperar os 2 a 0 que já tinham tomado no placar. O time havia desabado com o pênalti perdido. E quem evitou uma derrota maior foi o goleiro Lawrence Ati-Zigi. O responsável por infligir outro tipo de trauma para o Uruguai, mesmo com a vitória celeste.
Zigi nem deveria ser o titular na Copa. O dono da posição, Joe Wollacott, sofreu uma fratura durante o aquecimento do último jogo com o Charlton, seu time da terceira divisão inglesa. Existiam desconfianças se o substituto daria mesmo conta do recado. O arqueiro de 26 anos não tinha impressionado tanto nas poucas chances em que havia atuado com os Estrelas Negras. Mas parecia ter uma bagagem suficiente para lidar com uma Copa do Mundo, ao menos nas parcas opções dos ganeses para a sua posição. Formado pelo Red Bull Gana, passou pelo Liefering (a filial do Salzburg) e pelo Sochaux, antes de assumir a posição no St. Gallen a partir de 2020. Teria que transmitir segurança.
Durante as primeiras partidas, Zigi deu conta do recado. Os cinco gols sofridos por Gana eram mais consequência de uma defesa aberta do que necessariamente culpa do goleiro. Muito pelo contrário, ele seria um dos responsáveis pela vitória sobre a Coreia do Sul, com boas defesas. E se não fez tanto nos dois tentos do Uruguai nesta sexta, o camisa 1 decidiu se agigantar na etapa final. A Celeste precisava de apenas um gol para a classificação, mas esbarrou nas ótimas defesas do arqueiro.
Zigi se agigantou no segundo tempo. Acaba se tornando o símbolo da frustração do Uruguai, que André Ayew não conseguiu ser. Quando Edinson Cavani parecia desferir uma cabeçada fatal, o goleiro operou um milagre. Não ia valer de qualquer forma, com o impedimento do atacante, mas era uma pancada no moral dos adversários. Maxi Gómez mandou uma paulada de longe e Zigi foi buscar, com um tapa no cantinho. O último suspiro seria na falta de De la Cruz. Defesa fácil do camisa 1.
Ao apito derradeiro, a torcida de Gana no estádio ainda comemorou. Não a classificação, mas sim a desgraça do Uruguai. É esse o tamanho do amargor em relação a 2010. André Ayew poderia ter concedido uma história ainda melhor, mas sai com seu próprio pesadelo. O recordista em partidas pela seleção falhou. Ao menos, os ganeses contaram com um goleiro pouco conhecido que virou o mínimo herói. Não garantiu a classificação, mas também não permitiu que o odiado oponente comemorasse na sua frente.