Calciopédia
·01 de dezembro de 2022
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A década 2000 é um marco na renovação da seleção japonesa. É a época mais fértil de meias talentosos dos Samurais Azuis, que passaram a ser figurinhas carimbadas em todas as Copas do Mundo no século atual. Hidetoshi Nakata, Shinji Ono e Shunsuke Nakamura brilharam na Europa e elevaram a atenção dos clubes do continente à geração seguinte, representada por Shinji Kagawa e Keisuke Honda. Um dos pioneiros na abertura do mercado asiático ao exterior, ao lado da lenda Kazuyoshi Miuri e de Nakata, Hiroshi Nanami não prosperou na passagem pelo Venezia, como os sucessores – apesar de adquirir o status de lenda no futebol nipônico. Até hoje, na Itália, é mais lembrado como “golpe de marketing” do presidente Maurizio Zamparini.
Ele debutou no futebol profissional com apenas 23 anos, como era comum no Japão do início da década de 1990. Antes disso, jogou pelos times de sua escola e da Universidade de Juntendo, onde se graduou. O primeiro clube de Nanami foi o Júbilo Iwata, que lhe contratou em 1995, apesar de suas incertezas em adquirir a força e velocidade necessárias para ascender no esporte. Ao longo de sua trajetória, porém, se deparou com companheiros de equipe renomados internacionalmente, que o moldaram como atleta.
“Tive o privilégio de jogar com alguns jogadores maravilhosos. No entanto, ter companheiros como Salvatore Schillaci, Masashi Nakayama e Naohiro Takahara definiu meu papel com mais eficiência”, afirmou Nanami. Gerald Vanenburg e Dunga são outros colegas aos quais se afeiçoou. “Aprendi muito com Vanenburg, e Dunga sempre deu as instruções corretas para cada situação. Então, quando minha carreira acabou, tentei passar o que aprendi para os atletas mais jovens”.
O meia-atacante agradou em suas duas primeiras chances na seleção japonesa, mas enfrentou críticas ao ser escolhido como o novo dono da camisa 10 – especialmente na fraca campanha nipônica na Copa da Ásia de 1996. Durante as Eliminatórias da Copa do Mundo de 1998, Hiroshi foi recuado, enquanto Nakata ganhou espaço à frente. Ele se tornou referência na construção de jogo dos Samurais Azuis, estruturados em um 3-5-2, e ajudou na trajetória que levou a equipe à França, na inédita participação do Japão em Mundiais. Nanami disputou os duelos contra Argentina, Croácia e Jamaica, sem conseguir impedir que os asiáticos fossem eliminados sem pontos.
Por outro lado, sua influência na J-League e no futebol da Ásia fez barulho. Após conquistar o título nacional em 1998 e o da Champions League da AFC no ano seguinte, pelo Júbilo Iwata, ele entrou no radar do Venezia, na companhia de um conhecido do torcedor brasileiro: Dejan Petkovic, à época no Estrela Vermelha. Inspirado pela performance de Nakata no Perugia, o diretor esportivo Giuseppe Marotta levou mais um japonês para a Velha Bota, como reposição a Álvaro Recoba, de saída após ser peça fundamental na permanência na elite, ao lado do técnico Walter Novellino, que recusou a proposta de renovação e foi para o Napoli.
Nanami e Petkovic reforçaram o Venezia no fim dos anos 1990 (Allsport)
Além dos critérios técnicos, havia motivações extracampo para a contratação de Nanami, que estava prestes a completar 27 anos. Zamparini, que era um presidente pitoresco e gostava de situações midiáticas, tinha muito em comum com Luciano Gaucci, dono do Perugia. O cartola do Venezia entendia que Nakata havia projetado a fama do time biancorosso mundialmente, e conseguido bons resultados especialmente no Japão, um grande mercado consumidor. A ideia do empresário era repetir a experiência em Veneza, uma cidade com vocação turística – bem diferente da pacata capital da Úmbria.
O Japão figura entre os dez países que mais fornecem visitantes a Veneza todos os anos. Segundo pesquisas, a capital do Vêneto é, inclusive, a cidade italiana mais amada pelos nipônicos, superando Roma e Florença. Publicamente, no entanto, Zamparini negava que a contratação de Hiroshi se relacionasse a esse fator. “Esta não é uma operação comercial para atrair mais turistas a Veneza. Contratamos Nanami porque ele é o melhor jogador japonês em circulação. E ele será protagonista aqui também”, afirmou.
Fora das estatísticas de turismo, Nanami chegava para ficar – ao menos era o desejo do jogador e do clube que o empréstimo de um ano fosse convertido em transferência em definitivo, com o acionamento da opção de compra. Hiroshi desembarcou cercado de expectativas e até fez um comercial da Adidas ao lado de Alessandro Del Piero, da Juventus. Schillaci, seu ex-companheiro no Júbilo Iwata, garantiu se tratar de um baita negócio. “No Japão, ele era um dos melhores. É um especialista de canhota, pode fazer o que quiser com aquele pé. Ele me lembra Giuseppe Giannini”. O nipônico, por sua vez, dizia se inspirar em Gheorghe Hagi e Fernando Redondo.
O presidente Zamparini, que considerava Hiroshi como o melhor japonês em atividade, compartilhava da confiança demonstrada por Schillaci. “Nanami não é o mesmo tipo de jogador que o Recoba, por isso contratamos o Petkovic. Mas ele tem o mesmo talento do Recoba”. Em línguas românicas, “Nanami” significa mais ou menos “onda bonita”. Enquanto os italianos aguardavam o impacto de uma tsunami na equipe, a enorme pressão jogava contra o meia.
“Acredito fortemente que irei me encaixar ao Venezia e serei útil no time”, afirmou o otimista Nanami. Luciano Spalletti, novo comandante arancioneroverde, adotou uma postura mais moderada e fez um adendo sobre a mudança de ritmo em relação ao futebol japonês. “Ele tem muitas qualidades e está disposto a mergulhar nessa aventura para encontrar algo novo. Terá que trabalhar, principalmente para pensar mais rápido e se adequar ao fluxo do jogo”.
Nanami chegou ao futebol italiano na esteira do sucesso de Nakata, seu compatriota (Allsport)
E, de fato, o jogador sofreu para se adaptar dentro e fora do campo. Sem conhecer o idioma, o camisa 7 do Venezia não compreendeu bem as palestras de Spalletti. Até conseguiu mostrar técnica e visão de jogo, mas não acompanhou a velocidade dos companheiros e a dos adversários.
O caos tomou conta do Venezia, que teve Spalletti em duas passagens e também Giuseppe Materazzi e Francesco Oddo como técnicos naquela temporada – curiosamente, os pais dos tetracampeões mundiais Marco Materazzi e Massimo Oddo. Petkovic deixou o time após seis meses e Nanami, que acabou ganhando mais atribuições com a saída do sérvio, cumpriu o contrato.
Hiroshi jogou 24 vezes pela Serie A e marcou um gol, contra a Udinese, além de fornecer assistências ante as equipes de Roma. Apenas 13 dessas partidas foram disputadas no onze inicial do Venezia e só sete foram completas. O desempenho do nipônico foi melhor na Coppa Italia, na qual foi titular absoluto dos lagunari, que chegaram até as semifinais e caíram para a campeã Lazio, treinada por Sven-Göran Eriksson. Também deixou o dele diante do Pescara, no decisivo jogo de volta da segunda fase.
Ao fim da temporada, Nanami arrumou as malas sem ter o sentimento de dever cumprido. Pior: além da eliminação nas semifinais da Coppa Italia, o Venezia amargou a 16ª posição da Serie A e, consequentemente, retornou para a segunda divisão. O Perugia de Nakata, por sua vez, evitou o descenso de maneira confortável e Hide, com ótimo desempenho, se transferiu para a Roma com o campeonato em andamento – e, no ano seguinte, faturaria o scudetto pela Loba. O reflexo de planejamento e métodos de trabalho diferentes, mas ajustados à realidade de cada contratação.
Atualmente técnico no Matsumoto Yama, da terceira divisão japonesa, o ex-meia comentou sua passagem no futebol italiano. “Eu estava cheio de confiança quando fui para a Itália, mas tive dificuldade em me adaptar ao estilo de jogo diferente, superar a barreira do idioma e outras coisas”, disse ele. “No entanto, aquela temporada me ajudou a amadurecer como jogador e como pessoa, e senti que era um profissional melhor quando voltei ao Japão”, completou.
Entre altos e baixos, o japonês não deu o retorno esperado ao Venezia (Allsport)
Quando o Venezia voltou à elite italiana, em 2001, Nanami não olhou para trás. Ele já havia retornado ao Júbilo Iwata e colocado a carreira no lugar. Inclusive, logo após deixar os leões alados, mostrou sua qualidade ao comandar o Japão na campanha do título da Copa da Ásia de 2000, com três gols marcados e o prêmio de MVP da competição.
Na sequência da carreira, Nanami se fez presente no Time da Temporada da J-League pela quarta vez na carreira, em 2002. Entretanto, perdeu a chance de jogar a Copa do Mundo daquele ano, justamente no próprio Japão, devido a uma lesão no joelho. Na prática, esta contusão foi responsável por encerrar a sua passagem pelos Samurais Azuis e reduziu consideravelmente o seu desempenho.
Hiroshi ainda atuou pelo Júbilo Iwata até 2008, com um período emprestado a Tokyo Verdy e Cerezo Ozaka entre 2006 e 2007. Deu um ponto final à carreira em 2008, após a terceira passagem pelos azuis – que ainda comandou como treinador, de 2014 a 2019, antes de sua experiência pelo Matsumoto Yama. Nanami foi um jogador de técnica incontestável, mas acabou engolido pela tsunami do futebol europeu e submergiu na Lagoa de Veneza.
Hiroshi Nanami Nascimento: 28 de novembro de 1972, em Fujieda, Japão Posição: meio-campista Clubes: Júbilo Iwata (1995-99, 2000-06 e 2007-08), Venezia (1999-2000), Cerezo Ozaka (2006-07) e Tokyo Verdy (2007) Títulos: J-League (1997, 1999 e 2002), Copa da Liga Japonesa (1998), Liga dos Campeões da AFC (2000), Copa da Ásia (2000), Copa do Imperador (2003) e Supercopa do Japão (2003 e 2004) Carreira como técnico: Júbilo Iwata (2014-19) e Matsumoto Yama (2021-hoje) Seleção japonesa: 67 jogos e 9 gols
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