Calciopédia
·21 de outubro de 2024
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“Nikola Kalinic é o futuro do futebol croata”. Foi assim que o jovem atacante foi descrito no ano de 2008 pelo então treinador da seleção da Croácia, Slaven Bilic. Pivô de qualidade, bom finalizador e fisicamente privilegiado, o jogador reunia características para ser um centroavante de alto nível na Europa e marcante na até aqui curta, porém impactante história dos xadrezes na modalidade. A realidade, porém, tende a pregar peças nas projeções, por mais seguras que elas possam parecer, e foi o caso do atleta, que defendeu quatro clubes da Serie A.
Visto como um garoto diferenciado na Croácia, Kalinic iniciou sua carreira profissional em 2006, aos 18 anos, no Hajduk Split, onde havia feito sucesso nas categorias de base, chamando a atenção de diversos olheiros do mercado nacional. Contudo, o começo de trajetória não foi como o esperado, tendo tido a oportunidade de jogar menos de 20 minutos antes de ser emprestado para o Pula, que mais tarde passaria a se chamar Istra, também croata, por seis meses.
O jovem, apesar de ter tido pouco tempo, conseguiu se desenvolver e ter momentos de importância, se tornando titular e contribuindo com três gols e uma assistência em 12 jogos, mesmo estando em um dos piores times da primeira divisão croata – que acabaria rebaixado, aliás. O bom trabalho foi reconhecido na metade de 2006-07, quando o Sibenik, uma das principais equipes da Croácia, o contratou por empréstimo para finalizar a temporada.
Em um clube de mais tradição e com maior concorrência, seria normal que um jogador em início de carreira tivesse dificuldade de adaptação, mas Kalinic rapidamente chegou à titularidade, disputando oito jogos com a equipe e deixando mais três tentos. Números importantes, quando se coloca em perspectiva a idade do atleta e o pouco tempo para buscar entrosamento com os companheiros – e que foram reconhecidos pela jornal Vecernji list, que o premiou como revelação croata de 2007. As duas temporadas seguintes, porém, retornando ao Hajduk após o período de empréstimos, foram aquelas em que o centroavante deslanchou.
Já mais experiente, Nikola foi extremamente importante na campanha dos bili na liga nacional, que teve um resultado melancólico de quinto lugar. O jogador, porém, cumpriu seu papel, marcando 17 gols e ainda dando seis assistências em 25 jogos. O atacante se tornou um pilar tão importante do time que, sem ele em campo, foram oito partidas com quatro derrotas e apenas uma vitória. Também foi neste período que Kalinic foi convocado pelas primeiras vezes para a seleção croata.
Kalinic chegou à Fiorentina como aposta e superou desconfianças: em Florença, viveu os melhores momentos de sua carreira (Getty)
A época seguinte, individualmente, foi parecida, com sua participação em 24 tentos, dos quais 18 ele marcou e seis, assistiu, em 32 jogos. Mais uma vez, o atacante foi o líder técnico de seu time, que fez um bom Campeonato Croata, terminando na segunda colocação e, em dado momento, ameaçando a soberania do Dinamo Zagreb. Chegava a hora, então, de alçar novos voos, e assim Kalinic desembarcou na Inglaterra, como novo reforço do Blackburn Rovers, que à época disputava a Premier League.
Em uma liga muito mais intensa e competitiva do que estava acostumado, Kalinic teve dificuldades para se adaptar, chegando a jogar quatro partidas pela equipe sub-21, pela qual balançou as redes uma vez. Após duas temporadas discretas, alternando entre titulares e reservas, o croata deixou o clube inglês em 2011, deu um passo atrás na carreira e se mudou para o ucraniano Dnipro. Lá, viveu grandes momentos e se estabeleceu durante quatro anos, marcando 49 gols em 125 jogos, até decidir voltar a um grande centro. Desta vez, o destino seria a Itália.
A carreira do croata o levou para a Fiorentina, onde teve duas temporadas de destaque, sob o comando do português Paulo Sousa. Naquela época, a equipe violeta vinha de anos positivos, embalada pela gestão de Vincenzo Montella, e tanto a escolha pelo treinador quanto a do camisa 9, Kalinic, foram vistas como apostas.
O técnico havia obtido títulos em países menos expressivos no futebol (Hungria, Israel e Suíça) e chegado às oitavas da Champions League com o Basel, enquanto o atacante não era considerado um goleador nato e tinha um currículo de altos e baixos. Quando fechou com a Fiorentina, Kalinic já tinha disputado duas Euros pela Croácia, mas sem entrar em campo na edição de 2012. De quebra, ficara de fora da Copa do Mundo de 2014. O centroavante também ajudou o Dnipro a ser finalista da Liga Europa, em 2015, e, na decisão, até marcou na derrota para o Sevilla, que eliminara os violetas nas semifinais, mas não esteve entre os grandes destaques do time ucraniano na campanha do vice.
Pode-se dizer que ambos superaram as desconfianças. Kalinic marcou seu primeiro gol na Liga Europa, numa derrota caseira da Fiorentina contra o Basel, antigo time de Sousa. Poucos dias depois, reencontrou as redes na vitória sobre o Bologna, no Dérbi dos Apeninos e, na semana seguinte, fez barba, cabelo e bigode em San Siro: a Viola aplicou 4 a 1 sobre a Inter e o croata anotou uma tripletta. O último jogador gigliato a balançar as redes três vezes no estádio havia sido simplesmente Gabriel Batistuta, num triunfo sobre o Milan, em 1998.
Transferência ao Milan poderia significar voos mais altos para o Condor, mas o sucesso ficou apenas no campo das ideias (Getty)
Tendo Josip Ilicic e Federico Bernardeschi como principais companheiros de ataque, Kalinic, cujo apelido era Condor, devido a seu físico longilíneo e a seu estilo aproveitador, como uma ave de rapina, seguiu mostrando serviço ao longo de 2015-16, com gols em derrotas para Napoli e Juventus ou com a doppietta no empate no clássico com o Empoli. Entretanto, foi contestado pela improdutividade no returno da Serie A, período em que encontrou as redes em apenas duas ocasiões. Ainda assim, foi o vice-artilheiro da equipe, com 13 tentos, e contribuiu para a quinta colocação no Italiano.
No verão do hemisfério norte em 2016, o atacante participou da Euro 2016 na condição de reserva da Croácia, mas marcou o mais belo gol dos xadrezes no torneio: aproveitando cruzamento do então interista Ivan Perisic, usou o calcanhar para iniciar a virada sobre a Espanha, que deu à sua seleção a liderança do Grupo D. Depois da eliminação croata para Portugal, nas oitavas, voltou para a Itália e teria um ano ainda melhor com a Fiorentina, ao menos individualmente.
Se a Viola ficou apenas na oitava posição da Serie A e amargou eliminações precoces na Coppa Italia e na Liga Europa, Kalinic teve um ano mais prolífico: foram 20 gols, além de cinco assistências, em 41 jogos. Um desempenho que lhe rendeu a artilharia da equipe. Em 2016-17, o croata voltou a balançar as redes de grandes (Inter, Milan, Lazio e Juventus, duas vezes) e foi decisivo para vitórias sobre os laziali, a arquirrival de Turim e também naquelas contra Bologna, Sassuolo e – com uma tripletta – Genoa.
Seu bom momento, realçado pelos 33 gols em 84 aparições pela Fiorentina, resultou num acordo com um gigante italiano que buscava se restabelecer no cenário nacional. Assim, o centroavante se mudou, por empréstimo com obrigação de compra, para a capital da Lombardia, sendo uma das novas contratações do Milan, que foi buscar Leonardo Bonucci, Ricardo Rodríguez, Andrea Conti, Franck Kessié, Hakan Çalhanoglu, Lucas Biglia, Fabio Borini e André Silva naquele verão de 2017.
A passagem do croata pelo time rossonero, porém, foi muito abaixo do esperado. O clube vivia um de seus piores momentos na história e, desorganizado fora das quatro linhas, sentia os reflexos dos problemas externos dentro de campo. Kalinic acabou sucumbindo e perdeu o poder de decisão mostrado na Fiorentina – a rigor, só foi bem mesmo ao anotar uma doppietta em vitória por 2 a 1 sobre a Udinese. Em 41 jogos, guardando somente seis bolas nas redes, ativando a lei do ex sobre a Viola, num 5 a 1 na última rodada da Serie A, e ficou marcado por um gol contra na derrota por 4 a 0 para a Juventus, na final da Coppa Italia. Além do vice no mata-mata nacional, o Milan caiu nas oitavas da Liga Europa e foi sexto colocado no Italiano.
Uma passagem pouco prolífica pela Roma mostrou que Kalinic estava mesmo em decadência (LaPresse)
Apesar da má fase, o Condor foi convocado pelo técnico Zlatko Dalic para jogar a Copa de 2018, em que a Croácia sairia vice-campeã. Kalinic era reserva de uma equipe com bons valores ofensivos, como Mario Mandzukic e o já citado Perisic, além do lendário Luka Modric. Na estreia da competição, uma vitória por 2 a 0 contra a Nigéria, o jogador se recusou a entrar em campo para participar dos cinco minutos finais da partida, alegando dores nas costas. Antes, havia dito o mesmo para não atuar num amistoso contra o Brasil e ser dispensado de um treinamento.
No fim das contas, o técnico croata optou por dispensar o jogador, conhecido por episódios de insubordinação e pouco empenho, sobretudo no Milan, e o mandou para casa. Segundo Dalic, porque queria que todos seus atletas estivessem fisicamente aptos. O atacante perdeu a oportunidade de chegar a uma final da competição mais importante do esporte mundial e, depois disso, nunca mais foi convocado. Kalinic até teve direito a receber a medalha de prata, mas recusou.
Nikola não deixava saudades na seleção croata e isso se repetiu no Milan, que decidiu negociá-lo no verão europeu de 2018 – e por um valor inferior ao desembolsado para tirá-lo da Fiorentina. Os rossoneri, que haviam repassado 22,5 milhões à equipe de Florença, venderam Kalinic ao Atlético de Madrid por 14,5 mi. Aos 30 anos, o centroavante deu, então, sequência ao processo de decadência em sua carreira, que se deu imediatamente após o ápice
O caminho ladeira abaixo do croata foi marcado por uma temporada sem brilho no Atlético de Madrid, na qual foi um reserva pouco utilizado, e foi seguida por um empréstimo à Roma no último dia da janela de transferências de verão em 2019-20. Kalinic substituiria Patrik Schick, cedido ao RB Leipzig, na condição de reserva de Edin Dzeko. Os giallorossi tinham a opção de compra do seu passe.
O Condor foi pouco utilizado por Paulo Fonseca durante a temporada, concluída na quinta posição da Serie A e com eliminações precoces na Coppa Italia e na Liga Europa. Kalinic fez 19 jogos, sendo somente sete como titular, e marcou cinco gols – os dois primeiros, somente em março de 2020, pela 26ª rodada do Italiano, em vitória sobre o Cagliari. Entretanto, negando a realidade e adotando uma postura complacente consigo mesmo, ele avaliou a sua contribuição como positiva.
Caminhando para o fim de sua carreira, o croata viveu poucos momentos felizes no Verona, e doppietta no duelo com a Salernitana foi exceção (Getty)
Ao fim da temporada, que foi prorrogada devido ao estouro da pandemia de covid-19, Kalinic não permaneceu em Roma ou em Madrid. Descartado pelos giallorossi e pelos rojiblancos, foi vendido ao Verona pela bagatela de 1,8 milhão de euros. No Hellas, foi treinado pelos compatriotas Ivan Juric e Igor Tudor, mas também não decolou. Ao longo de um ano e meio, em campanhas tranquilas dos mastini, foi fustigado por lesões musculares e não conseguiu se firmar entre os titulares.
No período em que vestiu a camisa gialloblù, Kalinic somou 34 aparições e marcou apenas seis gols. Alguns deles, porém, foram importantes: a doppietta no duelo de muita rivalidade com a Salernitana, no qual o Verona abriu 2 a 0 e cedeu o empate, e o da vitória sobre o Bologna. Em fevereiro, então, o atacante conversou com Tudor e pediu para deixar o clube. O motivo? Nikola decidiu que era hora de voltar para casa e tinha na mesa uma proposta do Hajduk Split.
De volta ao time que o formou, o atacante não teve uma passagem de tantos números, mas foi importante para as duas conquistas consecutivas da sonhada Copa da Croácia, nas temporadas 2021-22 e 2022-23. Sua influência nos títulos se deu mais fora do que dentro das quatro linhas, mais por sua experiência do que pelo nível de jogo apresentado. Após a conquista da última taça, seu contrato não foi renovado e o centroavante ficou sem clube.
Foi um semestre sem jogar futebol até sua contratação de uma maneira extremamente singular. Seu destino seria… o próprio Hajduk Split. Entendendo, porém, suas limitações, e demonstrando sua paixão pela agremiação e pelo esporte, Kalinic definiu que sua última dança em seu time do coração duraria meia temporada, na qual ele receberia um salário simbólico. Esta prova de amor gerou uma conexão totalmente nova entre ele e a torcida, ainda que o desempenho não fosse melhor do que nas épocas anteriores. O centroavante chegou apenas para ajudar, sem gerar despesas ao clube. Durante os seis meses finais de sua carreira, o croata recebeu, no total, apenas um euro.
E ao final da temporada 2023-24, então, aos 36 anos, Nikola Kalinic decidiu pendurar suas chuteiras e se tornar diretor esportivo do Hajduk – apesar de ter ocupado o cargo por apenas alguns meses. Ali, dava um ponto final a uma trajetória bastante incomum, de altos e baixos, jogando em gigantes europeus e times de pouca expressão, com momentos peculiares para o bem e para o mal. Ele não se tornou o futuro da Croácia, mas conquistou para sempre um espaço no coração da torcida de Split.
Nikola Kalinic Nascimento: 5 de janeiro de 1988, em Solin, Iugoslávia (atual Croácia) Posição: centroavante Clubes: Hajduk Split (2005-06, 2007-09, 2022-23 e 2024), Pula (2006), Sibenik (2007), Blackburn Rovers (2009-11), Dnipro (2011-15), Fiorentina (2015-17), Milan (2017-18), Atlético de Madrid (2018-19), Roma (2019-20) e Verona (2020-22) Títulos: Supercopa Uefa (2019) e Copa da Croácia (2022 e 2023) Seleção croata: 42 jogos e 15 gols