
Gazeta Esportiva.com
·09 de abril de 2025
Nike aciona renovação de contrato assinado por Roberto de Andrade após ficar sem resposta do Corinthians

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·09 de abril de 2025
O contrato entre Corinthians e Nike foi renovado e, agora, vai até o fim de 2029. A empresa norte-americana, representada no Brasil pela Fisia, acionou a cláusula de renovação automática ainda em dezembro de 2024, o que garante a extensão de vínculo por mais quatro anos a partir de janeiro de 2026.
O atual vínculo entre Corinthians e Nike foi celebrado em dezembro de 2017 e passou a ter validade em janeiro de 2018. Nele, a cláusula número 2, nomeada como “Vigência”, oferece à empresa a oportunidade de decidir pela renovação automática.
“A Nike terá a opção de prorrogar a vigência por mais um período de 4 (quatro) anos contratuais, de 1 de janeiro de 2026 a 31 de dezembro de 2029 (“Anos Opcionais”), válido desde que seja enviado aviso prévio por escrito quanto à referida opção no dia 31 de dezembro de 2024 ou antes dessa data. Para os fins deste contrato, um “Ano Contratual” significará um período de 12 meses do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro”, diz a cláusula.
A Fisia enviou uma carta registrada ao Corinthians no dia 16 de dezembro de 2024 e, no dia 19 do mesmo mês, enviou um e-mail à cúpula do clube. Assim, a empresa acionou, conforme rito previsto e exigido no contrato, a cláusula de renovação automática.
A Gazeta Esportiva teve acesso e cópia de contratos e documentos.
Representantes de Corinthians e Fisia estavam com as negociações em curso durante o ano de 2024.
Inicialmente, o presidente Augusto Melo teve a companhia de Marcelo Mariano, Caio do Valle e Sérgio Moura nas conversas. Posteriormente, Fred Luz, consultor tido como “CEO” do clube, e Vinicius Manfredi de Azevedo, superintendente de marketing que substituiu Sérgio Moura, foram colocados à frente do caso.
Algumas propostas foram discutidas entre as partes, até que Fred Luz perdeu influência interna e foi afastado das tratativas por Augusto Melo. Vinicius Cascone, diretor jurídico empossado no fim de setembro, foi quem passou a auxiliar Vinicius Azevedo de maneira mais direta e participativa.
No entanto, a Fisia começou a ter dificuldade na comunicação com o clube, não apenas pela rotatividade de um representante. Algumas reuniões foram desmarcadas pelo Corinthians e a resposta de uma última proposta feita pela empresa ficou pendente por semanas.
A Fisia, assim como o Corinthians, entendia que o contrato necessitava de ajustes e não deveria ser renovado nas condições previstas por um texto de 2017, época em que o clube era comandado por Roberto de Andrade às vésperas do segundo mandato de Andrés Sanchez.
Porém, sem qualquer resposta da diretoria de Augusto Melo, com o prazo para exercer a renovação próximo do fim e uma decisão estratégica da Nike de não se desvincular do Corinthians neste momento, a Fisia se viu “obrigada” a acionar a cláusula “Vigência” e garantir a prorrogação automática do contrato, mesmo sem concordar com os termos descritos nele. Desta maneira, a empresa também ganhou tempo para negociar sem risco de perder a parceria, que é um das prioridades da Nike no mundo.
A diretoria do Corinthians tem trabalhado com a intenção de trocar a fornecedora de materiais esportivos. Por uma questão contratual, essa vontade não pode ser declarada ao público, mas, conforme apuração da reportagem, os envolvidos pelo clube neste tema têm estudado possibilidades e medidas para que, ao menos, a renovação não aconteça, o que faria a parceria com a Nike chegar ao fim em dezembro deste ano.
Na última semana, por exemplo, o Corinthians notificou oficialmente a Nike pleiteando o não reconhecimento da Fisia como uma representante legal da empresa norte-americana no Brasil. O objetivo desta postura é não reconhecer a renovação exercida pela Fisia e considerar o contrato inválido. Neste cenário, a Nike teria perdido o prazo para a estender o vínculo e o Corinthians ficaria livre para assinar com outra fornecedora a partir de 2026.
A resposta ao clube deve ser enviada nos próximos dias. A Fisia representa a Nike no Brasil desde dezembro de 2020 e, rotineiramente, tem profissionais ligados à diretoria corintiana, com reuniões frequentes para ações conjuntas, aprovações e até mesmo para discussões sobre o contrato. A reportagem apurou que a Nike não vai abrir mão da manutenção da parceria e está disposta, inclusive, a travar uma briga judicial se o Corinthians persistir no discurso.
Representantes de Corinthians e Nike se reuniram há poucos dias e a conversa não foi amistosa, sequer houve debate sobre os ajustes que ambos pretendem fazer no contrato. O clima foi de acusações e posicionamentos firmes sobre as pretensões de cada um nesta discussão.
Em público, há muito cuidado, pois o contrato vigente permite que a Nike reduza valores em 10% “caso o clube faça declarações à imprensa que afetem negativamente a Nike ou o relacionamento entre as partes”.
O atual contrato é, provavelmente, o grande complicador do Corinthians em uma eventual tentativa de se desvincular da Nike, pois, nele, há cláusulas que impedem o clube até mesmo de negociar com outras empresas.
O vínculo, que foi renovado nas condições de 2017, diz que em “até 90 dias antes do fim da vigência (incluindo anos opcionais)”, ou seja, contando a extensão até dezembro de 2029, “o clube não participará (nem permitirá que seus agentes, advogados ou representantes participe) de discussões ou negociações com qualquer terceiro com relação ao fornecimento de produtos ao clube ou patrocínio ao clube com relação a qualquer produto, e a Nike terá direito exclusivo à preferência de negociação durante o período”.
O contrato também prevê que durante a vigência, até o fim de 2029 em caso de renovação, e também por um período de 180 dias após o término da vigência, a Nike ainda terá o direito de cobrir qualquer oferta de outra empresa. E, nesta situação, se a Nike por este caminho decidir, o clube será obrigado a aceitar a proposta da empresa norte-americana.
Augusto Melo, presidente do Corinthians. (Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians)
O contrato entre Corinthians e Nike não prevê rescisão imotivada, ou seja, não há multa rescisória. Nem Corinthians nem qualquer outra empresa externa, como a Adidas, por exemplo, pode forçar o rompimento do vínculo do clube com a Nike pagando uma quantia em dinheiro.
Para uma eventual quebra do contrato, uma das partes precisa identificar e acionar o parceiro sob alegação de não cumprimento de alguma das cláusulas que têm poder rescisório. O contrato prevê obrigações que, se não cumpridas, podem fundamentar uma rescisão.
Vinicius Azevedo, superintendente de marketing do Corinthians, admitiu em entrevista recente, dia 20 de março, que seria importante o clube alterar o contrato com a Nike no caso de uma extensão do vínculo.
“A gente tem uma conversa com eles já desde o ano passado sobre renovação (…) Existe, obviamente, essa conversa, existe essa demanda, até porque é um contrato que vem de um modelo muito antigo, o mercado mudou bastante. Então, existe essa necessidade já manifestada por nós e, inclusive, que eles já compreenderam que é um formato que não cabe mais, inclusive, eles são flexíveis com algumas coisas. Eu não posso aqui abrir detalhes do contrato, mas tem, por exemplo, esses produtos têxteis que não são Nike, eles (Nike) têm exclusividade, eles têm que liberar para a gente e eles liberam. Às vezes, pelo peso do contrato, têm coisas que não poderiam e eles nos liberam. Existe uma relação boa neste sentido, de flexibilidade, eles entendem que tem coisas que são antiquadas no contrato e a gente está trabalhando para fazer a melhor negociação possível para o clube”, comentou Azevedo ao PoropoPod, um podcast coordenado pelo próprio Corinthians.
A renovação entre clube e empresa, no entanto, já havia sido exercida pela Fisia há três meses quando Vinicius Azevedo falou publicamente sobre a necessidade de mudar o contrato.
Dentro desta realidade, como o novo vínculo valerá a partir de 2026, o Corinthians tem até o fim de 2025 para chegar a um acordo com a Fisia sobre todas as mudanças que o clube acredita que são importantes e que devem ser feitas.
Enquanto isso e caso Corinthians e Fisia não cheguem a um acordo, ficará valendo as condições previstas no contrato redigido em dezembro de 2017, algo que não é interessante para nenhuma das partes, mas que, por ora, é o que está valendo devido a ausência de resposta do Corinthians no ano passado.
O Corinthians, como já dito pelo seu superintendente de marketing, precisava fazer ajustes no contrato antes da renovação. O clube, por exemplo, deve alguns milhões de reais à Nike por descumprimentos de obrigações, que poderiam ser sanados em uma negociação. Valores de premiações, com inclusão do futebol feminino, também poderiam e deveriam ser discutidos antes da Fisia optar pela prorrogação.
Além disso, o clube perdeu a oportunidade de tratar sobre cláusulas “antiquadas”, que “engessam” as ações em relação à maneira de se trabalhar atualmente. Alguns exemplos a seguir:
A Nike só não tem exclusividade sobre materiais escolares, cartas para jogos, adesivos, pôsteres e calendários. O Corinthians não pode nem mesmo fabricar uma camiseta sem a autorização da empresa.
O clube, segundo o atual vínculo, tem direito a R$ 4 milhões em materiais esportivos, por ano, para todas as mais de 50 modalidades de esportes oferecidas aos seus sócios. O valor é defasado e não prevê reajuste no contrato. De novo, o Corinthians tem contado com a “boa vontade” da Nike para receber mais do que está previsto, o que dificulta qualquer intenção de rompimento unilateral. Só em 2024, o Corinthians recebeu mais de R$ 12 milhões de vestuário da Nike.
Nas atuais condições, o clube não tem autonomia para fazer vendas online de produtos licenciados. O Timão só pode comercializar por sites oficiais sujeito à aprovação prévia da Nike.
O clube também sofre com atrasos nos abastecimentos das lojas e reclamações deste tipo. A negociação que estava em curso era uma grande oportunidade de tentar resolver ou, no mínimo, amenizar esse problema, com a imposição de novas obrigações e metas por parte da Nike, inclusive sob novas penas. Mas, nada disso foi feito.
Entre estes e tantos outros exemplos, por ausência de uma conclusão das negociações antes da virada do ano, o Corinthians, por ora, terá de cumprir o que está acordado no contrato que entrou em vigor no início de 2018.
No atual contrato entre Corinthians e Nike, que vai se encerrar em dezembro deste ano, a empresa tem de repassar ao clube, todos os anos, 14% do lucro líquido das vendas da Nike de produtos licenciados junto ao clube. Isso é feito por meio do MRG (Minimum Royalty Guaranteed – Royalty Mínimo Garantido).
Com a renovação automática, o contrato prevê que, de 2026 a 2029, o Corinthians terá direito a receber 25% deste lucro líquido da Nike, com o adendo da empresa ser obrigada a garantir, desde 2018, um valor mínimo ao Corinthians de R$ 3,3 milhões ao ano. Em 2024, por exemplo, este valor bateu a marca de R$ 10,2 milhões.
A Nike também paga ao Corinthians uma “Base Anual de Remuneração”. Pelo período de 2018 a 2025, o clube tem direito a receber 3,8 milhões de dólares por ano. Com a renovação, esse valor salta para 6,2 milhões de dólares para cada uma das quatro temporadas seguintes, o que na cotação desta terça-feira significa, aproximadamente, R$ 37 milhões.
No ato da assinatura, em dezembro de 2017, o Corinthians recebeu um bônus de 8 milhões de dólares. Há também a previsão de bônus por desempenho do time masculino profissional, conforme tabela abaixo:
Paulistão: 50 mil dólares Recopa: 50 mil dólares Copa Sul-Americana: 50 mil dólares Copa do Brasil: 75 mil dólares BR: 100 mil dólares Liberta: 250 mil dólares Mundial: 500 mil dólares
Caso o clube conquiste dois títulos na mesma temporada, sendo um deles o Brasileirão ou a Libertadores da América, o MRG (Royalty Mínimo Garantido) salta de R$ 3,3 para R$ 3,660 a partir do ano seguinte.
Por outro lado, o contrato concede à Nike o direito a reduzir em 5% os valores totais das remunerações no caso do Corinthians ficar abaixo do 10º lugar no Campeonato Brasileiro. A empresa, no entanto, nunca utilizou essa prerrogativa.
Em casos de rebaixamento, a Nike pode reduzir em 20% os valores a serem repassados ao clube. Se o time, porventura, permanecer outros dois anos na Série B, estes cortes na receita subiriam para 50% e 75%, respectivamente. Uma eventual participação na Série C também refletiria em 75% de redução, podendo chegar a 100% em caso de queda à Série D.
Estes valores são considerados elevados no mercado e representam um aumento significativo em relação ao que se tem hoje em dia. Segundo fontes ouvidas pela Gazeta, os valores previstos a partir de 2026 são o problema para a Nike, enquanto as condições do contrato e as atuais pendências são os pontos de problema para o clube.
A Gazeta Esportiva enviou seis questionamentos ao Corinthians em busca de esclarecimentos sobre: a ausência de respostas do clube à empresa, que culminou com a renovação sem os ajustes contratuais; a confirmação da renovação; o motivo da renovação não ter sido anunciada; e a justificativa para Fred Luz ter sido afastado das negociações. Em nota, o Corinthians respondeu:
“O Sport Club Corinthians Paulista, em respeito ao interesse público, informa que a Fisia, empresa que assumiu a operação do Corinthians após a saída da Nike do país, está buscando a renovação do contrato de forma unilateral.
O acordo atual segue válido até o fim de 2025, e eventual renovação automática somente teria efeito a partir de 2026. Corinthians e Fisia mantêm diálogo aberto com o objetivo de manter a parceria durante a vigência do contrato.
O consultor Fred Luz participou das negociações até o final de novembro e seguiu sendo informado sobre os desdobramentos”.
Fred Luz, procurado pela reportagem, preferiu não se manifestar.