Na Champions League de 2003-04, Inter e Arsenal fizeram duelos insanos na fase de grupos | OneFootball

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·06 de novembro de 2024

Na Champions League de 2003-04, Inter e Arsenal fizeram duelos insanos na fase de grupos

Imagem do artigo:Na Champions League de 2003-04, Inter e Arsenal fizeram duelos insanos na fase de grupos

Embora sejam times muito tradicionais do futebol mundial, Inter e Arsenal não conservam um robusto histórico de confrontos entre si. Pelo contrário: os gigantes da Itália e da Inglaterra se enfrentaram em partidas oficiais pela primeira vez somente em 2003-04, na fase de grupos da Champions League daquela temporada. Foram os únicos duelos entre as equipes até que o sorteio as colocou de frente na mesma competição, em 2024-25. A escassez de embates já seria suficiente para que aquelas pelejas ficassem guardadas nas memórias das torcidas. Porém, a Beneamata e os Gunners contribuíram para avivar tais lembranças ao protagonizarem dois jogos absolutamente rocambolescos na ocasião, com elásticas e surpreendentes vitórias dos visitantes.

Inter e Arsenal chegavam à Champions League, em 2003, como vice-campeãs nacionais. Os nerazzurri, apesar das muitas contestações ao técnico Héctor Cúper, que duravam mais de um ano, também haviam sido semifinalistas da Europa – na ocasião, caíram para o rival Milan, que defenderiam o título continental naquela edição do torneio, apenas por conta do gol qualificado. A seu lado, no Grupo B, estavam Dynamo Kyiv e Lokomotiv Moscou, que haviam faturado os títulos da Ucrânia e da Rússia na temporada anterior.


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Naquele momento, a Inter era uma panela de pressão. A gestão do presidente Massimo Moratti era questionada pela disparidade entre os vultosos investimentos e a escassez de resultados. Desde 1995, quando o bilionário assumiu, os nerazzurri venceram apenas a Copa Uefa, em 1998, e acumularam muitas decepções pesadas – bem mais do que a já citada eliminação europeia para o Milan. Na coleção de insucessos, chamavam atenção um vice (1997) e uma queda nas semifinais da Copa Uefa (2002), um scudetto perdido na última rodada, em 2002, e eliminações vexatórias em torneios continentais, contra adversários inferiores, como Lugano (1995), Helsingborgs (2000) e Alavés (2001).

Sob muita pressão, Moratti não fez investimentos tão pesados como antes naquela janela de transferências. As contratações mais chamativas foram as de Julio Cruz e Andy van der Meyde, por exemplo – enquanto saíram nomes como Sérgio Conceição, Hernán Crespo e Gabriel Batistuta. O elenco nerazzurro, porém, ainda se mantinha muito forte e repleto de grandes jogadores. Francesco Toldo, Iván Córdoba, Fabio Cannavaro, Marco Materazzi, Javier Zanetti, Álvaro Recoba, Obafemi Martins e Christian Vieri eram algumas das peças que Cúper teria à disposição para, em 2003-04, tentar superar as decepções dos anos anteriores. O argentino recebera um ultimato e, naquela temporada, teria a derradeira chance de fazer a Inter dar um salto.

A campanha de 2003-04 começou bem para a Beneamata, com vitórias sobre Modena e Siena na Serie A. O terceiro jogo da temporada, porém, seria muito mais complicado – e o mais difícil, em tese, na fase de grupos da Champions League. Na estreia da competição continental, a equipe de Cúper viajaria para Londres para enfrentar o forte Arsenal de Arsène Wenger, vitorioso na Premier League 2001-02 e vice na seguinte, quando havia aplacado a decepção do vice-campeonato inglês com a conquista da Copa da Inglaterra.

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Em Highbury, Toldo defendeu pênalti cobrado por Henry (Getty)

Era um senhor Arsenal – mais forte do que a Inter, inclusive. Treinados desde 1996 pelo experiente e inovador técnico francês, os Gunners tinham nomes como Jens Lehmann, Ashley Cole, Sol Campbell, Kolo Touré, Fredrik Ljungberg, Dennis Bergkamp e Nwankwo Kanu, sem falar nos brasileiros Edu e Gilberto Silva. E, claro, uma expressiva colônia francesa, com peças de relevo: Sylvain Wiltord, Robert Pirès, Patrick Vieira e, claro, o lendário Thierry Henry. Além disso, os londrinos chegavam ao duelo com a Inter em excelente forma, com quatro vitórias e um empate somados na Premier League.

O futebol, contudo, é traiçoeiro – bem sabemos. Nos primeiros 20 minutos de duelo em Londres, o Arsenal era melhor e chegou a perder uma chance cara a cara com Ljungberg, que chutou mascado e parou em Toldo. A Inter, que também teve uma boa oportunidade com Martins, mudou a história do jogo aos 22, num lance fortuito, a partir de uma cobrança de lateral na intermediária. Após a bola deixar as mãos de Córdoba, Oba Oba encontrou um passe de cabeça nas costas da defesa e acionou Cruz na ultrapassagem. El Jardinero entrou na área e, com categoria, deu uma cavadinha para encobrir Lehmann e abrir o placar.

Não deu nem tempo de o Arsenal respirar. Já aos 24 minutos, Kily González escapou pela esquerda e cruzou na área, buscando Martins. Campbell ganhou do nigeriano e deu uma casquinha na bola, ajeitando-a sem querer para Van der Meyde engatar um sem-pulo potente e não dar a menor chance de reação a Lehmann. Pelota na rede e surpreendente 2 a 0 da Inter em Highbury.

O Arsenal não se intimidou com a desvantagem e procurou voltar para o jogo imediatamente. O árbitro espanhol Manuel Mejuto González contribuiu com os esforços dos Gunners e não hesitou em assinalar uma generosíssima penalidade de Materazzi após um contato absolutamente normal entre o italiano e o sueco Ljungberg. Henry foi para a cobrança aos 32 minutos, mas Toldo adivinhou o canto e saltou para a esquerda. espalmando o arremate rasteiro do francês. Curiosamente, em 1999, quando atuava pela Fiorentina, o goleiro também havia defendido um pênalti contra o time londrino – naquela ocasião, Kanu é que havia batido.

A defesaça de Toldo encheu a Inter de moral. E, pouco antes do descanso, aos 41 minutos, os nerazzurri chegaram ao improvável gol do 3 a 0. O turco Emre Belözoglu, conhecido como “Diego Maradona do Bósforo”, conduziu a bola pela faixa central do gramado e achou um passe vertical espetacular para Martins, quebrando a linha defensiva do Arsenal. O nigeriano resistiu à marcação de Campbell e finalizou com a parte externa do pé canhoto, pegando Lehmann no contrapé.

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Festa nerazzurra em Londres: Martins foi um dos destaques da expressiva vitória da Inter sobre o Arsenal (Getty)

O terceiro gol, sim, abateu o Arsenal. Nem mesmo as orientações de Wenger no intervalo modificaram o time, que não conseguiu acelerar o jogo ou quebrar o muro erguido por Cúper no segundo tempo. A primeira oportunidade dos ingleses, bloqueada por Materazzi, foi se dar só em meados da etapa complementar – e apenas por uma bobeira de Van der Meyde na intermediária. Mais tarde, a grande chance dos mandantes se deu com Kanu, que recebeu um passe por elevação perto da marca do pênalti e acabou parando em defesaça de Toldo.

Apesar dessa chance cristalina dos britânicos, foi a Inter que teve mais oportunidades evidentes de gol no segundo tempo. Cruz chegou a ser derrubado por Cole dentro da área, mas Mejuto González nada assinalou. Mais tarde, El Jardinero ainda obrigaria Lehmann a efetuar boa defesa em cobrança de falta. Por fim, quase no apagar das luzes, Mohamed Kallon tabelou com Martins e saiu de frente para a baliza. O camisa 3 concluiu bem, porém levou azar e acertou a trave – no rebote, Oba Oba, desequilibrado, mandou para fora. A Beneamata ficou perto de transformar uma vitória categórica em goleada. Entretanto, ainda que não tenha conseguido tal feito, deixou Highbury muito satisfeita.

Só que, como quase tudo que envolvia a Inter naqueles tempos, a sensação de satisfação durou muito pouco. Logo após o sucesso na Inglaterra, os nerazzurri entraram numa espiral descendente, com direito a cinco rodadas sem vitórias na Serie A e uma pesadíssima derrota por 3 a 0 para o Lokomotiv Moscou, na Rússia. No fim de novembro de 2003, quando reencontraria o Arsenal em casa, pela Champions League, a Beneamata já seria comandada pelo terceiro técnico da temporada.

Nós, ao contrário daquela Inter, vamos com calma na reconstituição dos fatos. A vitória em Londres deu algum crédito a Cúper, que veria, na sequência, pela Serie A, sua equipe enfileirar empates sem gols contra Sampdoria e Udinese. Depois, na Champions League, um triunfo sofrido por 2 a 1 sobre o Dynamo Kyiv, com um tento de Daniele Adani no apagar das luzes, pareceu encaminhar a classificação dos nerazzurri à fase seguinte, mas deixou evidente a falta de evolução do time. No Italiano, o contundente 3 a 1 aplicado pelo Milan no Derby della Madonnina e mais uma paridade na bacia das almas (um 2 a 2 com o Brescia, graças a pênalti convertido por Vieri aos 87 minutos) ratificaram a impressão e ocasionaram a demissão do técnico argentino.

O auxiliar Corrado Verdelli assumiu a Inter de maneira interina e a conduziu na já citada sapecada do Lokomotiv Moscou. Após a derrota, foi anunciada a chegada de Alberto Zaccheroni, campeão italiano com o Milan, em 1999 – e com trabalhos irregulares desde então. A inconstância acabaria se tornando a marca da equipe nerazzurra, o que ficou evidente nos últimos dias de novembro, justamente quando recebeu o Arsenal. Antes do duelo com os ingleses, aplicou 6 a 0 na Reggina; logo depois, 3 a 1 sobre a Juventus, em Turim. E, contra os Gunners, deu vexame.

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Henry abriu o placar para o Arsenal no primeiro tempo e, no segundo, encaminhou a goleada sobre a Inter (Getty)

Àquela altura, o Grupo B da Liga os Campeões estava embolado. A Inter começara bem a competição, só que os tropeços contra o Lokomotiv Moscou (empatou em casa por 1 a 1, além da já citada derrota na Rússia) deixavam a equipe em alerta, com 7 pontos. Era líder, mas seguida de perto por todos os adversários: estavam colados Dynamo Kyiv (6), Lokomotiv (5) e o próprio Arsenal, que tinha 4 pontos e segurava a lanterna devido a um péssimo desempenho nas três primeiras rodadas. Os Gunners vinham reagindo, porém, motivados pela invencibilidade e a liderança da Premier League, numa renhida disputa com Chelsea e Manchester United.

Ao longo de seu trabalho, Zaccheroni tinha feito mudanças táticas na Inter, que deixou de ter linhas de quatro na defesa e no meio-campo como base e passou a atuar frequentemente num 3-4-3. Wenger, ao contrário, mantinha seu 4-4-2. Nesse contexto, o jogo até começou parelho, com os dois times tentando criar, mas não conseguindo encontrar oportunidades claras.

A primeira boa chance de fato foi do Arsenal – e terminou na rede. Cole se livrou da perseguição de Javier Zanetti numa corrida em diagonal, tabelou com Henry na meia-lua e deixou na medida para o francês chapar para o fundo do barbante. Apesar disso, a Inter não chegou a se abalar com a desvantagem e empatou aos 32, depois que Ray Parlour perdeu a bola na intermediária. Cristiano Zanetti retomou a posse e acionou Vieri, que arrematou cruzado, de canhota, e deu sorte. A pelota bateu em Campbell, encobriu Lehmann e ainda tocou no travessão antes de cruzar a linha.

Durante o primeiro tempo, a equipe da casa ainda teve a chance de virar o jogo numa falta bem batida por Materazzi, mas ficou nisso. Depois do intervalo, aconteceria a debacle italiana. Que foi iniciada, ironicamente, numa cobrança de lateral de Córdoba. Se a vitória nerazzurra em Highbury começara dessa forma, em San Siro Vieri errou ao tentar devolver a bola para o colombiano e a deu de presente para Henry. O francês avançou, driblou Materazzi e deixou na medida para Ljungberg, sozinho na quina da pequena área, e em posição irregular, completar para as redes.

A Inter voltaria a ser penalizada pela arbitragem mais tarde, quando Cruz levou um rapa de Campbell dentro da área e o alemão Wolfgang Stark mandou seguir. De resto, a partida continuou parelha e sem muitas oportunidades de cada lado. Para os mandantes, uma falta cobrada por Van der Meyde por cima do travessão; para os visitantes, Henry era constantemente perigoso em descidas pelo flanco esquerdo, mas só uma vez obrigara Toldo a efetuar ótima defesa.

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Teve ajudinha da arbitragem: Ljungberg estava impedido quando marcou o segundo dos ingleses (Getty)

Entretanto, a partida terminaria em 5 a 1 para o Arsenal. Como isso ocorreu? Aos 85 minutos, a Inter se lançou totalmente ao ataque e, desatenta na recomposição, enquanto reclamava por um pênalti dessa vez inexistente, deixou Henry no mano a mano com Javier Zanetti. O argentino tentou fechar o espaço para o chute, mas o francês usou sua enorme habilidade e conseguiu disparar um arremate de canhota para fazer 3 a 1. Dali em diante, uma Beneamata de evidente fragilidade psicológica, o que era a tônica da equipe daquela época, simplesmente implodiu.

Aos 87 minutos, foi a vez de o francês trocar de lado e cair pela direita. Após receber lançamento, Henry contou com a marcação à distância de Giovanni Pasquale e tentou achar Ljungberg no corredor, num passe que deixou Jérémie Bréchet inerte e que fez Toldo sair do gol para tentar agasalhar a bola – e levou Córdoba a pular sobre a pelota para não marcar contra. A redonda atravessou a área e sobrou para Edu Gaspar escorar para a baliza desguarnecida. Já na casa dos 89, Jérémie Aliadière atacou o mesmo flanco destro e ganhou de Bréchet, que se esparramou no chão feito batatinha. Depois, ajeitou para Pirès, que ganhou de Córdoba e Javier Zanetti antes de fechar a conta.

No mesmo minuto em que a Inter levou o 5 a 1, o Lokomotiv Moscou marcou, com Winston Parks, ex-Udinese e Ascoli, o gol da vitória por 3 a 2 sobre o Dynamo Kyiv. Dessa forma, os nerazzurri caíam, numa tacada só, da primeira para a terceira posição no Grupo B da Champions League. Uma situação que, outrora, era confortável, se complicava.

Na última rodada, bastava à Inter ganhar do Dynamo Kyiv em Moscou, já que Arsenal e Lokomotiv Moscou se enfrentavam na Inglaterra. O plano dos nerazzurri dava certo até os 85 minutos, quando o brasileiro Diogo Rincón decretou o empate por 1 a 1 e fez os ucranianos, eliminados, morreram abraçados à turma de Zaccheroni, relegada à Copa Uefa.

Envolta num turbilhão de emoções, a Inter teve mais percalços ao longo da temporada. Em janeiro de 2004, o presidente Moratti, insatisfeito com sua gestão e também cansado dos protestos da torcida, se licenciou do cargo em favor de Giacinto Facchetti, bandeira da agremiação – entretanto, o ricaço seguiu como proprietário da Beneamata. Com rumo incerto, os nerazzurri viriam a ser eliminados da Copa Uefa pelo Marseille, nas quartas, e da Coppa Italia, pela Juventus, nas semifinais. Na Serie A, terminaram em quarto, com vaga garantida na fase preliminar da Champions League.

A Inter, contrariando previsões, passaria a reagir em 2004-05, com o título da Coppa Italia. O Arsenal, por sua vez, fez história ao longo de 2003-04. Não na Liga dos Campeões, já que amargou a eliminação nas quartas de final, para o rival Chelsea, mas na Premier League: aquele time ficaria conhecido como The Invincibles, devido ao título invicto no Campeonato Inglês. Um feito que torna ainda mais surpreendente a vitória por 3 a 0 daquela contestada equipe de Cúper, no início da temporada.

Arsenal 0-3 Inter

Arsenal: Lehmann; Lauren, Touré, Campbell, Cole; Ljungberg, Gilberto Silva (Kanu), Vieira, Pirès (Bergkamp); Henry (Aliadière), Wiltord (Parlour). Técnico: Arsène Wenger. Inter: Toldo; Córdoba, Cannavaro, Materazzi, J. Zanetti; Van der Meyde (Helveg), Emre (Lamouchi), C. Zanetti, Kily González; Martins, Cruz (Kallon). Técnico: Héctor Cúper. Gols: Cruz (22′), Van der Meyde (24′) e Martins (41′) Árbitro: Manuel Mejuto González (Espanha) Local e data: estádio Highbury, Londres (Inglaterra), em 17 de setembro de 2003

Inter 1-5 Arsenal

Inter: Toldo; Cannavaro (Pasquale), Córdoba, Materazzi; J. Zanetti, Lamouchi (Almeyda), C. Zanetti, Bréchet; Van der Meyde (Cruz), Vieri, Martins. Técnico: Alberto Zaccheroni. Arsenal: Lehmann; Touré, Campbell, Cygan, Cole; Ljungberg, Edu, Parlour, Pirès; Henry (Aliadière), Kanu (Gilberto Silva). Técnico: Arsène Wenger. Gols: Vieri (32′); Henry (25’e 85′), Ljungberg (49′), Edu (87′) e Pirès (89′) Árbitro: Wolfgang Stark (Alemanha) Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 25 de novembro de 2003

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