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·18 de junho de 2021

Miguel Ángel Guerrero, o ‘maquinista’ do histórico trenzinho do Bari

Imagem do artigo:Miguel Ángel Guerrero, o ‘maquinista’ do histórico trenzinho do Bari

É impossível determinar o que um jogador deve exatamente fazer para cair nas graças da torcida. Gols e títulos certamente são dois fatores capazes de causar tal efeito, e há partidas que por si só entram na história por conta de lances marcantes. No caso do atacante colombiano Miguel Ángel Guerrero, o motivo que o fez conquistar os torcedores do Bari foi outro, corroborando o aspecto da imprevisibilidade que circunda o futebol. Ao mesmo tempo, o atleta pode ser considerado como um dos precursores dos seus compatriotas no quesito comemoração.

Retrospecto na Colômbia

Antes de chegar à Itália, Guerrero estreou profissionalmente pelo Atlético Bucaramanga e foi para o América de Cali aos 21 anos. O atacante marcou 21 gols nas três temporadas em que defendeu os escarlates, além de conquistar o bicampeonato nacional. Neste mesmo período, foi convocado para jogar a Copa do Mundo de 1990, na Itália, mas não saiu do banco de reservas.


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Miguel defendeu, sem sucesso, o Málaga durante um breve período entre os dois títulos colombianos. Em 1993, transferiu-se do América para o Junior Barranquilla, time de Carlos Valderrama, e conquistou seu terceiro troféu nacional. O atacante dos tubarões foi o artilheiro do certame, com 34 gols marcados, e viveu a fase mais goleadora de sua carreira.

Guerrero desembarcou na Itália no verão de 1994 e foi chamado de “o novo Faustino Asprilla” logo em sua chegada. Ele vinha de uma grande fase no futebol colombiano e chegou ao Bari com a missão de substituir João Paulo, que tinha retornado ao Brasil para defender o Vasco da Gama. Igor Protti passou a ser terceira opção de ataque, atrás de Sandro Tovalieri e do colombiano recém-contratado.

A Serie A daquela temporada contou com Fiorentina, Brescia, Padova e Bari entre as equipes recém-promovidas. Os apulianos, para fazerem jus ao retorno à primeira divisão, reforçaram o elenco com poucas, mas precisas contratações. O treinador Giuseppe Materazzi tinha nas mãos um time que acabara de conquistar o vice-campeonato da Serie B. Entre as novidades, dois eram estrangeiros. O primeiro era o volante brasileiro Gérson Caçapa, um velho conhecido que havia defendido os galletti três anos antes. Já o segundo “gringo” era o próprio Guerrero, tão baixinho quanto veloz.

O atacante estava empolgado com o novo desafio e não se deixou abalar com o fato de ter sido preterido pelo treinador Francisco Maturana para a disputa da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. Inclusive, a ausência no Mundial de seleções reduziu o seu valor de mercado – para a felicidade daqueles que pretendiam fazer uma oferta a ele. Dirigente do Bari, o ex-atacante Carlo Regalia, voou para Barranquilla convencido de que o negócio seria sacramentado.

Miguel era conhecido por conta do alto astral e do bom humor. Entre uma piada e outra, conquistou a simpatia do elenco e desenvolveu especial amizade com Nicola Ventola. Segundo Guerrero, o atacante foi o melhor companheiro que ele teve no futebol italiano: “Ventola era uma criança quando se juntou ao nosso time e conseguiu fazer coisas que ninguém mais fazia. Tanto que foi para a Inter de Ronaldo”.

Cada vez mais à vontade e se enturmando com os colegas de time, Guerrero aproveitou para dar um passo a mais nesse processo. E o fez através de uma história: contou que, nos tempos de futebol colombiano, ele e os outros jogadores tinham o hábito de se divertir fazendo uma certa comemoração.

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O surgimento do trenzinho na Itália

O atacante fez sua estreia pelos galletti em uma derrota em casa por 1 a 0 para o Piacenza, em jogo válido pela segunda fase da Coppa Italia. Fã de Gianluca Vialli e de Marco van Basten, teve um início complicado na Serie A, com duas derrotas logo de cara para Lazio e Juventus. No jogo contra a Vecchia Signora, o colombiano desperdiçou um pênalti e mal sabia ele que a cena iria se repetir duas semanas depois, em nova penalidade máxima não aproveitada. Dessa vez o erro não fez falta, já que o Bari venceu o Padova por 2 a 0, com gols de Gérson Caçapa e Francesco Pedone.

A vitória no estádio Euganeo marcou a primeira vez que a comunidade do futebol italiano presenciou algo que passaria a ser comum entre os jogadores do Bari: eles se ajoelharam em fila, com cada um segurando os tornozelos de quem estivesse à frente. Assim surgia o famoso “trenino” – ou trenzinho, em português. Segundo Tovalieri, ele e todo o time treinaram com afinco a fim de aperfeiçoarem os movimentos. Inicialmente, encontraram dificuldades em coordená-los, mas, depois de muita repetição, o gesto tornou-se natural e faltava apenas colocá-lo em prática. Por não ter sido um jogo de muita repercussão, a comemoração passou quase despercebida. Era questão de tempo até que ela caísse de vez nas graças do público.

Na rodada seguinte, um empate sem gols contra o Cagliari no San Nicola. A frustração por conta do resultado foi breve. O próximo compromisso dos galletti seria contra a Inter, em Milão. Aquele 15 de outubro foi curioso e diferente do que a maioria poderia imaginar. A Juventus de Marcello Lippi perdeu para o Foggia por 2 a 0 e o campeão europeu Milan, de Fabio Capello, também foi derrotado pelo mesmo placar, ambos longe de seus domínios. O Bari chegava ao Giuseppe Meazza com um terrível retrospecto: seis empates e 16 derrotas nas 22 visitas anteriores, incluindo um 9 a 2 em 1938 e um 9 a 1 dez anos mais tarde.

As peculiaridades começaram antes da bola rolar. Na saída do hotel, faltando pouco tempo para o horário previsto da partida para o estádio, o elenco do Bari teve uma desagradável surpresa. O ônibus havia enguiçado e foi preciso chamar uma dezena de táxis para que todos, e suas respectivas bagagens, pudessem chegar a tempo. Guerrero já estava habituado a esse tipo de situação inesperada. Afinal, ele chegou à Itália vindo de Bogotá, onde lhe roubaram uma bolsa com dois mil dólares. Em seguida, fez escala em Caracas para desembarcar em Veneza e, enfim, juntar-se aos novos companheiros.

Ao jogo: Carmine Gautieri escapou pelo lado direito e cruzou. A bola foi mal dominada por Giuseppe Bergomi, que na tentativa de afastá-la acabou dando uma assistência acidental para Guerrero. O atacante finalizou com força no ângulo esquerdo de Pagliuca e colocou o Bari na frente. Ele teve outra chance para marcar, em nova falha da defesa nerazzurra, mas o chute explodiu na trave. No final da primeira etapa, em novo avanço pela direita, Gautieri, uma força no setor, levantou a bola na área na medida para Tovalieri mandar de cabeça para o fundo das redes e fazer o segundo gol dos visitantes. Na comemoração, o “Cobra”, como era chamado, correu até a bandeirinha de escanteio e formou nova locomotiva junto dos companheiros; o trenzinho do Bari passeava mais uma vez, agora por Milão.

Os anfitriões chegaram a descontar com Darko Pancev no segundo tempo, mas pararam por aí. Imediatamente, a imprensa esportiva passou a comentar sobre o episódio. A importância dessa tão simbólica vitória é tanta que o diretor Carlo Vanzino a retratou no filme “Selvaggi” (1995), com Emilio Solfrizzi, natural de Bari, realizando a famosa celebração ao lado de Ezio Greggio e chegando a mencionar o atacante colombiano.

Com o passar dos dias, por mais que Guerrero acumulasse mais tempo no banco de reservas do que propriamente em campo, o trem seguia a todo vapor, especialmente por conta dos atacantes Tovalieri e Protti. Às vezes com certo exagero, como na vez em Brescia, em um gol contra de Giuseppe Baronchelli que todos pensaram ter sido marcado por Protti. O árbitro Pierluigi Collina teve de intervir e repreendeu a efusividade do momento, alegando que não era correto um time festejar assim depois de uma falha adversária.

O gesto tornou a se repetir mais e mais vezes, contra Genoa, Lazio e Milan, no San Siro – pela primeira vez na história, o time da Apúlia voltava de Milão com seis pontos na bagagem. A popularidade aumentou não apenas no San Nicola e seus arredores, mas país afora. Em contraste, o colombiano vivia mau momento: depois do histórico gol contra a Inter, voltaria a marcar na 28ª rodada, na vitória em casa por 3 a 0 sobre o Brescia. O Bari terminaria a Serie A com um honroso 12º lugar. Com isso, Tovalieri acabou por assumir o posto de “maquinista” do trenzinho: encabeçou a fila 17 vezes; Protti, outras sete.

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Guerrero, apesar da má fase, representou a Colômbia na Copa América de 1995, competição na qual os cafeteros ficaram com a terceira posição. O atacante foi reserva e atuou durante apenas sete minutos de um jogo contra o Equador, voltando à Itália em seguida. Em 1995-96, os biancorossi não repetiram os bons momentos do ano anterior. Guerrero marcou apenas uma vez, no 3 a 0 sobre o Cagliari pela sétima rodada da Serie A, e acabou retornando ao futebol espanhol na metade da temporada, para jogar no Mérida, onde não chegou a balançar as redes nas 21 vezes que esteve em campo. Encerrado o empréstimo, voltou à região da Apúlia em 1996 e encontrou o Bari em uma situação bastante diferente.

O clube tinha contratado Gianluca Zambrotta, ainda com 20 anos e vindo do Como, e buscava um recomeço após o rebaixamento para a Serie B. Foi assim que se iniciou um novo momento para Guerrero, que marcou 10 gols – com direito a duas ocasiões em que anotou uma doppietta, sendo uma na primeira rodada, contra o Brescia, e outra na 8ª jornada, em goleada sobre o Empoli. O colombiano foi fundamental para ajudar o Bari a terminar o campeonato na quarta colocação, garantindo o acesso de volta à Serie A, e também balançou as redes uma vez na primeira fase da Coppa Italia, contra o Ascoli. Ele agradeceu publicamente ao treinador Eugenio Fascetti, substituto de Materazzi no ano do descenso, pelo ponto de virada em sua carreira.

“Ele foi um treinador que me entendeu muito bem, começou a encontrar uma posição para mim em campo, mas com liberdade para me movimentar. No primeiro ano, não tive liberdade para ser experimentado de uma melhor forma. Quando voltei de Mérida, Fascetti me utilizou bem, me deixou em paz. Acho que tudo mudou naquele momento”, disse Guerrero.

Além do Bari, subiram Lecce, Empoli e o campeão Brescia. A disputa pela permanência na elite foi acirradíssima em 1997-98 e envolveu diversas equipes. Os galletti, por exemplo, ficaram mais próximos do Brescia, primeiro clube rebaixado – três pontos de diferença – do que para o Milan, 11º colocado e seis pontos na frente. Guerrero jogou 26 vezes e marcou dois gols. O primeiro foi na 10ª rodada, contra o Brescia (vitória por 2 a 1), e o segundo sairia somente na última partida, no empate em 2 a 2 contra o Napoli.

Retorno para casa e aposentadoria

A última temporada na Velha Bota do “Niche”, apelido cunhado por um jornalista colombiano apaixonado pela dança de Guerrero e pelas músicas do Grupo Niche (famosa banda de salsa do país), foi em 1998-99 e teve semelhanças com a anterior. O Bari novamente ficou em uma posição confortável na tabela da Serie A (10º) e Guerrero esteve presente em 11 partidas. Marcou uma vez só, contra a Fiorentina, no Artemio Franchi: 2 a 2 pela 28ª rodada.

Aos 31 anos de idade e com o contrato encerrado ao término do campeonato, Guerrero finalizou a sua passagem pelo Bari com 113 aparições e 18 bolas nas redes. Em seguida, acertou o retorno para o futebol colombiano para defender mais uma vez o Junior Barranquilla. O reencontro durou seis meses, mas era um desejo do atacante poder voltar a defender um clube tão especial para ele, mesmo que de forma breve.

Depois disso, El Niche chegou a passar uns dias na Suíça em busca de um clube, mas não fechou acordo e se aposentou. Miguel Ángel Guerrero continuou ligado ao futebol atuando como olheiro especializado em descobrir talentos do futebol colombiano a fim de indicá-los aos amigos italianos. Volta e meia, também é entrevistado por jornalistas de Bari para relembrar os tempos do seu trenzinho.

Miguel Ángel Guerrero Nascimento: 7 de setembro de 1967, em Cali, Colômbia Posição: atacante Clubes: Atlético Bucaramanga (1985-87), América de Cali (1988-90 e 1991-92), Málaga (1990-91), Junior Barranquilla (1992-94 e 2000), Bari (1994-95 e 1996-99) e Mérida (1995-96) Títulos: Campeonato Colombiano (1990, 1992 e 1993) Seleção colombiana: 5 jogos e 1 gol

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