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·19 de junho de 2024

Marcos Teixeira: O vira à espanhola da tocata de Martinez

Imagem do artigo:Marcos Teixeira: O vira à espanhola da tocata de Martinez

Johann Sebastian Bach é um dos grandes gênios da música universal. Nasceu em Leipzig e uma de suas obras mais consagradas é a Tocata e Fuga em Ré Maior. Roberto Martinez, por sua vez, é espanhol. Não sei se é um fã do maestro alemão, mas já deve ter ouvido alguma tocata portuguesa com suas concertinas, bumbo, reco-recos e cavaquinhos – a castanhola é opcional.


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A concertina é o principal instrumento das tocatas dos ranchos folclóricos portugueses. Quanto aos demais instrumentos, é prudente que o gajo que toca o cavaquinho saiba tocar o cavaquinho, como o senhor responsável pelo bumbo tenha a perícia necessária para não atravessar o ritmo.

Mas que raio tem a ver isso aí com o jogo de Portugal? Ora, tudo! Basta ver como a equipe entrou em campo e perceber que, se se tratasse do conjunto que acompanha os dançarinos, os instrumentos estavam trocados.

Prevendo uma linha de marcação capaz de pressionar a saída de bola lusa com Kuchta, Souček e Provod, Martinez escalou Portugal com três zagueiros e quatro (ou cinco) no meio e três (ou dois) no ataque. A surpresa era a presença de Nuno Mendes jogando terceiro central, pela esquerda. Assim, João Cancelo faria a ala de mesmo lado, com Diogo Dalot na direita, o que não é novidade. Quem dançou foi João Palhinha, de grande imposição física, para que Vitinha fizesse a saída de bola atrás dos marcadores.

“Jogadores mais técnicos para romper essa primeira barreira”, deve ter pensado o espanhol.

Com a bola, Nuno Mendes avançava como lateral e Cancelo tinha liberdade para vadiar pelo meio e Portugal passava a jogar num 4-3-3 para explorar os espaços que surgiriam depois que fosse superada a primeira linha de marcação. O problema é que a República Tcheca surpreendeu, chegando a ter até seis jogadores alinhados à frente da sua área, com os outros quatro mal cruzando a linha de meio-campo, e os atacantes Kuchta e Schick só sendo assim chamados na ficha do jogo.

Vocês já devem ter visto o episódio do Pica-pau envelhecido e amassando o bico quando tentava passar uma árvore. Foi a representação perfeita de Portugal no primeiro tempo: tentava o passe em profundidade e a bola batia e voltava, muito em função de o jogo pedir o passe a rasgar para um dos da frente receber em diagonal, mas o que havia era um excesso de carregadores de bola e avançados com pouca movimentação. Vitinha desfilava, Cristiano saia da área e buscava associações e o acerto do último quase não acontecia. O melhor passador, Bruno Fernandes, estava encaixotado pela marcação e a falta de movimentação dos gajos frente não ajudava em nada.

Para piorar, a segunda bola na defesa nos poucos momentos em que os tchecos afastaram o rabo da sua linha de fundo era deles. E foi assim que saiu o gol tcheco, no início do segundo tempo: dois cruzamentos seguidos, sete dos de vermelho na área e ninguém para impedir que Provod pegasse sozinho para inaugurar o placar.

Imediatamente, Rafael Leão – que ganhava todas as jogadas e as desperdiçava, uma a uma – e Diogo Dalot foram trocados por Diogo Jota e Gonçalo Inácio, respectivamente. Portugal assumia de vez o 3-5-2, mas sem improvisações e com laterais capazes de chegar ao fundo. E o empate veio com uma boa dose de: Bernardo Silva recuou as soberbo Vitinha, que cruzou no segundo pau, onde fechava Nuno Mendes. Stanek espalmou para a frente e encontrou a perna de um infeliz Hranác, que voltaria a estar ligado ao infortúnio dos seus. E foi justamente a tempo de impedir que uma pressão maior pesasse sobre Portugal, que seguiu criando pouco e, com o tempo, com o cansaço acusando.

Não sei se Roberto Martinez confia muito nos titulares e pouco nos suplentes que ele mesmo escolheu, mas a demora a voltar a trocar jogadores por mais frescura nas pernas teria feito inveja a Fernando Santos em seus dias mais, digamos, sonolentos. Só no minuto 90 é que atirou os seus à frente. Um pouquinho antes, em nova jogada pela direita, o penúltimo dos 29 cruzamento encontrou a cabeça de Cristiano Ronaldo, que atirou ao poste e sorriu ao ver Diogo Jota carregar a recarga também de cabeça para o gol, anulado por meio peito de CR7 à frente.

Quando tudo parecia definido e nos preparávamos a voltar ao velho hábito de sacar a calculadora à algibeira – ou a caneta à orelha -, a sorte decidiu soprar a careca de Martinez novamente: Pedro Neto e Francisco Conceição, o “espalha brasas”, mal haviam entrado e decidiram o jogo na única intervenção de ambos. O extremo do Wolverhampton ganhou a dividida pela esquerda, tal como Leão teria feito, mas passou tenso para área, onde haveria um desvio, como Leão não teria conseguido fazer. Hranác se enrolou todo com a bola e ela ficou às ordens do portista, que encheu o pé e carregou Sérgio Conceição para o grupo em que somente os italianos Enrico (o pai) e Federico Chiesa (o filho) estavam: o de marcadores na Eurocopa sendo pai e filho.

No próximo sábado, dificilmente a Turquia dará tanto campo a Portugal. Também não é razoável pensar que Vitinha será suficiente para segurar Çalhanoğlu, Kökçü e Arda Guler, ainda mais com tantos turcos a viverem na Alemanha, suficientes para transformar o Signal Iduna Park em uma sucursal do inferno para alguém que se demonstrou incapaz de reagir às adversidades tão logo apareceram.

Que a tocata de Martinez esteja ensaiada e com cada gajo com o instrumento de costume.

* Marcos Teixeira, 45, é jornalista, lusitano e colunista do site Ludopédio.org

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NETLUSA

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