Mágicos Magiares: a geração de ouro da Hungria | OneFootball

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·25 de agosto de 2020

Mágicos Magiares: a geração de ouro da Hungria

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A coluna Dicionário do Futebol desta semana traz uma das maiores seleções da história: os Mágicos Magiares. Fazendo sucesso sobretudo pela genialidade de Puskás, teve o azar de nunca vencer uma Copa do Mundo. Não só foi um esquadrão temido, mas também um dos percursores de uma revolução no futebol: o sistema 4-2-4. Sua história envolve milagres, revoluções e, acima de tudo, um excelente futebol. Não conhece a história ou nunca ouviu falar? Deixa que o dicionário te explica!

1950: O INÍCIO DOS MÁGICOS MAGIARES

Após não conseguir a classificação para a Copa do Mundo de 1950, o lendário treinador Gusztáv Sebes enfrentava um dilema. Conforme os jogos aconteciam, o sistema WM usado pela Europa ocidental se tornava mais forte. Por conta disso, o que poderia ser feito para responder a essa tática? A resposta foi a geometria e o talento individual. A formação 4-2-4 já foi explicada aqui na coluna como funciona, mas a aposta em jovens atletas nacionais foi o maior diferencial.


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Equipes como o Kispest AC (que futuramente viraria Budapest Honvéd) e o MTK Budapest foram as principais bases do treinador. Embora, o grande nome da seleção tenha sido Ferenc Puskás, o talento coletivo foi o grande diferencial. Nomes como Czibor, Hidegkuti, Kocsis, Zakarias, Bozski e o grande goleiro Grocsis alavancaram a Hungria para o mundo. Esses atletas nunca haviam jogado juntos anteriormente. Por isso, o teste com os jovens era uma novidade arriscada.

AS OLIMPÍADAS DE HELSINQUE DE 1952

Uma vez que essa aposta foi realizada, inesperadamente, tornou-se um rápido sucesso. O entrosamento se deu pela qualidade dos jogadores e em como o time jogava, muito ofensivo e dominante. Em dois anos, a equipe não perdeu uma partida se quer e chegavam como favoritos para disputar as Olimpíadas. Outras duas seleções ameaçavam, a Iugoslávia de Čajkovski e a Suécia de Bengt Gustavsson (que ficaria conhecido por levar o lendário chapéu de Pelé, na final da Copa do Mundo de 1958).

Definitivamente, a Hungria era uma equipe forte. Bateu a Romênia e a Itália nas primeiras fases e chegou sem problemas às quartas de final, contra a Turquia. A vitória em cima dos turcos foi por um placar inesperado, 7 x 1. Logo após, veio a Suécia e, para a surpresa de todos, mais um placar elástico, 6 x 0. Ainda que a medalha de prata já estivesse garantida, conquistar o ouro seria a maior prova de que esse esquadrão era o mais temido do momento.

O Estádio Olímpico de Helsinque, lugar onde foi criada a volta olímpica, foi palco para a grande final. 58 mil pessoas, recorde de público na competição, presenciaram a genialidade de Puskás. Tendo como adversário a Iugoslávia, a partida se manteve equilibrada até os últimos 20 minutos de jogo. No entanto, uma jogada mudaria tudo. Recebendo um belíssimo passe de Palotas, Puskás fez uma grande jogada individual, limpou do goleiro e abriu o placar. Aos 43′, Czibor aproveita uma bola mal afastada da defesa e consagra o tão sonhado ouro olímpico para os húngaros.

A GENIALIDADE DE PUSKÁS E O SEGUNDO TÍTULO

Criado com o propósito de ser uma forte competição, a Copa Dr. Gero (ou Copa Internacional da Europa Central) se iniciava em 1927. Em virtude dos acontecimentos que rondavam o continente, algumas edições levaram até cinco anos para se encerrar. No entanto, uma edição em especial chamou a atenção: a de 1948. Devido aos contextos pós segunda guerra mundial, esta edição só se encerrou no ano de 1953, o auge dos Mágicos Magiares.

De maneira idêntica às olimpíadas, Puskás foi um gênio durante toda a competição. Ainda que seleções fortes como a Itália, Checoslováquia e Iugoslávia disputassem a competição, nenhuma delas foram párias para os húngaros. O troféu veio após longos cinco anos de jogos, com pausas devido ao pós guerra e jogos sendo cancelados. A última partida foi contra a Itália, seleção campeã da Copa do Mundo de 1934, mas isso não incomodou os Mágicos Magiares.

Ferenc Puskás, artilheiro da competição, marcou duas vezes na partida e Hidegkuti selou o caixão. Como o torneio era feito a base de pontos, a vitória expressiva contra os italianos garantiram a Hungria o 1º com 11 pontos e o título. Inegavelmente, os húngaros eram a equipe mais forte do momento. Vencer a copa não trouxe somente a glória, mas manteve sua invencibilidade que completaria três anos naquele momento.

UMA VITÓRIA INESPERADA

Ainda no ano de 1953, os Mágicos Magiares foram convidados para disputar um amistoso com cara de jogo oficial. Stanley Rous, secretário-geral da Associação Inglesa de Futebol, não apenas duvidava da capacidade da equipe, mas decidiu tirar a prova real. Por mais que a Hungria tivesse ganho das principais seleções do momento, foi falado na época que o time só seria, de fato testado, quando enfrentasse a Inglaterra. Invictos dentro de casa, os ingleses marcaram a partida para o seu tradicional estádio de Wembley, em Londres.

Inesperadamente, o dia 25 de novembro ficou marcado na história do futebol. Considerado como o “Jogo do Século” pela imprensa, 100 mil pessoas presenciaram uma exibição fantástica. A Hungria bateu os donos da casa pelo expressivo placar de 6 x 3, contando com um show de Hidegkuti, que marcou três vezes na partida. Puskás também deixou sua marca, anotando dois gols, enquanto que Bozski fechou a conta. Incrédulos com o resultado, os ingleses não acreditaram na potência dos Mágicos Magiares e marcaram uma revanche. Combinada para ocorrer em 1954 como preparação para a Copa do Mundo, o jogo estava definido.

Mesmo que amistosa, a partida, acima de tudo, valia a honra de uma seleção que foi massacrada dentro de casa. Como o primeiro jogo foi em Londres, o segundo foi marcado para Budapeste, capital da Hungria. O grande Primeiro-Ministro do Reino Unido, Winston Churchill, fez questão de acompanhar a partida pessoalmente. Novamente, os húngaros foram dominantes e repetiram um placar expressivo, dessa vez, um 7 x 1 fecharia o duelo. O carrasco Puskás marcou duas vezes e os Mágicos Magiares iam para a Copa do Mundo com quatro anos sem perder.

A COPA DO MUNDO DE 1954

A então esperada copa chegou, e a necessidade de se provar aumentava cada vez mais. O Uruguai bi-campeão do mundo, o Brasil vice-campeão de 1950, a Alemanha percussora do WM, a Iugoslávia vice-campeã das olimpíadas e a Hungria campeã olímpica eram alguns dos principais nomes. No auge do seu 4-2-4 totalmente ofensivo, sem dúvida sobrou durante a fase de grupos com placares expressivos. Venceu a Coreia do Sul por 9 x 0 e a Alemanha ocidental por 8 x 3, garantindo o 1º lugar do Grupo 2 de forma isolada. Graças aos Mágicos Magiares, essa edição do torneio contou com a maior média de gols por jogo na história das copas: 5,38 (140 gols em 26 jogos).

Kocsis, certamente um especialista em mandar a bola lá onde a coruja dorme, foi o artilheiro da fase inicial com 11 gols marcados. Chegado as quartas de final, os húngaros não viram dificuldade em vencer o Brasil por 4 x 2, com um show de Puskás. Esse duelo, além de duas excelentes equipes, marcou a rivalidade de quem foi o definitivo criador do sistema 4-2-4. Ambas as seleções atuam de maneiras parecidas, mas a individualidade dos atletas foi o diferencial.

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Na semifinal, os húngaros repetiram o placar, desta vez contra o temido Uruguai. Os até então atuais campeões da competição, seguraram o empate em 2 x 2 para a prorrogação. Entretanto, dois gols de Kocsis no tempo extra garantiram a classificação dos Mágicos Magiares para uma inédita final de Copa do Mundo. Uma revanche contra a Alemanha, mas o duelo ficaria marcado por uma atuação individual incrível do grande goleiro alemão Toni Turek.

O MILAGRE DE BERNA

A grande final chegou e, como um grande choque, os húngaros abriram 2 x 0 com oito minutos de jogo. Apesar de ter vencido os alemães anteriormente por um placar expressivo, o rápido resultado fez o capitão Fritz Walter gritar em campo para reerguer sua equipe. Aos 10 minutos, Max Morlock fez o primeiro gol e, aos 18, Helmut Rahn deixaria tudo igual. Por mais que os húngaros tentassem, o guarda redes adversário era impenetrável.

Turek fazia uma partida espetacular, evitando o gol mesmo com diversas tentativas. Até o fim de jogo, foram 26 chutes a gol dos Mágicos Magiares contra a meta alemã, mas todas defendidas. Aos 39′ do segundo tempo, o mesmo Rahn faria o gol para virar a partida a favor dos germânicos e momentaneamente garantir o inédito título. Sem dúvida, a atuação já era boa o suficiente. Contudo, o melhor momento da partida ainda viria a acontecer.

No último minuto, a Hungria tentava empatar a partida com todas as suas forças. Zakarias lança para Czibor, que desvia de cabeça para Kocsis, que chuta no gol a queima roupa e, em um lance espetacular, Turek faz a defesa. Essa jogada, sobretudo, ficou conhecida como o milagre de Berna, dando o título de campeão do mundo para a Alemanha. Além disso, o goleiro recebeu uma estátua em seu país pela excelente atuação, jogando um balde de água fria no esquadrão húngaro. Encerrou também o ciclo de quatro anos sem derrotas dos Mágicos Magiares.

BUDAPEST HONVÉD: REPRESENTANTE DOS MÁGICOS MAGIARES

Criado em 1909 como Kispest AC, teve seu nome mudado em 1949 para Budapest Honvéd após a instauração do estado comunista no país. Por conta disso, virou o time do exército húngaro e, o nome Honvéd, significa defensor da pátria. O Ferencvaros, maior equipe da Hungria, tinha suas raízes cravadas na independência do estado e no fascismo. Por isso, uma equipe de menor expressão foi escolhida para representar o país. Puskás e Bozski já faziam parte da equipe desde 1947.

Com o propósito de elevar o nível do futebol e reunir os melhores atletas nacionais, Grosics, Kocsis, Czibor e Budai foram contratados. Outra equipe, o MTK Budapest, administrada pela polícia secreta, também reunia craques. Palotás, Hidegkuti, Lantos e Zakarias formavam o elenco, onde a intenção era deixar concentrar em somente duas equipes a base para a seleção. Assim sendo, a base foi formada inteira dentro de seu país e foi um dos responsáveis pelo êxito internacional.

Por conta disso, o Honvéd venceu os campeonatos nacionais de 1949, 50, 52, 54 e 55, tornando-se um sucesso rapidamente. Realizou diversos amistosos internacionais, como o inglês Wolverhampton após a copa de 1954, onde perdeu de 3 x 2 de virada. Enfrentou também o Estrela Vermelha de Belgrado nesta série de amistosos, motivando a criação da Taça dos Campeões Europeus. Essa competição, posteriormente, viraria a UEFA Champions League e, a primeira edição, em 1955, teve como campeão o Real Madrid.

A REVOLUÇÃO HÚNGARA

Após o título nacional de 1955, o Honvéd se classificou para a 2ª edição do torneio internacional e tinha esperanças de uma possível conquista. Na primeira fase, enfrentou o espanhol Athletic Bilbao. O 1º jogo, no entanto, teve resultado favorável aos espanhóis pelo placar de 3 x 2. Para a 2ª partida, contudo, um problema político atrapalhou a disputa que seria realizada em Budapeste. Revoltados contra as políticas impostas pelo governo socialista, diversos jovens foram as ruas lutar por liberdade.

Por ter feito parte das potências do eixo na segunda guerra mundial, as raízes do nazismo ainda predominavam na sociedade húngara. Após a tomada da União Soviética no país, a repressão contra quem não aceitava a nova política era intensa. Uma revolução se instaurou, jovens simpatizantes do fascismo italiano enfrentaram o Partido Comunista da Hungria e o exército. Dessa maneira, diversas mortes foram registradas e a situação ficava cada vez mais tensa.

O jogo de volta do Honvéd contra o Bilbao aconteceria na capital Budapest, enquanto a revolução atingia um de seus pontos principais. Por conta do medo instaurado, a equipe decidiu mandar a partida na cidade de Bruxelas, na Bélgica. Apesar da tentativa de conquistar a vitória, a partida acabou em 3 x 3 e, considerando o saldo de gols, os espanhóis se classificaram. Especialistas da época dizem que os húngaros, abalados pelo contexto da revolução, não conseguiram se concentrar na partida.

O FIM DOS MÁGICOS MAGIARES

Após a eliminação e o contexto da revolução, muitos atletas preferiram manter-se exilados na Espanha. Puskás deixou o Honvéd rumo ao Real Madrid, Kocsis e Czibor foram ao rival, o Barcelona. Os três atletas não apenas deixaram sua equipe, mas nunca mais atuaram pela sua seleção por medo de represálias. Como acabaram abandonando o país devido a revolução, alguns cidadãos consideravam os atletas como traidores, por conta disso, eram ameaçados constantemente.

Ao lado de Di Stefano, Puskás fez uma das mais mortais duplas da história do futebol. Com 31 anos e 18 quilos acima do peso, sua contratação foi extremamente questionada pelos torcedores. Conversando com o presidente do clube, Santiago Bernabeu, Puskás garantiu que sua perna esquerda ainda era efetiva, e rapidamente provou isso. Marcou 242 gols em oito anos de clube, além de conquistar três Champions League nos anos de 1958, 59 e 65. Kocsis e Czibor também fizeram sucesso, conquistando dois campeonatos nacionais (1959 e 1960) e duas Copas da Espanha (1959 e 1963).

Já Hidegkuti, Bozsik, Grosics e Zakarias retornaram ao seu país natal. Apesar das polêmicas, os atletas remanescentes da geração de ouro tentaram reerguer a seleção nacional para a Copa do Mundo de 1958. Entretanto, uma precoce eliminação na fase de grupos, com apenas uma vitória em cima do México, colocaria um ponto final na linda história. Após a copa, Hidegkuti se aposentou e virou técnico do MKT Budapeste. Zakarias também decidiu pela aposentadoria e Bozsik recusou-se a deixar o Honvéd, aposentando-se em 1962. Já o goleiro Grosics transferiu-se para o Tatabánya e por lá encerrou sua carreira também em 1962. Assim, acabava para sempre a história dos Mágicos Magiares.

Foto Destaque: Reprodução/Tibor Erky-Nagy/Fortepan

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