PL Brasil
·31 de março de 2020
In partnership with
Yahoo sportsPL Brasil
·31 de março de 2020
Não há outro time tão falado na Inglaterra nesta temporada quanto o Liverpool. E com méritos: líder da Premier League com uma distância gigantesca para os rivais, quebrando recordes e prestes a acabar com o jejum de 30 anos sem a liga nacional (se o coronavírus deixar). Mas isso no futebol masculino. No futebol feminino, o Liverpool Women é o completo oposto.
As Reds estão na lanterna da Women’s Super League, com seis pontos. Apenas uma vitória em 14 partidas e um rebaixamento para a segunda divisão que parece bem próximo.
A realidade é outra para uma equipe que há quase seis anos era campeã nacional no futebol feminino. E muito do que acontece hoje com o Liverpool passa diretamente pelo descaso da direção do clube com a modalidade.
O debate ganhou força no último mês de janeiro. Na ocasião, duas partidas que o Liverpool realizaria em casa pela WSL foram adiadas, contra Manchester United e Birmingham. O motivo: falta de condições no gramado de Prenton Park.
Importante lembrar que, assim como todos os outros times da liga, o Liverpool Women não joga no estádio da equipe masculina. A equipe manda jogos em Prenton Park, casa do Tranmere Rovers – da terceira divisão masculina. Além das mulheres, o Liverpool Reserves (maior nível abaixo do time principal masculino) também joga no mesmo campo.
O estádio tem chamado a atenção recentemente por conta do péssimo estado do seu gramado. Não só o público do futebol feminino, mas também os adversários do Tranmere no masculino reclamam a respeito.
Em dezembro, após o empate entre Liverpool e Chelsea pela WSL em um campo destruído, a técnica dos Blues, Emma Hayes, disparou:
“Este campo não deveria fazer parte da nossa liga. Ela merece coisas melhores e o Liverpool, campeão da Europa, deveria abastecer o time feminino com significativamente mais do que tem feito. A qualidade do campo, o pior da liga, é uma mancha no clube” – EMMA HAYES.
No dia seguinte, ela se desculpou e o Liverpool se manifestou, afirmando que as condições climáticas não ajudaram, mas que a equipe de apoio “assegurou um campo praticável e o resultado foi um jogo altamente competitivo”. Mas como já citado, um mês depois a equipe adiou dois jogos pela falta de condições do campo.
O Liverpool paga um valor ao Tranmere Rovers para uso do Prenton Park, mas segundo informações do The Guardian, não ajuda a bancar os reparos do gramado. Não é a única explicação, mas ajuda a mostrar bem porque o campo em questão vive com problemas.
Importante destacar neste processo que o Tranmere é um clube de terceira divisão. Ou seja: é uma equipe que convive com poucos recursos e precisa destiná-los bem para não passar por crises. Assim, o pagamento do aluguel ainda não é suficiente.
No caso contrário, vemos o rival Chelsea. O clube comprou o Kingsmeadow do AFC Wimbledon, que precisava de dinheiro para tocar a construção do novo Plough Lane.
Mas enquanto tal retorno não acontece, o Wimbledon recebeu a permissão para continuar em Kingsmeadow, com o Chelsea bancando um novo placar eletrônico e os cuidados do gramado – justamente por isso, é considerado um dos melhores da WSL.
Depois dos jogos adiados, o diretor executivo do Liverpool e presidente do time feminino, Peter Moore, prometeu melhorias. “Mesmo que esses problemas não sejam únicos a nós, temos que tentar achar uma solução para dar ao nosso LFC Women o campo que elas merecem”, afirmou.
A solução inicialmente encontrada foi mudar de lugar. A partida contra o Arsenal, em 13 de fevereiro, foi no Deva Stadium, casa do Chester – clube da sexta divisão masculina. A treinadora Vicky Jepson já pediu, inclusive, que o estádio (que fica a aproximadamente 32 quilômetros de Anfield) seja a casa permanente da equipe.
Já é o quarto estádio diferente do Liverpool Women em uma década. Essa mudança constante de casa torna ainda mais difícil a criação de uma identidade com a torcida local
Enquanto isso, o time masculino irá dispor de uma estrutura ainda mais invejável. A expectativa é que seja construído um novo complexo de treinamentos, custando em torno de 50 milhões de libras e com tudo que há de mais moderno e avançado para os atletas.
Mas a princípio, não há planos divulgados (até agora) para o uso por parte da equipe feminina. Mais uma vez as Reds acabam ficando atrás de rivais – por exemplo, o Manchester City, que divide a moderníssima estrutura com todas as modalidades.
O Liverpool treina no The Campus, estrutura também do Tranmere Rovers. Em fevereiro, inclusive, foi anunciado que o local receberia um novo gramado – enfim, uma melhoria para as atletas. Após uma recente reforma, The Campus dispõe também de ginástica, espaços de fisioterapia e recuperação, novos vestiários e refeitórios.
Mas esta é uma questão que não vem de agora. Em 2013 e 2014, o Liverpool foi bicampeão da WSL e se consolidava como uma das forças do futebol feminino no país. De lá para cá, tudo virou de ponta cabeça.
O clube perdeu a atenção com o futebol feminino, a então potência Arsenal continuou no topo e rivais do masculino, como Chelsea, Manchester City e até mais recentemente o Manchester United (este um pouco menos), chegaram com força. Nesse meio tempo, a WSL se profissionalizou 100% e as Reds ficaram muito para trás.
Tal situação ficou clara no começo da temporada 2018/19. Na ocasião, o técnico Neil Redfearn teve que lidar com uma grande debandada de jogadoras. Nomes como Bethany England, Caroline Weir, Gemma Bonner, Amy Turner, Alex Greenwood e Kate Longhurst deixaram Merseyside.
Para se ter uma ideia, do 11 titular que enfrentou o Chelsea na última rodada em 2017/18, oito começaram a temporada seguinte em novos clubes. A transição com novas peças não foi boa, e Neil Redfearn tomou uma decisão drástica: decepcionado com a falta de apoio da diretoria, deixou o clube após a primeira partida na WSL.
Coube a Vicky Jepson, assistente de Redfearn, assumir no começo de 2018/19 o lugar que ocupa até hoje. Em setembro, logo no início da atual temporada, Jepson falou ao Guardian sobre a dificuldade que encontrou no começo.
“Sou uma pessoa positiva, sempre acho o positivo no negativo e acho que tive uma chegada importante quando o Neil saiu e havia muitas jogadoras de coração partido no vestiário. Tive que levantá-las e fazê-las ficarem focadas. Mordi muito, mas gostei de mastigar a gordura e garantir que saíssemos dali em uma posição melhor” – Vicky Jepson.
Na mesma entrevista, a treinadora assume que o Liverpool Women já não é mais o mesmo na modalidade: “Minha primeira prioridade foi colocar a nós mesmos em um melhor lugar como clube, porque meio que deixamos um pouco a condição de sermos ‘o clube’”.
Depois do empate contra o West Ham em dezembro, a própria Jepson criticou a negatividade que existia em torno da equipe, dizendo que “qualquer palavra negativa da imprensa sempre nos motiva a fazer um pouco mais”.
Mas uma coisa é fato: o Liverpool Women realmente está atrás de vários rivais e decaiu muito na modalidade. E a gestão do clube, tão elogiada (e com razão) pela reestruturação que fez no masculino, precisa ser cobrada por isso até mudar de atitude. O cenário é pouco animador, e um provável rebaixamento só pioraria as coisas.