Calciopédia
·27 de março de 2020
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Uma das funções mais clássicas do futebol italiano é a de trequartista. Desde os primórdios do esporte, esquemas táticos que prosperaram no país deram espaço a ao menos um jogador responsável por fazer a ligação entre o meio-campo e o ataque. O chamado “camisa 10”, responsável por efetuar um último passe de qualidade para os avantes colocarem a bola nas redes adversárias. Porém, tão habitual quanto a própria presença do trequartista – ou rifinitore – é a irregularidade de muitos dos atletas que exercem este nobre ofício. Lamberto Zauli foi um dos representantes dessa classe: capaz de, num jogo, carregar o seu time nas costas e, no fim de semana seguinte, simplesmente desaparecer no gramado.
Apesar de ter muito em comum com outros jogadores de sua posição que não atingiram o máximo de seu potencial – como Domenico Morfeo, Cristiano Doni ou Giovanni Stroppa –, Zauli tinha características incomuns para um trequartista. Como Josip Ilicic, sua altura e seu porte físico de centroavante trombador se sobressaíam. Porém, tal qual o esloveno, Lamberto se destacava pela técnica refinada e seus pés “educados”, que podiam desarranjar defesas e destravar partidas em segundos.
Nascido em Roma, Zauli mostrou sua classe primeiramente ao norte da capital. O jogador cresceu em Grosseto, no sul da Toscana, onde seu pai trabalhava como anestesista. Após um período nas categorias de base do clube local, o meia passou ao Modena, onde veio a se profissionalizar. Lamberto vestiu a camisa dos canários poucas vezes e acabou emprestado a Centese (quarta divisão) e Fano (terceira). Em 1993, foi vendido ao Ravenna e, no clube romanholo, encontrou o treinador que mudou sua trajetória profissional: Francesco Guidolin.
Zauli era um jogador lento, inadequado para jogar pelos flancos e técnico demais para ser um meia comum. O técnico, então, colocou o magrão de 1,88m mais perto do gol, como trequartista, e viu a ideia lhe render frutos: o título da Serie C1 e o primeiro acesso do Ravenna à segunda divisão em sua história. Guidolin deixou a Emília-Romanha ao fim da temporada 1992-93 e o meio-campista romano perdeu espaço. Acabou emprestado ao Crevalcore, da quarta divisão, e mostrou que estava bem acima da categoria: foi o herói da primeira e única promoção dos biancazzurri para a terceirona.
De volta aos giallorossi, então rebaixados para a Serie C1, o ambidestro Zauli se tornou titular na faixa esquerda do meio-campo e ganhou protagonismo. Nos três anos seguintes, Lamberto realizou 89 partidas e marcou 16 gols pelo Ravenna, contribuindo ainda para os gols do centroavante Stefan Schwoch. Com isso, os leoni conquistaram mais um título da terceira divisão e tiveram sua melhor campanha na segundona: um oitavo lugar sob a batuta de Walter Novellino. As ótimas atuações do meia na competição lhe renderam o apelido que o acompanhou pela vida: “o Zidane da Serie B”.
Em 1997, então, Lamberto Zauli pode reencontrar Guidolin. O técnico, que se notabilizou por conseguir milagres em times pequenos e médios, aprontara das suas no Vicenza e estava credenciado pelo título da Coppa Italia. O comandante indicou a contratação do romano para reforçar o elenco biancorosso e contou com a lealdade do meia para vencer a concorrência de outros interessados. Assim, aos 26 anos, o “príncipe da província” aportou na Serie A e na equipe apelidada de “nobre provinciana”.
A alcunha de príncipe que Zauli recebera tinha a ver com sua elegância em campo, mas também com sua baixa contribuição na fase defensiva. Com Guidolin, porém, ele colocou seu futebol altamente estético a serviço do time, diminuiu o número de toques supérfluos na bola e viveu seu melhor momento – até hoje, é adorado pelos torcedores vicentinos.
Ciente das virtudes e defeitos de Zauli, Guidolin armou o seu esquema tático em volta do fantasista, que acabava tendo de ficar sempre ligado no jogo. Para isso, o técnico deixou de lado os dogmas táticos de seu 4-4-2 de matriz sacchiana e mudou o posicionamento de Lamberto. O jogador era visto como meia pela esquerda, mas passou a ocupar, já com a temporada em andamento, o lugar de Marcelo Otero e Arturo Di Napoli às costas do centroavante Pasquale Luiso. O camisa 14 jogava como um falso atacante e, na prática, sem a bola o Vicenza atuava num 4-5-1.
Aproveitando o trabalho de pivô de Luiso para receber a bola de frente para o gol adversário, sem a necessidade de precisar girar para construir jogadas, Zauli se tornou o centro de gravidade do Vicenza. Ao encontrar defesas mais desarrumadas, o trequartista precisaria “apenas” colocar seu pensamento rápido, sua visão de jogo e sua qualidade para funcionarem. Acabou funcionando, já que os lanerossi conseguiram escapar do rebaixamento, foram vice-campeões da Supercopa Italiana e ainda alcançaram as semifinais da Recopa Uefa.
Zauli se destacou por seus sete gols marcados em 1997-98. Cinco deles ocorreram na Serie A, como os belos tentos ante Sampdoria, Bologna e Lazio. Na Recopa, o “Zidane do Trivêneto” foi o motorzinho de um time que eliminou Legia Varsóvia, Shakhtar Donetsk e Roda até encarar o Chelsea, nas semifinais. Na ida, Lamberto anotou uma pintura que poderia ter sido assinada pelo francês que lhe emprestou o apelido e, assim, definiu a magra vitória sobre os Blues de Gianfranco Zola, Gianluca Vialli e Roberto Di Matteo. Em Stamford Bridge, o camisa 14 deu uma assistência para Luiso abrir o placar e deixar o Vicenza perto da final. No entanto, aos 76 minutos, Mark Hughes fez 3 a 1 e colocou água no chope vicentino.
Uma convocação para a seleção italiana começava a parecer factível para Zauli, mas a chance nunca apareceu. É que Guidolin trocou o Vicenza pela Udinese e, então, Lamberto foi acometido pela irregularidade. O trequartista era sondado pela Inter e pela Roma (seu time do coração), mas optou por retribuir o carinho da torcida e permanecer no Vêneto. A escolha se mostrou equivocada do ponto de vista esportivo, já que os lanerossi acabaram rebaixados e Zauli foi um dos bodes expiatórios da campanha.
O meio-campista permaneceu para a disputa da Serie B e ajudou o time de Edoardo Reja a ser campeão da categoria. De volta à elite, mas com atuações mais discretas, Zauli amargou mais um rebaixamento. Aos 30 anos, Lamberto parecia destinado a girar pelas divisões inferiores, mas foi salvo por Guidolin: então no Bologna, o treinador recuperou seu bruxinho e lhe deu um papel importante na Emília-Romanha. O fantasista não seria titular absoluto, mas dividiria com Claudio Bellucci e Giuseppe Signori a responsabilidade de ser companheiro de ataque de Julio Cruz.
Zauli chegou com um leve excesso de peso. Porém, logo resolveu o problema e se tornou um dos principais nomes de um elenco que ainda tinha Gianluca Pagliuca, Salvatore Fresi, Fabio Pecchia e Carlo Nervo. O Bologna chegou a brigar por um posto na Liga dos Campeões, mas terminou a Serie A três pontos atrás do Milan, quarto colocado, e um atrás da Lazio, sexta. O sétimo lugar foi honorável, ainda que os rossoblù tenham ficado apenas com a vaga na Copa Intertoto.
Lamberto terminou a temporada 2001-02 com seis gols marcados e atuações imponentes, que o colocaram novamente no rol de meias mais interessantes entre aqueles que atuavam por times médios do país. Apesar disso, Zauli foi parar na Serie B nos últimos dias do mercado de verão de 2002-03: o ricaço Maurizio Zamparini, que acabara de se tornar dono do Palermo, montava um elenco de alto nível para a disputa da segundona e ofereceu ao romano a centralidade no projeto rosanero. O trequartista seria o craque da companhia.
O Zidane da Serie B, porém, deu azar. Um choque com o zagueiro Gianluca Grassadonia, em jogo contra o Cagliari, válido pela 9ª rodada, o tirou de ação por quatro meses. Ainda assim, Zauli marcou seis gols em 21 aparições e contribuiu com o seu time, que terminou na sexta posição. Já com a camisa 10, Lamberto ganhou a companhia de Luca Toni, que fora seu companheiro no Vicenza. Os dois se entendiam muito bem e eram os grandes nomes de um time que protagonizou uma montanha russa no primeiro turno, com o técnico Silvio Baldini. Na metade final do campeonato, porém, Zamparini buscou o nome certo para Zauli: Guidolin.
A partir de então, golaços como o que marcou contra o Napoli não eram apenas lampejos para Zauli. O camisa 10 aperfeiçoou sua sintonia com Toni, forneceu mais assistências ao centroavante e foi peça-chave no título da categoria. Aos 34 anos, voltaria à Serie A como protagonista. Lamberto foi titular absoluto na surpreendente campanha do Palermo, que ficou com a sexta colocação e uma vaga na Copa Uefa. Regular como nunca, o romano marcou quatro gols (incluindo uma pintura à Zidane, contra a Lazio) e teve influência direta nos 20 tentos anotados por Toni em 2004-05.
O grande momento rendeu ao meio-campista uma transferência à Sampdoria, que foi quinta colocada e também disputaria a Copa Uefa. Seria a vez de Zauli retribuir a ajuda de Novellino, que também havia contribuído com sua projeção, no Ravenna. Contudo, Lamberto teve poucas chances com a camisa blucerchiata e, em janeiro, rumou ao Bologna, na Serie B. Dessa vez, o príncipe não brilhou o suficiente na segundona: nas duas temporadas de seu retorno ao clube rossoblù, o time não chegou nem mesmo ao playoff de acesso à elite.
Nos dois últimos anos de sua carreira, Zauli atuou em divisões inferiores. Em 2008-09, ficou a um passo de devolver a Cremonese à segundona e, na temporada seguinte, ajudou o Bellaria Igea Marina a não cair para a quinta divisão. Foi justamente no Bellaria, time da litorânea Rimini, que Lamberto deu suas primeiras ordens como treinador, em 2009-10. Contudo, a carreira de técnico do ex-jogador não decolou: Zauli acumulou trabalhos modestos em times das divisões inferiores e acabou descendo um degrau. Em 2017, o romano assumiu o time sub-19 do Empoli e levou o time para a primeira divisão do Campeonato Primavera. Desde 2019, é técnico dos juvenis da Juventus.
Enquanto ainda busca se firmar como treinador, Zauli guarda boas lembranças dos tempos em que foi profissional dentro dos campos e acumulou façanhas por Vicenza, Bologna e Palermo. Lamberto pode ter passado ao largo dos gigantes do futebol italiano, mas deu muitas alegrias aos pequenos e médios do país, que tiveram momentos de glória quando confiaram em seu trequartista. E mais: se centroavantes como Cruz e Toni puderam vestir camisas de grandes clubes, devem agradecer também ao Zidane da Serie B.
Lamberto Zauli Nascimento: 19 de julho de 1971, em Roma, Itália Posição: meia-atacante Clubes: Modena (1989-90 e 1992-93), Centese (1990-91), Fano (1991-92), Ravenna (1993-94 e 1994-97), Crevalcore (1994), Vicenza (1997-2001), Bologna (2001-02 e 2006-07), Palermo (2002-05), Sampdoria (2005-06), Cremonese (2007-08) e Bellaria Igea Marina (2008-09) Títulos: Serie C1 (1990, 1993 e 1996), Serie C2 (1994) e Serie B (2000 e 2004) Carreira como treinador: Bellaria Igea Marina (2009-10), Fano (2010-11), Reggiana (2012-13), Real Vicenza (2014), Pordenone (2014), Santarcangelo (2015-16), Teramo (2016 e 2016-17), Empoli (sub-19; 2017-19) e Juventus (sub-19; 2019-atual)