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·28 de outubro de 2020

Jornalista escreve carta aos irmãos Moreira Salles: ‘Assumam o Botafogo’

Imagem do artigo:Jornalista escreve carta aos irmãos Moreira Salles: ‘Assumam o Botafogo’

Depois do youtuber Felipe Neto expor as vísceras da Botafogo S/A no Twitter, o jornalista Rodrigo Capelo, especializado em negócios do esporte, publicou uma carta aberta endereçada aos irmãos Moreira Salles. No texto, Capelo, que não é torcedor do Botafogo, pede intervenção dos milionários botafoguenses no Clube.

Leia a íntegra carta:

Caros João e Walter,


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Desculpem o atrevimento. Carta aberta é um clichê que evitei até o dia de hoje, no entanto preciso escrever uma, pela primeira vez, para manifestar um pensamento que guardo há muito tempo.

Faz quase dois anos que vocês escreveram ao Juca Kfouri uma carta muito gentil e coerente. “Não temos vocação para Abramovich”. Entendo perfeitamente a posição. Mas apelo ao vosso botafoguismo: assumam o Botafogo.

Sei que vocês têm uma vontade imensa de financiar a construção de um centro de treinamento. Tipo o da seleção portuguesa, se não me contaram errado muito tempo atrás. É uma excelente ideia! Afinal, nenhum clube moderno sobreviverá sem estrutura para desenvolver atletas. Mas a esta altura do campeonato o CT já não basta.

Financeiramente, o Botafogo está insustentável. Orçamentos são inatingíveis. A disparidade para adversários destoa ridiculamente de um passado recente. E as dívidas estrangulam o clube de um jeito que só quem está lá dentro sabe. Não há mais soluções ordinárias para o caso.

Politicamente, perdoem a franqueza, o quadro é ainda mais grave.

No futebol brasileiro, nossas entidades poderiam avançar para dois modelos ímpares e de grande potencial. Ou para a democratização, ou para a privatização. Ambos dariam certo se fossem acompanhados de governança, responsabilidade, boa gestão do dinheiro.

Em vez disso, seguimos com associações ocupadas por meia dúzia de senhores. Eles revezam entre eles cargos amadores de administração, promovem-se às custas da paixão alheia, causam males e saem impunes. Nossos clubes são aristocracias intocáveis e obsoletas.

Façam um divisor na história do Botafogo. Antes e depois. Coloquem para fora todos os que causaram este estado crônico de insolvência. Não apenas ex-presidente e vices. Mas sim conselheiros, bajuladores, aproveitadores, todos que participaram da destruição por meio de ação ou omissão.

Assumam o Botafogo!

Eu compreendo que vocês queiram evitar dores de cabeça. Torcida organizada, cobertura da imprensa, pressão por resultados, por exemplo. Mas tenho uma sugestão para aliviar a barra.

Vocês disseram que não têm vocação para Abramovic, proprietário do Chelsea. Esta não é a única possibilidade. Na Itália, por exemplo, a família Agnelli detém a Juventus com um modelo interessante. 64% do controle pertencem a ela. 11% foram vendidos para um fundo de equity. 25% restantes estão abertos ao público por meio da Bolsa de Valores.

Clube de futebol em Bolsa é coisa controversa porque o objetivo primário é esportivo, não financeiro. Sem lucro líquido, sem dividendos para repartir. Mas isto pouco importa.

A família Agnelli tem a Juventus na Bolsa quase como blindagem. Afinal, as pessoas lá também têm preocupações maiores do que futebol.

Capital aberto, vocês sabem melhor do que ninguém, implica maiores controles de governança, transparência e compliance. Portanto, um corpo profissional para executar a administração de acordo com um planejamento, um Conselho de Administração para monitorar o trabalho à distância. Funciona para os Angelli, por que não Moreira Salles?

Sim, eu sei. Um projeto dessa magnitude iria requerer trabalho, tempo, dinheiro. Só para resolver o endividamento atual seriam necessários de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões. Mas quem sabe esta grana não volta com um IPO bem feito de metade menos um das ações do Botafogo S/A?

A administração não precisa viver de novos aportes. Vocês viram projeções de gente mais capacitada que eu nos últimos meses, mas vou chutar aqui, informalmente, que o Botafogo tem potencial para arrecadar e gastar uns R$ 300 milhões por ano. Ainda mais com o CT que vocês sonham, dinheiro novo das vendas de atletas pode entrar.

Isto basta para brigar por classificação para Libertadores, com um pouco de eficiência, em vez de rebaixamento. É do que todos precisam, afinal.

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Torcedores teriam a real possibilidade de comprar ações do Botafogo. Nem que sejam poucas. Não como um investimento racional atrás de dividendos ou especulação, mas para ter uma partezinha do clube que torcem. Clube é coisa coletiva. Pode ser de muitos.

Não vou fazer terrorismo dizendo que o Botafogo acabará, pois, enquanto houver torcedores, o Botafogo nunca acabará. Mas o destino pode ser ainda mais cruel. Tornar-se um time que oscila entre primeira e segunda divisões, por exemplo, que não compete por nada e só dá sofrimento ao fanático, é muito pior do que abrir falência e fechar as portas.

Esta história pode, enfim, mudar. Precisamos de uma referência que, acredito piamente, vocês podem nos proporcionar com a refundação do clube e o reposicionamento de seu futebol profissional no mercado e no país.

Enfim, pensem nisso como o legado de uma vida inteira. A instituição que revelou Garrincha e Nilton Santos de volta aos seus melhores dias. Inspirar crianças. Treinar adolescentes. Revelar os melhores jogadores, formar cidadãos entre os que não chegam lá. Empregar centenas de pessoas com trabalhos dignos e remunerados – no dia certo do mês.

O futebol brasileiro precisa deste exemplo.

Assumam o Botafogo!

PS.: Não sou botafoguense.

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