Gazeta Esportiva.com
·04 de junho de 2024
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O capitão do time de futebol do Mekelle 70 Enderta, Anteneh Gebrekirstos Haile, recorda como se fosse ontem o dia em que sua equipe, representante da região do Tigré, conquistou pela primeira vez o campeonato etíope. Foi em julho de 2019.
O estádio “estava cheio de energia e emoção, as arquibancadas lotadas de torcedores apaixonados” pela equipe de Mekele, capital do Tigré, lembra este jogador de futebol de 31 anos.
“O dia mais lindo da minha vida”, confessa à AFP.
Porém, o silêncio invadiu o estádio em 2020. A guerra entre o governo federal e as autoridades de Tigré devastou esta região no norte do país, até a assinatura de um acordo de paz em novembro de 2022.
Milhares de jovens do Tigré foram envolvidos à força no conflito, incluindo Anteneh.
“Havia um sentimento geral de que era melhor ir para a guerra do que morrer em casa”, diz ele.
Kibrom Asbeha, de 26 anos e atacante da equipe, explica à AFP que ele e o irmão mais novo pegaram em armas para se juntarem aos pais, ambos alistados.
A guerra levou seu irmão embora antes da assinatura do acordo de paz e do reencontro com seus pais. Apesar da guerra, a paixão pelo futebol permaneceu intacta.
“Até assisti aos jogos da primeira divisão etíope no Facebook Live, na esperança de poder voltar a jogar futebol depois da guerra”, recorda. Mas voltar à vida normal não foi uma tarefa fácil.
Além da falta de rendimentos (nenhum membro do clube recebe salário), o trauma da guerra continua.
“No campo de batalha, a intensidade do momento muitas vezes esconde emoções, mas as memórias assombram você quando você volta para casa”, acrescenta.
O conflito, para o qual nunca foi dado um número de vítimas, foi também palco de atos de violência sexual de ambos os lados.
Os investigadores da ONU também acusaram o governo etíope de ter tentado matar os tigrinos de fome, para enfraquecer o poder das autoridades rebeldes.
Reunir os jogadores em campo e formar uma equipe foi um grande desafio, diz o técnico Goytom Haile, 39 anos.
“A guerra nos roubou muitas coisas (…) Vai demorar muito para voltarmos a ser o que éramos antes, mas chegaremos lá”, insiste o treinador, que pede ajuda financeira para a equipe, que ele considera uma “força unificadora” e coloca como exemplo a figura do astro marfinense Didier Drogba, que no início da década de 2010 colocou seu prestígio a serviço da paz no seu país.
Todos os esforços já permitiram ao time retornar à elite do futebol etíope e seus torcedores já sonham em ver o clube reviver seus anos de glória.
“Mesmo que não seja como antes, estou otimista de que as coisas vão mudar”, diz Zelalem Etakility, um homem de 30 anos que torce pelo Mekelle 70 Enderta desde a adolescência.
“O futebol pode nos ajudar na reconstrução política, econômica e financeira.”
Para Anteneh, voltar a campo já é sinônimo de “cura” e “esperança”: seu clube pode se orgulhar de ter terminado invicto na temporada passada.