Calciopédia
·01 de dezembro de 2022
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Dos 25 anos de sua carreira futebolística, o goleiro belga Jean-François Gillet passou 15 deles na Itália. E, lá, viveu de tudo um pouco. Foi pego em exame antidoping, se deu mal por envolvimento em esquema de manipulação de resultados, ganhou status de ídolo no Bari e detém o recorde de jogador estrangeiro com mais jogos pela Serie B (357). Debaixo das traves, o arqueiro se notabilizou por ser um exímio pegador de pênaltis, a ponto de defender duas cobranças de Francesco Totti na mesma temporada e – mais absurdo ainda – catar três penalidades num mesmo compromisso. Várias histórias interessantes de um atleta que não alcançou destaque por clubes de elite do futebol europeu, mas teve a consistência como marca registrada.
Gillet nasceu e foi criado em Liège, capital da Bélgica. Ele começou sua carreira no Standard Liège, um dos clubes mais populares do país. Entrou para as divisões de base em 1989 e chegou ao profissional sete anos depois, embora já tivesse frequentado o banco de reservas do time principal desde os 17. Depois de uma década ligado aos vermelhos, o arqueiro arrumou as malas e partiu à Itália para reforçar o Monza.
Apesar da pouca idade (20 anos) e da estatura pouco imponente para a posição (1,81 m), Gillet rapidamente ganhou o posto de titular da equipe biancorossa, disputando 33 jogos na Serie B, com 40 gols sofridos e oito clean sheets – partidas com a meta inviolada. O time lombardo finalizou o campeonato na 14ª colocação, dois pontos acima do último clube rebaixado à terceirona. O belga até iniciou a temporada 2000-01 pelo Monza, mas, após quatro compromissos realizados em agosto pela segunda divisão, assinou com o Bari, custando 5 bilhões de velhas liras, nos derradeiros dias da janela de transferência. Começaria, ali, uma grande história de amor.
No entanto, assim como na maioria dos filmes de romance, Gillet precisou superar alguns obstáculos até o momento de glória. Em sua primeira temporada pelos galletti, o arqueiro se destacou debaixo das traves e entrou em campo 20 vezes pela Serie A. Mas o teste positivo para nandrolona em um exame antidoping, realizado após partida entre Bari e Reggina, em 21 de janeiro de 2001, fez o belga encerrar a sua participação mais cedo.
No início de sua passagem pelo Bari, Gillet viveu momentos difíceis dentro e fora do campo (Allsport)
O tribunal de Bari condenou o atleta a dois meses de suspensão e a pagar uma multa no valor de 4.280 mil euros. Gillet, que se tornou o primeiro jogador da Serie A a testar positivo em um teste antidoping para a substância, desfalcou o time da Apúlia na reta final da temporada, perdendo oito partidas – no fim das contas, teria sua pena reduzida por causa de vários atenuantes reconhecidos pelo júri desportivo. Entretanto, com ou sem o camisa 31 em campo, os biancorossi amargaram a lanterna do campeonato e foram relegados à segunda divisão.
Enquanto galgava espaço no futebol italiano, o goleiro figurou entre as seleções de base da Bélgica por dez anos. Entre 1992 e 2002, ele jogou desde o time sub-15 até o sub-21. Entre os torneios mais famosos, Gillet disputou uma Copa do Mundo Sub-20, em 1997, e um Europeu Sub-21, em 2002. A constância nos juvenis dos Diabos Vermelhos não se repetiu na equipe principal, já que o arqueiro só receberia sua primeira convocação no final da década de 2000, mas esta história será contada nos próximos parágrafos.
Em 2002-03, a diretoria do Bari contratou Marco Tardelli para ser o novo treinador da equipe. Um dos heróis do título mundial da Itália em 1982, o ex-jogador entrou em atrito com Gillet, que perdeu a queda de braço com o comandante e teve o empréstimo ao Treviso confirmado na temporada 2003-04. O belga defendeu os biancocelesti em 44 jogos na Serie B, sofrendo 48 gols e obtendo 12 cleen sheets. Retornaria à Apúlia em 2004-05, onde se firmaria nos anos seguintes e, com a faixa de capitão no braço, se destacaria, sobretudo, no time estruturado por um prodígio Antonio Conte.
Com apenas dois anos exercendo a função de treinador, Conte sucedeu Giuseppe Materazzi no comando técnico dos galletti, em dezembro de 2007. O clube estava na zona de rebaixamento quando o ex-volante, que marcou época na Juventus, chegou à Apúlia. Diferentemente de sua passagem irregular pelo Arezzo, onde iniciou sua trajetória como técnico, Antonio obteve sucesso meteórico à frente da equipe biancorossa: com facilidade, livrou o time da degola e, já na temporada seguinte, sagrou-se campeão da segunda divisão. A agremiação selava, assim, o retorno à elite após quase uma década.
Capitão e ícone do Bari, o goleiro se tornou o jogador com mais partidas pelo clube (imago/Anan Sesa)
Já estabelecido como um dos pilares do Bari, Gillet renovou contrato até 2011 e teve grande papel na conquista da Serie B 2008-09, mantendo a meta inviolada em 17 partidas da vitoriosa campanha. O desempenho do camisa 1 o levou à seleção belga: em agosto de 2009, aos 30 anos, foi convocado pela primeira vez para defender os Diabos Vermelhos, em confrontos válidos pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010. A estreia, diante da Espanha, em setembro de 2009, foi dura, já que ele teve que buscar cinco bolas na rede. Saldo positivo foi o pênalti que ele defendeu, cobrado por David Villa.
Jean-François, aliás, ganharia fama, nos anos seguintes, por pegar muitas penalidades. Durante a ótima campanha dos biancorossi em 2009-10, quando ficaram na 10ª posição da Serie A, defendeu cobranças de Diego e Alesksandar Kolarov em vitórias sobre Juventus e Lazio, respectivamente. Nos dois confrontos contra a Roma válidos pela competição em 2010-11, ele parou dois pênaltis de Totti – um em cada jogo. O italiano Robert Acquafresca, então atacante do Cagliari, também não conseguiu superar Gillet na marca da cal, no returno do campeonato.
Porém, apesar dos milagres do belga debaixo das traves, o Bari não conseguiu evitar o descenso à Serie B ao fim daquela temporada, que seria a última do goleiro na Apúlia. Bandeira dos galletti, Jean-François é o recordista de jogos da história do clube, com 364 partidas.
O Bologna comprou Gillet junto ao Bari, em junho de 2011, por 1,4 milhão de euros. Chegou ao time rossoblù para ser titular e assim o fez. Entrou em campo 30 vezes na temporada, sofreu 33 gols e conseguiu sair do gramado sem ser vazado em dez duelos. Além disso, forneceu duas assistências – ambas originadas de tiro de meta – na Serie A 2011-12. Os felsinei concluíram o campeonato na nona colocação.
Após 10 anos de Bari, Gillet foi contratado pelo Bologna, clube pelo qual teve curta passagem (imago/AFLOSPORT)
Um ano depois de se transferir ao Bologna, o goleiro belga trocou de clube novamente. A próxima parada seria Turim, onde defenderia o Torino. Ele custou 1,7 milhão de euros aos cofres da agremiação e fechou contrato de três temporadas. No Toro, o arqueiro reencontrou o treinador Gian Piero Ventura, com quem trabalhou nos tempos de Bari. Foi titular da meta granata durante 2012-13, mas o seu envolvimento em um escândalo de manipulação de resultados resultaria em uma forte punição.
Em 16 de julho de 2013, a Comissão Disciplinar da FIGC, a Federação Italiana de Futebol, condenou Gillet a três anos e sete meses de suspensão devido à fraude esportiva. Uma investigação iniciada em agosto de 2012 chegou à conclusão de que o goleiro e outros jogadores do Bari se envolveram em duas manipulações de resultados: nas derrotas dos galletti para o Treviso, em 11 de maio de 2008, e para a Salernitana, em 23 de maio de 2009. Em janeiro de 2014, todavia, o atleta viu o Tribunal Nacional de Arbitragem do Esporte reduzir seu gancho para 13 meses – ele já havia cumprido cinco.
A suspensão o impediu de ser convocado para a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e Gillet só voltaria a atuar numa partida oficial em setembro de 2014, quando o Torino visitou o Club Brugge, pela estreia da fase de grupos da Liga Europa. Ele foi bem no jogo e ajudou os italianos a saírem da Bélgica com um 0 a 0 na bagagem. Mas o experiente goleiro, então com 35 anos, permaneceu apenas mais alguns meses a serviço do Toro. Nos últimos dias do mercado de transferências de janeiro de 2015, o arqueiro firmou contrato com o Catania, que iniciara a temporada com o objetivo de retornar à elite, mas se via, incrivelmente, lutando para não cair para a terceirona.
A aventura pelos etnei, contudo, foi breve, já que o clube se envolveu em um esquema de compra de partidas da Serie B e, assim, teve o rebaixamento decretado à terceira divisão. O escândalo também acarretou nas prisões de dirigentes do Catania, entre eles o então presidente rossazzurro, Antonino Pulvirenti. Com o imbróglio, Gillet acabou voltando ao seu país: juntou-se ao Mechelen, em negócio estabelecido sob a condição de empréstimo com direito de aquisição definitiva.
No Torino, o belga viveu novas tormentas e se despediu da Serie A (imago/Anan Sesa)
Pela equipe aurirrubra, o goleiro chamou a atenção do mundo ao defender três penalidades num mesmo jogo: no empate em 1 a 1 com o Anderlecht, realizado em outubro de 2015, o camisa 1 pegou os pênaltis de Dennis Praet, Stefano Okaka e Youri Tielemans – os dois primeiros, inclusive, têm passagem pelo futebol italiano. Após o fim da temporada, Gillet ainda seria escolhido, aos 37 anos, para ser o terceiro arqueiro da seleção belga na Eurocopa de 2016.
Em julho de 2016, o arqueiro concluiu o retorno ao Standard Liège depois de quase duas décadas. Reserva no campeonato e titular nas copas, ele ajudou a equipe a vencer a Copa da Bélgica, superando o Genk, por 1 a 0, na prorrogação da final. Pendurou as luvas e as chuteiras em maio de 2021, beirando os 42 anos, e continuou trabalhando no clube, mas como preparador de goleiros.
A ligação com o Bari, contudo, permanece viva, ainda que Gillet esteja longe da Apúlia. “[…] O público é muito caloroso e sempre me fez sentir importante. Fiquei no Bari por muitos anos. Algumas temporadas foram muito difíceis, mas, pra mim, foi uma experiência de vida. Eu ainda sou muito apegado à praça”, contou o ídolo biancorosso, em entrevista ao site EuropaCalcio.it.
Jean-François Gillet Nascimento: 31 de maio de 1979, em Liège, Bélgica Posição: goleiro Clubes: Standard Liège (1996-99 e 2016-21), Monza (1999-2000), Bari (2000-03 e 2004-11), Treviso (2003-04), Bologna (2011-12), Torino (2012-15), Catania (2015) e Mechelen (2015-16) Títulos: Serie B (2009) e Copa da Bélgica (2018) Seleção belga: 9 jogos
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