Trivela
·09 de setembro de 2021
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Hannes Halldórsson foi um dos protagonistas no conto de fadas da Islândia em seu período dourado no futebol. O goleiro-cineasta viveu uma história que muitos desacreditariam se fosse apenas contada nas telas. Primeiro, brilhou na campanha improvável até as quartas de final da Euro 2016. Já na Copa do Mundo de 2018, se os nórdicos caíram logo na fase de grupos, pelo menos o arqueiro teve o gosto de pegar um pênalti de Lionel Messi. Aos 37 anos, o camisa 1 completou uma década defendendo a seleção principal. Porém, ao final desta Data Fifa, anunciou sua despedida da equipe islandesa – um fim melancólico, em meio a uma crise esportiva e institucional na federação, diante das graves denúncias de abuso sexual contra dois de seus companheiros.
O pênalti de Messi foi o ápice de uma trajetória inimaginável, que dificilmente reservaria a presença em uma Copa do Mundo. Afinal, o próprio Halldórsson tinha pouca fé que um dia explodiria como goleiro. Quando tinha 14 anos, o arqueiro deslocou o ombro fazendo snowboarding e atravessou um bom tempo com dificuldades para treinar por conta das dores. Seria operado apenas aos 19 anos, ficou acima do peso e passou longe de figurar nas seleções de base da Islândia. Assim, preferia investir em seu futuro como diretor. Gastava grande parte de seu tempo produzindo curtas e estudando cinema.
Halldórsson retomou a carreira por incentivo do pai, quando tinha 20 anos, mas começaria como reserva do pequeno Leiknir Reykjavík, um clube de bairro na terceira divisão. Ganhou a oportunidade de atuar justo no jogo do acesso e passou longe de viver sua reviravolta: muito pelo contrário, falhou feio na derrota, com transmissão em rede nacional. E quando esta parecia ser a deixa para pendurar as luvas, o arqueiro ganhou uma nova chance. Rodou um pouco mais nas divisões de acesso, por Afturelding e Stjarnan, até se profissionalizar e disputar a primeira divisão com o Fram a partir de 2007. Por fim, o passo decisivo para se consagrar como um dos melhores arqueiros do país aconteceu em 2011, aos 27 anos. Jogando pelo KR, Halldórsson conquistou a dobradinha nacional e ganhou sua primeira convocação à seleção principal.
Halldórsson transformou sua história graças ao seu empenho, mas também deu sorte de chegar à seleção no exato momento em que a melhor geração já formada na Islândia começava a decolar. O arqueiro se tornaria uma peça fundamental ao lado do grupo que disputou o Campeonato Europeu Sub-21 de 2009. Por ser mais velho, o camisa 1 virou uma referência nos vestiários e brilhou nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2014. Os islandeses chegaram à repescagem e, apesar da eliminação diante da Croácia, mostravam ao restante da Europa que poderiam ambicionar mais em breve.
Por clubes, a carreira de Halldórsson desbravou fronteiras. O goleiro não precisava mais se dedicar à produção de clipes e curtas, por mais que amasse o cinema. Passou a rodar por clubes do exterior, defendendo equipes sobretudo na Noruega e na Dinamarca. E a epopeia da seleção islandesa começou a ganhar novas proporções com a classificação inédita para a Eurocopa, em 2016. Já foi a chance de fechar o gol em partidas contra Portugal e Inglaterra, além de pegar um pênalti contra a Áustria. Liderou a caminhada dos nórdicos até as quartas de final, quando perderam para a anfitriã França. Mas ainda teria mais.
Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, a Islândia provou que seu feito na Euro não tinha sido por acaso e conquistou a vaga direta. A campanha pararia na fase de grupos, mas com o empate arrancado diante da Argentina valendo o auge da carreira de Halldórsson. Não são muitos os goleiros que podem dizer que pegaram um pênalti de Messi, e em Copa do Mundo ele é o único. De quebra, o arqueiro-cineasta ainda pôde dirigir um comercial da Coca-Cola sobre o Mundial da Rússia.
Em 2019, Halldórsson retornou ao futebol islandês para defender o Valur, podendo ficar mais perto da família e também retomar seus trabalhos como diretor. Permanecia como uma figura onipresente na seleção, ainda que os sucessos não tenham se repetido, com a ausência na Euro 2020 e com os fracassos na Liga das Nações. Desde o último ano, porém, ele vinha perdendo seu espaço como titular. Sua despedida parecia questão de tempo, até se consumar nesta Data Fifa.
A Islândia atravessa um momento gravíssimo, e não só pelo desempenho ruim nas Eliminatórias, com apenas quatro pontos conquistados em seis partidas. Na última semana, a imprensa local revelou que a federação acobertou uma denúncia de abuso sexual contra o atacante Kolbeinn Sightórsson em 2017. Acusado de tentar silenciar a vítima e acobertar o jogador, o presidente da entidade deixou seu cargo diante da repercussão do caso, assim como toda a diretoria renunciou. Além disso, em julho, Gylfi Sigurdsson também foi preso preventivamente pela polícia inglesa, denunciado por abuso sexual de menores. O meia pagou fiança, mas está suspenso pelo Everton enquanto as investigações ocorrem.
Foi neste contexto que Halldórsson preferiu sair de cena. O goleiro permaneceu como reserva na derrota contra a Romênia e no empate diante da Macedônia do Norte. Já nesta terça-feira, ele disputaria seu 77° e último jogo com a Islândia, encarando a Alemanha em Reykjavík. O camisa 1 realizou algumas boas defesas e evitou uma derrota mais elástica, por mais que a goleada por 4 a 0 aplicada pelo Nationalelf tenha sido dolorosa. Despede-se com uma história bonita e bastante representativa ao país, ainda que o final guarde uma equipe cambaleante e uma série de escândalos que mancham aquele conto de fadas.
“Defendi a seleção por dez anos e essas são minhas melhores memórias. No entanto, uma renovação ocorre neste momento e temos vários bons goleiros. Esse é o momento certo para que eu dê um passo para trás e permita que eles tomem a posição, sem que eu fique em suas nucas. Sou muito feliz por essa carreira e não sinto que falta algo. Pensei em parar depois do jogo contra a Inglaterra em Wembley, pela Liga das Nações, mas então decidi ajudar nas Eliminatórias. Sinto agora que acabou, é a coisa certa a se fazer”, comentou.
Sem Halldórsson, a Islândia perde uma liderança, ainda mais diante de tamanha instabilidade. E também perde um goleiro que ajudou a elevar o nível da seleção. Rúnar Alex Rúnarsson, emprestado pelo Arsenal ao Leuven, é quem vem disputando a maior parte dos jogos como titular nas Eliminatórias. Halldórsson deve se dedicar aos últimos anos de contrato com o Valur, enquanto seguirá sua carreira como cineasta, após lançar neste ano o filme ‘Cop Secret’. E se um dia quiser filmar uma autobiografia sobre seus feitos em campo, certamente terá história para contar.
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