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·24 de janeiro de 2023

Há 50 anos, o Ajax batia o Rangers e levantava a pioneira Supercopa Europeia

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Nascida há meio século a partir da ideia do jornal neerlandês De Telegraaf, a Supercopa Europeia representava a transposição para o âmbito internacional do desafio já realizado em alguns países do Velho Continente, colocando frente a frente o campeão da copa europeia que reunia os vencedores das ligas nacionais (Copa dos Campeões) e o detentor do torneio que contava com os vencedores das copas nacionais (Recopa ou Copa dos Campeões de Copas). E a primeira edição, extraoficial (a chancela da Uefa só viria a partir do ano seguinte), foi decidida há 50 anos: em duas partidas, disputadas nos dias 16 e 24 de janeiro de 1973, o Ajax de Johan Cruyff superou o Glasgow Rangers, levou para casa o novo troféu (referente à temporada 1972) e escreveu uma história de pioneirismo.

O pai da ideia

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De Telegraaf e a manchete do título do Ajax

A origem da Supercopa Europeia tem um ponto em comum com a da Copa dos Campeões, na década de 1950: assim como havia sido um jornalista – o francês Gabriel Hanot, do L’Équipe – o autor da ideia que levou à criação do principal torneio de clubes do continente, foi também um profissional de imprensa o mentor da criação da nova competição. Anton Witkamp, repórter (e mais tarde editor) do diário neerlandês De Telegraaf, sugeriu colocar uma taça em disputa entre os vencedores da Copa dos Campeões e da Recopa.

A ideia de Witkamp era colocar um desafio a mais aos clubes candidatos ao posto de melhor time do continente. “Mais que dinheiro e glória, eles ambicionam o direito de serem chamados de os melhores. Mas qual era ou qual deveria ser o time mais forte da Europa? O vencedor da Copa dos Campeões? A princípio sim, mas o futebol às vezes é um hino à relatividade e, por essa razão, pode ser uma arte imprecisa. Então por que não confrontar os detentores da Copa dos Campeões e da Recopa?”, argumentou em entrevista de 2007.

Sendo mais específico, o jornalista também explicava que a nova disputa era um desafio ao Ajax – que em 1972 acabara de vencer pelo segundo ano seguido a Copa dos Campeões – tendo como objetivo referendar sua reputação de equipe mais forte da Europa. Com isso, o primeiro dirigente a ser consultado por Witkamp sobre a proposta foi o presidente dos Godenzonen, Jaap van Praag. Com a resposta positiva do cartola, os dois seguiram para Zurique, onde se encontrariam com o presidente da Uefa, o italiano Artemio Franchi.

Naquele momento, porém, a entidade europeia enxergou um empecilho para conceder seu apoio oficial à competição: o oponente do Ajax na edição inaugural seria o Rangers, detentor da Recopa, mas que havia sido punido pela Uefa com suspensão de um ano em suas competições após os conflitos ocorridos inclusive em pleno gramado do Camp Nou, em Barcelona, entre torcedores escoceses e a polícia franquista durante e após a final daquele torneio contra os soviéticos do Dínamo de Moscou, vencida pelos Gers por 3 a 2.

A negativa da Uefa, no entanto, não impediu de levar Witkamp e Van Praag adiante com a ideia. O próximo passo foi persuadir o Rangers, que, em meio às comemorações de seu centenário de fundação, topou o duelo, que seria patrocinado pelo De Telegraaf, que também encomendou a taça a ser entregue ao campeão ao fim das partidas de ida e volta. O calendário cheio, no entanto, acabou empurrando a realização dos jogos para janeiro de 1973, num intervalo de oito dias: em Glasgow no dia 16 e em Amsterdã no dia 24.

Os postulantes

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O time do Ajax em 1973

Dirigido pelo romeno Ştefan Kovács e já tendo em Johan Cruyff um jogador badalado na Europa (fora eleito o Bola de Ouro de 1971 pela revista France Football com votação expressiva), o Ajax havia superado adversários fortes para chegar ao seu segundo caneco europeu. Na primeira fase, passou pelo Dynamo Dresden. Nas oitavas e quartas de final, venceu o Olympique de Marselha e o Arsenal tanto em casa quanto fora. Já nas semifinais, tirou o Benfica de Eusébio. E na decisão em Roterdã, bateu a Internazionale por 2 a 0.

Já na edição da Copa dos Campeões então em andamento, os neerlandeses haviam pulado a etapa inicial e entrado direto nas oitavas de final, eliminando facilmente o CSKA Sofia com um 6 a 1 no placar agregado. No horizonte avistava-se um duelo que se revelaria histórico diante do Bayern de Munique pelas quartas. Antes dele, os Godenzonen chegavam para enfrentar o Rangers em Ibrox no dia 16 de janeiro com duas alterações em relação ao time que havia sido campeão contra a Inter em Roterdã em 31 de maio do ano anterior.

No meio, Johan Neeskens era desfalque, substituído por Arnold Mühren, e no ataque, Johnny Rep deixava Sjaak Swart no banco. Nas demais posições, era a mesma equipe: Heinz Stuy no gol; Wim Suurbier e Ruud Krol pelas laterais; Barry Hulshoff e o alemão-ocidental Horst Blankenburg no miolo de zaga; Arie Haan e Gerrie Mühren (irmão mais velho de Arnold) no meio-campo; e Johan Cruyff no comando do ataque tendo o experiente capitão Piet Keizer na ponta-esquerda. Um time sólido e de qualidade técnica inquestionável.

No caminho até o título da Recopa, o Rangers havia enfrentado uma sequência respeitável de adversários: Rennes, Sporting, Torino e o Bayern de Munique de Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Sepp Maier e Paul Breitner, antes de bater o Dínamo de Moscou uma semana antes da vitória do Ajax sobre a Internazionale. Logo após a conquista, porém, a equipe passou por mudanças no comando: o técnico Willie Waddell subiu de posto ao assumir o cargo de supervisor e entregou a direção do time a seu antigo assistente, Jock Wallace.

Além disso, o clube negociou com o futebol inglês seus dois jogadores que haviam balançado as redes na decisão de Barcelona: o centroavante Colin Stein seguiu para o Coventry, enquanto o ponteiro-esquerdo Willie Johnston (autor de dois tentos sobre o Dínamo) foi vendido ao West Bromwich Albion. Pela porta de entrada, as novidades no elenco dos Teddy Bears eram o vigoroso zagueiro Tom Forsyth, trazido do Motherwell, e o ponta-esquerda Quinton Young, que chegara do mesmo Coventry na virada de 1972 para 1973.

Forsyth seria escalado para uma missão especial e um tanto ingrata: vigiar de perto Johan Cruyff. Para isso, Jock Wallace decidiu sacar do time o ponta-direita Tommy MacLean, deslocando o meia Alfie Conn para aquela função. Assim, o novo treinador retornava ao esquema 1-4-4-1 o qual os escoceses haviam utilizado em vários jogos da campanha da Recopa. As outras duas alterações em relação à equipe que batera o Dínamo eram trocas simples: Quinton Young substituía Willie Johnston e Derek Parlane pegava a vaga de Colin Stein.

O restante do time era o mesmo de Barcelona: Peter McCloy guardava a meta, com o líbero Dave Smith logo à sua frente, na saída de jogo. Pelas laterais, jogavam Sandy Jardine e Willie Mathieson. No centro da defesa, o polivalente Derek Johnstone fazia dupla com Forsyth. Mais adiante vinha o capitão John Greig, fazendo o elo da defesa com o meio-campo. Tendo Conn e Young nas pontas e Parlane no comando do ataque, o time se completava com o ponta-de-lança Alex MacDonald vestindo a camisa 10 e encostando no setor ofensivo.

O confronto foi muito bem recebido pela imprensa escocesa. Após lembrar que ele representava uma espécie de “liberdade condicional” concedida ao Rangers dentro do cenário europeu em meio à punição da Uefa, o jornalista Ian Archer, do Glasgow Herald, saudou a ideia de se colocar frente a frente os vencedores da Copa dos Campeões e da Recopa, “tão corajosa e imaginativa que alguém só pode se perguntar por que ninguém pensou nisso em outros anos”. No extenso artigo de Archer, o tom era o de troca de gentilezas.

O jornalista celebrava a visita dos “campeões europeus e mundiais” e instava “qualquer pai cujo filho tenha interesse em futebol” a levá-lo a Ibrox para assistir a Johan Cruyff, “o melhor atacante do mundo no momento”. E citava as palavras de Ştefan Kovács sobre o Rangers ao desembarcar em Glasgow como prova do prestígio dos escoceses: “É um clube grande, famoso e respeitado em toda a Europa. Sentimos que é um adversário adequado nesse jogo e um clube de tamanho semelhante ao nosso”, disse o técnico dos Godenzonen.

O primeiro confronto

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Cruyff marca no jogo de Ibrox

Talvez por tanta gentileza – e por todo o cerimonial evocando a história do Rangers que precedeu o jogo naquela noite de 16 de janeiro em Ibrox, a partida começou sem tantos lances de emoção e só engrenou mesmo pouco depois da meia hora de primeiro tempo. Aos 34, Cruyff recebeu a bola na própria intermediária, carregou atravessando a linha do meio-campo e passou à frente para Johnny Rep, que só esperou a saída do goleiro McCloy para bater cruzado, tirando de seu alcance, e abrir caminho para a vitória neerlandesa.

O Rangers, no entanto, não se daria por vencido tão facilmente: seis minutos depois, Alfie Conn recebeu cobrança de lateral e enfiou na frente para Alex McDonald, que se livrou da marcação e também bateu cruzado, com pouco ângulo. Stuy chegou a tocar com as duas mãos na bola, mas não pôde segurá-la, e o placar agora era de 1 a 1. Mas o Ajax ainda iria ao intervalo em vantagem depois que Cruyff recebeu na direita e deu um drible sensacional em Forsyth antes de bater forte, sem a menor chance para McCloy. Um gol para se aplaudir.

A missão dos donos da casa parecia ter ficado ainda mais complicada logo aos quatro minutos da etapa final quando Conn, seu jogador mais perigoso na partida, se lesionou e teve de dar lugar a Tommy McLean. O que aconteceu logo depois disso, porém, foi o inverso: os Gers cresceram no jogo e chegaram muito perto do empate quando Derek Johnstone venceu a linha de impedimento neerlandesa e ficou frente a frente com Stuy, mas hesitou na hora do chute, permitiu a recuperação da defesa do Ajax e acabou finalizando para fora.

O castigo acabou vindo aos 31 minutos, quando Arie Haan recebeu de Barry Hulshoff e tocou na saída de McCloy para fechar o placar em 3 a 1. No fim, os escoceses ainda teriam outras chances para diminuir a desvantagem com John Greig e Derek Parlane, mas não concretizariam. De todo modo, a imprensa local afirmou não se tratar de derrota desonrosa: apenas o inegável produto da superioridade técnica do Ajax, enquanto o Rangers havia mostrado bravura para reagir, ainda que o resultado deixasse a taça quase fora de seu alcance.

A noite em Ibrox terminaria com fogos de artifício fechando as celebrações do centenário do Rangers, enquanto Willie Waddell, o ex-treinador e então supervisor do clube, não economizava elogios ao Ajax, o qual afirmava ser “o melhor time que já havia visitado o estádio”. Ian Archer, por sua vez, escrevia no Glasgow Herald que a equipe neerlandesa “jogava como Picasso pintava ou Yeats escrevia” e opinava que ao Teddy Bears caberia jogar pela dignidade em Amsterdã, ainda que, pela avaliação geral, houvesse o temor de uma goleada.

O duelo de volta

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Gerrie Mühren cobra pênalti para marcar em Amsterdã

O técnico Jock Wallace, entretanto, falava em armar a equipe no ataque: “Não vamos jogar para nos defender. Estamos em desvantagem de dois gols e há uma taça em disputa”. A escalação, no entanto, só teria uma modificação, a mesma já feita no intervalo do primeiro jogo por motivo de lesão: Tommy McLean entraria no lugar de Alfie Conn. Por outro lado, o Ajax teria time completo, contando com as voltas de Johan Neeskens e Sjaak Swart nos postos de Arnold Mühren e Johnny Rep no meio-campo e na ponta-direita, respectivamente.

A postura ofensiva desde o início do Rangers acabou surpreendendo no primeiro tempo: logo aos dois minutos, quando o time recuperou uma bola mal rechaçada pela defesa neerlandesa e Alex MacDonald acertou um chutaço de fora da área para abrir o placar e diminuir a desvantagem dos escoceses no agregado. Dez minutos depois, o Ajax empatou quando Cruyff descolou um passe para Haan, que tocou na saída de McCloy. Mas aos 35, os Teddy Bears voltariam a ficar na frente do marcador com um gol de peixinho de Quinton Young.

O Ajax, porém, tornaria a empatar dois minutos depois num lance controvertido na sequência de um escanteio: Neeskens foi derrubado por Mathieson na área e o árbitro alemão-ocidental Hans-Joachim Weyland marcou pênalti, ignorando os protestos dos escoceses que apontavam para o auxiliar, que levantara a bandeira marcando um impedimento na jogada. Gerrie Mühren cobrou e converteu. Pouco antes do intervalo, o Rangers ainda teria um gol de cabeça de Greig anulado por impedimento, e o primeiro tempo terminaria 2 a 2.

O segundo tempo foi bem mais econômico em emoção. Mas nele, a dez minutos do fim, o Ajax selou a conquista com um gol de Cruyff. Após receber um passe de cabeça de Mühren, o camisa 14 dominou aplicando um chapéu em Johnstone e chutou forte para vencer McCloy mais uma vez e fechar o jogo em 3 a 2 e o agregado em 6 a 3 para os Godenzonen. Após o jogo, ele exaltou o nível técnico dos confrontos, os quais considerou dignos de uma copa europeia, e brincou sobre a dificuldade de carregar o pesado (e estranho) troféu.

Os dois lados tinham boas palavras sobre os confrontos. Willie Waddell, embora decepcionado com a derrota e especialmente com o pênalti marcado para o Ajax, foi diplomático: “O público conseguiu o que queria: futebol espetacular. Cem mil espectadores em dois jogos. Foi uma excelente demonstração do futebol europeu de ponta. A Supercopa deveria ser oficializada pela Uefa no ano que vem”. Já Ştefan Kovács lembrava a dificuldade imposta pelo adversário, apesar da distância no placar agregado ao fim dos 180 minutos.

A taça que veio para ficar

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De roupão, os jogadores do Ajax carregam o curioso troféu

Anton Witkamp, por sua vez, comentava no De Telegraaf: “Em face das experiências vividas em Glasgow e Amsterdã, e também perante a grande aclamação da imprensa esportiva internacional pela iniciativa tomada, as perspectivas para a Supercopa da Europa se afiguram extremamente favoráveis. A palavra agora cabe à Uefa, que já absorveu a antiga Copa das Cidades com Feiras (agora chamada de Copa da Uefa). Porque, mesmo em Zurique, o dinheiro – na forma de uma taxa percentual sobre as receitas dos torneios – não cheira mal”.

A Uefa assumiria a organização da competição já a partir da temporada seguinte, instituindo também um novo troféu. O que não mudaria seria o campeão: mesmo sem contar com Cruyff, vendido ao Barcelona em meados de 1973, o Ajax superou o Milan, campeão da Recopa, em dois jogos disputados em janeiro de 1974. Em San Siro, os rossoneri venceram por 1 a 0, gol de Luciano Chiarugi. Mas na volta, no Estádio Olímpico de Amsterdã, foram simplesmente atropelados pelos Godenzonen, que golearam com facilidade por 6 a 0.

Contudo, o fato de a entidade europeia ter abraçado o torneio não o eximiria de problemas, como ficaria claro logo na edição seguinte, que acabou não realizada porque os dois envolvidos, Bayern de Munique e Magdeburgo, não conseguiram chegar a um consenso sobre as datas dos jogos. O que se repetiria em 1981, quando Liverpool e Dinamo Tbilisi não puderam medir forças pelo mesmo motivo. Já em 1985, a punição imposta pela Uefa aos clubes ingleses logo após a tragédia de Heysel impediu o Everton de enfrentar a Juventus.

O formato original com jogos em ida e volta duraria até 1997 – com exceções feitas, por motivos logísticos ou mesmo políticos, às edições de 1984, 1986 e 1991, realizadas em partida única. Este formato passaria a vigorar a partir da edição de 1998, quando o Chelsea derrotou o Real Madrid no campo neutro do Estádio Louis II, em Mônaco, que se tornaria a sede fixa da disputa daquele ano até 2012. A partir de então, o confronto passou por diversos estádios e países europeus, da Irlanda do Norte à Geórgia, da Macedônia à Finlândia.

Outra mudança aconteceu em 2000, no contexto da reformulação das competições europeias que levou à extinção da Recopa: a partir da edição daquele ano, o troféu passou a ser disputado entre o vencedor da Liga dos Campeões (novo nome da antiga Copa dos Campeões) e o detentor da Copa da Uefa (atual Liga Europa), mantendo viva até os dias atuais a disputa iniciada há exatos 50 anos.

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