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·27 de dezembro de 2021

Há 20 anos, Racing encerrava de forma emocionante um jejum de três décadas na Argentina

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Em dezembro de 2001, na Argentina, tudo que se falava era sobre a crise financeira de um país que estava em frangalhos e mergulhado na recessão, por conta da colossal dívida externa contraída na década de 1990. Ao tentar equiparar o peso ao dólar, a Argentina ficou refém do investimento estrangeiro no país e isso trouxe consequências graves para o mercado interno, que entrou em colapso. Para evitar saques em dinheiro e investimentos no estrangeiro, o governo de Fernando De La Rua instaurou o Corralito, que basicamente era um congelamento de depósitos em poupanças e contas-corrente, além de um limite semanal para retirada de valores.

O povo foi às ruas para protestar, culminando na queda de De La Rua, que fugiu da Casa Rosada usando um helicóptero. Eram tempos de instabilidade e medo. O sucessor de De La Rua, Ramon Puerta, que era presidente do Senado, durou apenas três dias no cargo, mas conseguiu reverter algumas das medidas de seu antecessor para dar alguma tranquilidade ao povo argentino. Em entrevista recente à CNN, Puerta afirmou que assinou mais de 100 decretos no seu curto período como presidente do país. Puerta foi o segundo dos cinco presidentes empossados em apenas 12 dias na Casa Rosada.


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A agonia em albiceleste

Nesse contexto desolador, um clube gigante da Argentina, e o primeiro campeão mundial vindo do país, o Racing, também se encontrava à beira do precipício. Em competições domésticas, a equipe de Avellaneda não sabia o que era levantar uma taça desde 1966, quando se sagrou campeã e foi alavancada à disputa da Copa Libertadores, a qual venceu em decisões duríssimas diante do Nacional. O tempo foi passando, as crises também. Em 1983, a equipe albiceleste foi rebaixada, passando dois anos na segunda divisão. A seca teve um breve período de esperança em 1988, quando a equipe conquistou a Supercopa da Libertadores em cima do Cruzeiro, mas o crescimento não se sustentou e o Racing agonizou na década seguinte até chegar ao seu ponto mais triste.

Sempre esbarrando no quase, o Racing chegou ao fim dos anos 1990 com uma dívida astronômica de 30 milhões de dólares. Em 4 de março de 1999, a agremiação deixou de existir. Contudo, uma massa apaixonada lotou as arquibancadas do Cilindro para barrar aquele que seria o maior crime cometido contra a paixão de um povo. Uma partida marcada para 7 de março, diante do Talleres, pelo Torneio Clausura, foi cancelada. Isso não impediu que a apaixonada torcida do clube marcasse presença para protestar e manifestar o amor por aquelas cores. Cerca de 30 mil pessoas estiveram no estádio, naquela que virou oficialmente a data conhecida como “El dia del Hincha de Racing”. A comoção em torno do Racing fez com que a Câmara de Apelação concedesse a possibilidade de que a administração do clube fosse transformada em empresa, com a possibilidade de quitar as dívidas dentro do período de 10 anos. A torcida desfibrilou seu grande amor, que esteve morto por três dias e ressurgiu das cinzas.

O Apertura de 2001

Em 2000, o Racing quase foi rebaixado. Era esperar demais que o combalido elenco pudesse competir logo após o momento de maior dificuldade em sua história. Muito perto de ter de jogar a repescagem para se salvar da segunda queda no Clausura de 2001, o Racing bateu o Independiente na última rodada e se livrou do risco, graças a um gol de pênalti de Maximiliano Estevez. Chegar tão perto do abismo deu forças para La Academia. No Apertura, que foi disputado no segundo semestre daquele ano, a reação veio do fundo da alma para redimir o clube depois de tantas dificuldades.

Inicialmente, o Racing estava em último na tabela do Promedio (sistema de média de pontuação em três anos, que define os rebaixados) e, portanto, tinha de fazer uma campanha de vencedor para afastar o risco de retornar à segunda divisão. Eles fizeram isso e muito mais: sob o comando de Reinaldo “Mostaza” Merlo, a equipe se reformulou para buscar o título. A aposta no jovem Diego Milito, atacante revelado na própria base do Racing foi uma das cartadas de Merlo para a temporada. Os outros destaques foram contratações certeiras para a ocasião, embora não despertassem exatamente uma sensação de tranquilidade na torcida. São eles: o lateral-esquerdo Gerardo Bedoya, o meia Gustavo Barros Schelotto e o zagueiro Gabriel Loeschbor. O goleirão Gustavo Campagnuolo também viveu um ano notável, vindo do San Lorenzo para resgatar o prestígio de uma posição que, nos anos 1960, foi defendida pelo lendário Agustín Cejas.

Com bons resultados na largada do torneio, o Racing foi se consolidando lentamente como um concorrente. O seu rival nessa missão era o River Plate, que podia não atravessar um momento tão estupendo quanto nos anos 1990, mas não deixava de botar medo. Os Millonarios, inclusive, queriam afastar a pecha de vice-campeões em edições anteriores para aplacar a frustração no ano de seu centenário. Mas foi a surpreendente reação racinguista que se notabilizou como a história da temporada argentina.

O patinho feio teve sua glória

Aos poucos, o Racing começou a acreditar que poderia chegar ao topo, assumindo a liderança e se segurando em duelos bastante complicados, como o icônico empate em 4 a 4 com o Nueva Chicago, que marcou a determinação do elenco de Merlo. No pique final da competição, a vantagem do Racing sobre o River chegou a ser de cinco pontos. O duelo direto entre eles, no Cilindro, teve um gol de Esteban Cambiasso na primeira etapa, mas restando poucos minutos para o fim, Bedoya deixou tudo igual. Na rodada seguinte, um tropeço dos racinguistas diante do Banfield, somado a uma vitória dos millonarios, colocou fogo na disputa. Três pontos separavam os rivais, restando dois jogos.

Rafael Maceratesi e José Chatruc marcaram na vitória por 2 a 0 diante do Lanús, mas para comemorar o título, a torcida da Academia precisava contar com um revés do River e com o adiamento da última rodada, por conta do estado de sítio decretado pelo governo argentino. O River venceu seu penúltimo confronto e levou tudo para a rodada 19, que só foi acontecer em 27 de dezembro de 2001. A AFA havia inicialmente decidido por realizar os jogos derradeiros em fevereiro de 2002, mas voltou atrás e permitiu que as partidas dos postulantes à taça fossem disputadas. A situação era a seguinte: o Racing pegava o Vélez no estádio José Amalfitani, enquanto o River pegava o Rosario Central.

O primeiro tempo foi nervoso e o Racing pouco propunha para assegurar seu título com uma vitória. Mas no início da segunda etapa, uma cabeçada do zagueirão Loeschbor colocou os visitantes em vantagem. Restando pouco mais de 15 minutos para o apito final, o Vélez empatou com Mariano Chirumbolo que, pasmem, vestia a camisa de número 35. O empate bastava para assegurar o título sofrido ao Racing. Mas até que a bola parasse de rolar no José Amalfitani, o temor era por uma virada dos locais, que não veio, embora tenha testado milhares de corações. O River goleou o Central por 6 a 1 e era só o que podia ser feito.

Renascido dois anos após ter sua falência decretada, o Racing comemorou em 27 de dezembro um título bastante especial e que até hoje é relembrado com máximo carinho pela torcida. Torcida essa que teve um papel crucial na remontada incrível vivida por La Academia na virada do século. Neste fim de ano, o clube lançou uma camisa comemorativa dos 20 anos da conquista do Apertura, com um desenho que remete bastante ao uniforme utilizado em 2001. Um verdadeiro espetáculo, mas que infelizmente não deve pintar no mercado brasileiro.

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