Trivela
·04 de maio de 2022
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·04 de maio de 2022
Texto publicado originalmente em maio de 2017
Olympique de Marseille e Paris Saint-Germain possuem períodos dominantes no Campeonato Francês. Mesmo assim, as duas potências nunca foram além de um tetra. Não existe hegemonia maior na Ligue 1 do que a construída pelo Lyon no início deste século. O heptacampeonato dos Gones segue como uma façanha inalcançada no país. E aconteceu justamente entre períodos de franco equilíbrio na competição. De 2001/02 a 2007/08, não houve quem interrompesse o reinado vivido no Estádio de Gerland. Nem todas as conquistas foram fáceis, obviamente. De qualquer maneira, a supremacia protagonizada pelo OL é inquestionável.
A trajetória vitoriosa começou há exatos 20 anos, em 4 de maio de 2002. Àquela altura, o Lyon não possuía uma taça sequer da Ligue 1. Havia sido campeão da Copa da França três vezes e, no ano anterior, faturara a inédita Copa da Liga, encerrando uma seca de 28 anos sem títulos na elite. No entanto, os Gones já apresentavam suas credenciais ao longo das campanhas anteriores. A partir de 1998/99, sempre se mantiveram entre as três primeiras colocações na liga. Até darem o salto de qualidade, de maneira um tanto quanto épica.
Oscilando durante o início da Ligue 1 2001/02, o Lyon deslanchou a partir do segundo turno. Goleou o Olympique de Marseille, passou por cima do Paris Saint-Germain, bateu o Monaco. Na penúltima rodada, venceu o Bordeaux fora de casa. E ganhou a chance de ouro para erguer a taça em sua última partida. Quis o destino que o visitante em Gerland fosse justamente o líder Lens, um ponto acima da tabela. Os Gones não desperdiçariam tamanha oportunidade de soltar o grito da garganta. Derrotaram a equipe de El-Hadji Diouf por 3 a 1. Levaram os torcedores a um delírio que se repetiria nos seis anos seguintes.
Sob o comando de Jaques Santini, estavam muitos jogadores que escreveram seu nome na história do Lyon. Presente nos sete títulos, Sidney Govou abriu o placar. O gol era defendido pelo excelente Grégory Coupet, segundo em total de partidas pelo clube. Havia também uma legião brasileira. Sonny Anderson, campeão anteriormente pelo Monaco, terminou com artilheiro da equipe. Cláudio Caçapa e Edmílson davam consistência ao sistema defensivo. E, no meio, Juninho Pernambucano despontava. O então camisa 12 (vestiria a 8 a partir do segundo ano) buscava se firmar no novo clube, contratado no início daquela temporada. Ainda assim, deu valiosa contribuição à conquista. Em 29 partidas, foi o quarto que mais somou minutos em campo. Anotou cinco gols e deu sete assistências, parte de seus 100 tentos e 125 passes decisivos em 344 aparições com a camisa dos Gones. Levantaria o troféu nas outras seis oportunidades até 2008.
“Fico feliz por ter ajudado o clube a mudar de patamar, isso é legal pra caramba”, afirmou o craque, em entrevista à Trivela. Para resgatar aquele título marcante, em 2017 batemos um papo com o próprio Juninho. Relembrou o ambiente do clube e a transformação vivida a partir daquele 4 de maio. O início da dinastia heptacampeã:
“Se a gente pegar a história do Lyon, é um clube que está sempre em crescimento. Que tem o objetivo de afirmação total na Europa, depois de ter superado esta etapa na França, onde se colocou entre os maiores. A gente enfrentou grandes clubes europeus de igual para igual, disputou 12 Champions seguidas. Mas sem aquele primeiro título, claro, nada poderia ter acontecido. O Lyon tinha uma base que vinha jogando junta fazia um tempo. Vinha de boas campanhas e se reforçou com mais alguns jogadores. Quando cheguei, peguei um time em crescimento. Posso dizer que a única coisa que faltava ao Lyon, aquilo que não tinha para ser campeão, era o espírito vencedor. O ambiente geral era muito família. Vitória, derrota e empate significavam o mesmo. Então, os brasileiros do elenco levaram esse espírito de campeão para lá, e eu me orgulho muito disso. Claro que você não vai ganhar sempre. Mas pode mudar um pouco a cultura de vestiário, de trabalho, acreditar que pode ser campeão. E isso fomos nós, brasileiros, que levamos. Foi muito bacana, e aconteceu no primeiro ano”.
“Foi a partir do Sonny Anderson que tudo começou. O Lyon viu que precisava reforçar o time em relação à qualidade e o Anderson estava no Barcelona. Foi uma oportunidade de mercado, mesmo sendo o jogador mais caro da história do Lyon até então. Depois, trouxeram o Edmílson, o Caçapa, eu. O time contava com brasileiros em todos os setores. Junto com as outras lideranças, isso deu um equilíbrio maior à equipe. E, a partir de então, a gente abriu portas. É o que eu digo: jogador brasileiro fecha ou abre portas quando vai à Europa. Quando ele vai para um clube e não quer nada, bota a culpa no treinador, ele fecha a porta totalmente para os outros brasileiros. Mas quando você vai, se impõe e joga, conquista o respeito de todo mundo no clube”.
“Considero que foi um primeiro ano bom. Disputei 29 dos 34 jogos, anotei cinco gols, dei sete passes. A primeira temporada é mais difícil do que as pessoas imaginam. Eu não tinha liderança sobre a equipe, ainda não me comunicava tão bem. Mas quando cheguei, a primeira coisa que quis saber foi quantas vezes o Lyon havia sido campeão, e foi uma surpresa saber que nunca tinha sido. Na minha cabeça, aquele título era uma oportunidade que eu queria agarrar. Eu vinha de uma sequência de conquistas desde a base, pelo Sport, pelo Vasco. Eu trabalhava para ser campeão”.
“O Lyon só começou a brigar pelo título quando faltavam 11 rodadas. A gente emendou uma sequência de vitórias, que nos permitiu chegar ao último jogo para disputar uma final. Pegamos o Lens em nossa casa, um ponto atrás deles. E tivemos a oportunidade. Eu me lembro que foi o primeiro momento de pressão que senti na França. Quando entramos em campo, uma faixa da torcida nos cobrava. Eu não me lembro exatamente o que dizia, mas era algo muito forte, apontando que era a grande chance. Então, aquele título abriu de vez as portas para o crescimento do clube. Ninguém imaginava que o clube continuaria crescendo. E, mais do que os jogadores, o grande responsável por isso foi o presidente Jean-Michel Aulas. Ele pegou o time na segunda divisão, ajudou a ter estádio próprio, levou a paixão de vez ao futebol em uma cidade relativamente burguesa. A paixão sempre existiu, mas não da maneira que se deu com as conquistas importantes. Esse primeiro título provocou muito orgulho”.
“Para ser sincero, quando faltavam 11 ou 12 rodadas, nosso objetivo era a classificação à Champions. A gente só percebeu a oportunidade quando o Lens começou a perder pontos, ao mesmo tempo em que emendamos várias vitórias. Chegou um momento em que entrávamos em campo pensando quanto seria o jogo do Lens. Eles estavam pressionados, mas tinham uma boa equipe na época. E o bacana para nós é que não existia uma obrigação por conquistar o título. Mas quando chegou o penúltimo jogo, quando vencemos o Bordeaux e vimos que existia a chance de ser campeão, foi um diferencial”.
“Eu não conversava com todos no elenco, por não dominar a língua. Falava mais com os jovens e com os brasileiros. Mas nós tínhamos total consciência da importância daquele jogo. Ninguém precisava falar que era uma oportunidade única de ser campeão, de entrar para a história do clube. Estava todo mundo bem focado. Nesse ano a gente saiu duas vezes para períodos de treinamentos mais longos, de quatro dias, coisa que não é muito comum. Depois saiu de novo antes do último jogo. O clube todo ficou voltado para isso. A exceção foi o momento em que vi a faixa na torcida, não esperava e aquilo me chamou a atenção. Mas faltavam alguns minutos para o jogo começar e eu não podia ficar pensando naquilo. Jogava aberto pela direita, numa posição difícil para mim, mas que era a que tinha sobrado e que o treinador me escalava, então precisava me concentrar. Participar daquela partida foi muito bacana. Mas nas outras conquistas, pude falar mais com as pessoas, interagir mais, dar a minha opinião”.
“A cobrança em relação ao Saint-Étienne era total. Antes, o título da temporada para o Lyon era ganhar deles. A história mostrava isso. O Saint-Étienne conquistou muitos títulos [soma 10 taças do Campeonato Francês, a última em 1981], chegou à final da Copa dos Campeões, foi base da seleção. E está a apenas 40 quilômetros de distância. Então, havia uma cobrança sobre a gente, porque o time já vinha crescendo. No ano anterior, tinha conquistado a Copa da Liga, o primeiro título em muitos anos. Era realmente a oportunidade de se afirmar entre os grandes. Estava entre os médios e aquele título marcou a mudança. Meu maior orgulho é que fomos buscar isso no trabalho. Nos oito anos em que fiquei lá, nosso ritmo no treino e em tudo fez a diferença. A mentalidade ajudou muito”.
“O Lyon tem e tinha a consciência do tamanho dele em relação aos outros clubes maiores. Sabia que não poderia dar um passo para, da noite para o dia, ser igual aos grandes. Então, tudo o que era feito pelo clube tinha muita análise, muito estudo. Planejava as contratações, passou a investir na base. O Lyon atravessou uma época em que errava pouco nas contratações. Mas, ao mesmo tempo, mantinha uma base. Se você pegar o elenco, alguns jogadores participaram da maioria das conquistas. E aí é que estava a diferença, na minha opinião: os jogadores novos viam um time multicampeão que trabalhava forte para aquilo. Nosso ritmo nos treinos era muito alto, nossa intensidade. Aquilo criou uma relação muito forte, um elenco bom. Aí, claro, o dinheiro começou a sobrar e o Lyon mandou um pouco mais no mercado nacional. Trouxe jogadores jovens, como o Essien, o Toulalan, o Diarra, o Abidal. A gente tinha time para ganhar a Champions. Fomos eliminados nas quartas de final para o PSV sem perder nenhum jogo, quando meteram a mão, não marcaram um pênalti sobre o Nilmar no final. Isso era fruto do trabalho em conjunto e da ambição do presidente em crescer”.
“Meu principal momento foi no jogo mil do Canal+. Visitamos o Olympique de Marseille, que não aguentava mais aturar o Lyon. Jogar em Marselha é muito difícil e eles contavam com um time muito bom, com Nasri, Ribéry. A partida tinha vários convidados, inclusive o Zidane. Foi complicado até de chegar ao estádio. Mas nós ganhamos por 4 a 1, fiz dois gols, nós acabamos com eles. Foi um dia inesquecível. Claro que, em sete anos e com sete títulos conquistados, eu tenho muitos momentos inesquecíveis, graças a Deus. Outro aconteceu lá em Paris, um jogo em que fui muito xingado. A gente perdia por 1 a 0 e, aos 46 do segundo tempo, eu lancei uma bola do meio para a ponta, saí correndo e depois fiz o gol de cabeça, algo que não acontecia muito. Empatamos por 1 a 1”.
“Eu fui campeão no primeiro ano, mas reconheço que ainda levou um tempo para ficar totalmente confiante. Leva um ano, um ano e meio para se instalar, se colocar como um dos principais jogadores. A partir do bicampeonato é que consegui meu espaço de verdade. Fiz 13 gols naquela campanha. Joguei a maioria das partidas no primeiro ano, mas muita coisa mudou para o segundo. O treinador saiu e voltou um jogador para disputar posição, o Dhorasoo, que estava emprestado ao Bordeaux. Durante o primeiro semestre, muitas vezes fui para o banco. Mas eu me firmei de vez no segundo semestre, passei a jogar pela esquerda, conseguia fugir mais da marcação e jogar como meia. Fui artilheiro do time, fiz o gol do título contra o Montpellier. Depois, percebi a idolatria de vez quando a torcida começou a cantar uma música para mim. Fui o primeiro jogador do clube a ser homenageado com uma música, como acontece no Brasil. Era um jogo contra o Auxerre, em que fiz um gol. Eu não sabia que eles tinham preparado, fiquei muito emocionado com o estádio gritando”.