Giorgio Ferrini teve uma vida breve, mas intensamente ligada ao Torino | OneFootball

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Calciopédia

·24 de março de 2023

Giorgio Ferrini teve uma vida breve, mas intensamente ligada ao Torino

Imagem do artigo:Giorgio Ferrini teve uma vida breve, mas intensamente ligada ao Torino

Capitão do Torino por 12 anos, Giorgio Ferrini é o recordista de aparições com a camisa granata, totalizando 566 partidas disputadas, entre 1959 e 1975. Figura taciturna, se transformava ao entrar em campo em um símbolo de pura garra e segurança, a ponto de merecer o apelido de “La Diga” – “o dique”, em bom português.

Com o indefectível número 8 às costas, a camisa parecia ser uma espécie de segunda pele para ele, que foi a personificação do que a torcida esperava de um capitão desde Valentino Mazzola, uma das vítimas da Tragédia de Superga. Aliás, havia algumas semelhanças com Mazzola: os cabelos castanho-claros, a onipresença em campo e uma energia que parecia inesgotável.


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“Jogo como meio-campista, com o compromisso de marcar o meio-campista adversário mais perigoso”: essa foi a definição que Ferrini atribuiu a si mesmo. Mas, na verdade, ele foi muito mais do que um mero marcador. Ele era o símbolo de uma equipe que nunca desistia das jogadas, que brigava por todas as bolas, e era dono de um vigoroso arremate.

Rápida maturação

Nascido em Trieste e desenvolvido nas categorias de base da Ponziana, Giorgio Ferrini foi fisgado pelo Torino em 1955, quando tinha 16 anos, e ingressou nas categorias de base do clube granata, onde permaneceu durante três temporadas. Aos 18, já formado como um jogador profissional de futebol, foi emprestado ao Varese, para a disputa da Serie C 1958-59. Os biancorossi garantiram a permanência na terceira divisão e o volante, titular do início ao fim, foi bem, marcando 10 gols.

Terminado o empréstimo, voltou para Turim e soube que seria aproveitado na temporada 1959-60 pelo treinador húngaro Imre Senkey, que posteriormente acabaria substituído por Giacinto Ellena. Ainda combalido pela perda de seu time mágico no acidente aéreo de Superga, uma década antes, o Toro havia sido rebaixado, pela primeira vez em sua história, para a Serie B – e precisava de talentos para se reerguer. Prata da casa, Ferrini era uma das maiores esperanças dos piemonteses.

Giorgio fez sua estreia com a camisa granata no dia 20 de setembro, em um empate sem gols contra a Sambenedettese e, na semana seguinte, anotou seu primeiro tento na goleada por 5 a 0 contra o Cagliari. Ferrini saiu-se muito bem e caiu nas graças da torcida por conta de sua disposição em campo. Terminou a campanha com três bolas nas redes e como titular em todas as partidas do Torino na segundona. No fim, o mais importante: o time foi campeão do certame e garantiu o acesso para a Serie A.

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O sucesso pelo Torino levou Ferrini à seleção e à Copa de 1962 (AP)

Ferrini, desfrutando de um momento de projeção e consolidação, foi convocado por Gipo Viani para os Jogos Olímpicos de 1960, em Roma. A medalha de ouro ficou com a Iugoslávia, que eliminou a Itália na semifinal, em disputa por pênaltis. A Squadra Azzurra perdeu a partida que valia a medalha de bronze para a Hungria, pelo placar de 2 a 1.

Na campanha posterior, o volante se consolidou como um dos alicerces na equipe treinada pelo argentino Benjamín Santos. Apesar de sua estreia na Serie A não ter sido das melhores, graças a uma derrota por 1 a 0 para a Sampdoria, Giorgio foi, ao lado do zagueiro Remo Lancioni, quem mais atuou na temporada pelo time granata, que terminou na 12ª posição. O desempenho nos anos seguintes foi seguro e suficiente para manter o Torino na primeira divisão.

Em 1962-63, o Torino chegou à final da Coppa Italia, mas foi batido pela Atalanta com uma tripletta do artilheiro Angelo Domenghini. Ferrini descontou, marcando o gol de honra do Toro ao final do encontro. A situação se repetiu no ano seguinte: o time piemontês chegou em outra decisão do torneio, dessa vez contra a Roma. Após um jogo sem bolas nas redes, foi realizado um segundo confronto, quase dois meses depois. O roteiro parecia que ia se repetir, mas o atacante giallorosso Bruno Nicolè estufou as redes aos 85 minutos, garantindo o troféu para a Loba.

Antes disso, o ano de 1962 marcou a estreia de Ferrini pela seleção principal. O feito ocorreu no dia 13 de maio de 1962, em um triunfo por 3 a 1 sobre a Bélgica, às vésperas da Copa do Mundo, no Chile. No país sul-americano, aliás, Giorgio foi um dos protagonistas da Batalha de Santiago, travada com os donos da casa: naquele jogo repleto de entreveros e agressões, foi expulso aos 7 minutos. No entanto, cartões vermelhos ainda não existiam e o volante, revoltado, se recusou a deixar o campo – só o fez depois da chegada de policiais.

No total, Ferrini disputou sete partidas pela Nazionale, com destaque para o título da Eurocopa em 1968 em cima da Iugoslávia – que serviu de revanche pela derrota nos Jogos Olímpicos, oito anos antes. O camisa 8 do Torino fez sua última aparição pela Squadra Azzurra justamente na decisão do torneio continental.

No período em que Giorgio frequentou as convocações da seleção, o Torino se manteve brigando por objetivos importantes, geralmente figurando na parte de cima da tabela da Serie A. Em 1964-65, os piemonteses terminaram o campeonato na terceira colocação e tiveram outra boa participação na Coppa Italia: chegaram às semifinais, mas foram eliminados pela Juventus no Derby della Mole.

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No Mundial de 1962, Ferrini foi um dos protagonistas da Batalha de Santiago e, expulso, só deixou o campo após intervenção policial (imago)

Enfim, a Coppa Italia

O tão cobiçado troféu da Coppa Italia chegou às mãos do Torino em 1967-68. O torneio sofreu algumas alterações no regulamento: ao invés das tradicionais fases de mata-mata, seria formado um quadrangular decisivo, de onde sairia o campeão. Junto a Milan, Inter e Bologna, o Toro de Edmondo Fabbri saiu invicto e triunfou de forma indiscutível.

Àquela altura, Ferrini desempenhava um duplo papel nos treinamentos. Além de jogador, era “treinador particular” dos jovens, entrando com virilidade em lances contra eles, estimulando-os com faltas deliberadas, para que reagissem a aprendessem a se defender. Uma vez fez isso com Paolino Pulici, instruindo o futuro maior artilheiro da história do Torino a jogar com os cotovelos erguidos, para se proteger dos zagueiros.

Acatando os conselhos recebidos, Pulici acertou Ferrini no rosto e quebrou o nariz do companheiro de clube. Depois do atendimento médico, Giorgio o convidou para ir a sua casa, e o jovem atacante aceitou, com receio. Chegando lá, foi recebido com um tapinha nas costas, ostras e champanhe, e ouviu que “agora ele era um jogador digno de vestir a camisa do Toro”, em alusão ao incidente ocorrido no treinamento.

Foi também em 1967 que Ferrini provavelmente vivenciou o momento mais triste em toda sua carreira. No dia 15 de outubro, aconteceu a trágica morte do talentosíssimo jovem Luigi Meroni – um dos protegidos de Giorgio. O ponta foi atropelado por um carro dirigido por um torcedor do Torino (Attilio Romero, que se tornaria presidente do clube em 2000) e não resistiu aos ferimentos.

O meio-campista teve alguns outros episódios particulares. Dizem que, durante o intervalo de um jogo, ele colou na parede do vestiário uma folha de papel que continha a formação adversária e, baseado no comportamento de cada jogador, decidiu qual abordagem seus companheiros deveriam fazer no tempo complementar. Uma de suas cenas mais célebres foi em um Derby della Mole, quando marcou implacavelmente o atacante Omar Sívori, perseguindo-o até chutar seu traseiro – e, segundo dizem, até mesmo rosnando como um cão furioso para o adversário em alguns momentos.

Certa vez, Ferrini machucou o pé no início de uma partida. O natural era ser substituído, mas, extremamente rigoroso consigo mesmo e habituado a aguentar o impossível para permanecer em campo, pois começara a se desenvolver profissionalmente antes de as alterações serem permitidas, ficou no gramado – atuando com dores e os dentes cerrados. No intervalo, pediu ao massagista que amarrasse os cadarços de suas chuteiras com o máximo de força possível, a fim de minimizar a agonia. Posteriormente, exames revelaram que o local havia sido fraturado.

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Capitão do Torino por 12 anos, Ferrini quebrou vários recordes e, inclusive, se tornou o jogador com mais aparições no Dérbi de Turim (Archivi Farabola)

Para o Torino, as boas campanhas na Serie A continuavam e outras duas finais de Coppa Italia foram alcançadas. Primeiro em 1969-70. Mas, desta vez, quem levou a melhor no quadrangular final foi o Bologna. Já um ano mais tarde, o bicampeonato do Toro foi assegurado de forma emocionante: após somar os mesmos números do Milan, o time disputou um jogo extra com os rossoneri. No entanto, o spareggio insistiu em não ter seu placar alterado. Restou, então, a decisão por pênaltis, e a equipe piemontesa levou a melhor. Este foi o último título que Ferrini ganhou em sua trajetória profissional.

Do scudetto a um triste fim

O Torino esteve próximo de vencer o scudetto em 1971-72, quando foi vice-campeão ao lado do Milan, que tivera a mesma campanha. Quem levou a taça foi a Juventus, que ficou com um pontinho a mais do que os rivais – 43 contra 42. Ferrini jogou profissionalmente até 1975, às vésperas do título da Serie A conquistado na temporada seguinte, mas permaneceu no clube na condição de auxiliar técnico de Luigi Radice e fez parte da conquista histórica da equipe comandada por Pulici e Francesco Graziani. Cerca de 27 anos depois da Tragédia de Superga, a torcida voltava a sorrir.

Algo que influenciou sua decisão de pendurar as chuteiras, beirando os 36 anos, foi o fato de ele próprio ter percebido que já não tinha a mesma velocidade de antes e que era hora de abrir espaço para jogadores mais jovens, em prol de um Torino mais forte. Vale dizer que, na época, era normal futebolistas se aposentarem mais cedo e que Ferrini já era um caso de notável longevidade.

Menos de um ano e meio depois de se aposentar e poucos meses após a conquista do scudetto na condição de auxiliar, no entanto, aconteceu uma tragédia. Ferrini foi acometido por dois aneurismas cerebrais num espaço de cerca de 60 dias e foi submetido a procedimentos cirúrgicos. Apesar dos esforços da equipe médica, o volante não resistiu à segunda hemorragia e faleceu aos 37, em 8 de novembro de 1976.

Ferrini morreu cedo, mas ainda hoje conserva uma miríade de recordes. Além de ser o jogador que mais vezes representou o Torino, com 566 partidas, é o atleta que mais atuou pelo clube na Serie A (404 vezes), na Coppa Italia (80), nos torneios europeus (45) e ainda o que mais temporadas teve como capitão (12). De quebra, divide com Teobaldo Petrini a liderança em números de clássicos de Turim disputados (30). Enquanto Giorgio representou o Toro em todos esses confrontos, seu adversário jogou 27 pela Juventus e três com a camisa grená.

Franco Ossola Junior, filho do ex-atacante Franco Ossola, morto em Superga, escreveu um livro intitulado “Os campeões que engrandeceram o Torino” (I campioni che hanno fatto grande il Torino) e Ferrini, que não poderia ter ficado de fora, é citado de forma contundente pelo autor. “O Torino que Ferrini comandou por 16 temporadas raramente teve sucesso. Na maioria das vezes teve problemas, sempre encontrou estradas íngremes. Ele é o capitão do sofrimento, não do júbilo; do orgulho a ser reconquistado, não do exercício do poder; da dignidade para restaurar a honra do mundo”. Poucas frases poderiam descrever tão bem o histórico volante grená.

Giorgio Ferrini Nascimento: 18 de agosto de 1939, em Trieste, Itália Morte: 8 de novembro de 1976, em Turim, Itália Posição: meio-campista Clubes: Varese (1958-59) e Torino (1959-75) Títulos: Coppa Italia (1968 e 1971) e Eurocopa (1968) Seleção italiana: 7 jogos

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