
Calciopédia
·11 de agosto de 2025
Francesco Caputo despontou quando já era veterano e chegou à seleção italiana

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·11 de agosto de 2025
Há jogadores que parecem predestinados ao sucesso, lapidados desde cedo pelas grandes academias do futebol e moldados às necessidades do esporte. E há outros que chegam tarde, sem manual nem padrinhos, empurrados pela perseverança e pela recusa em desaparecer nos subterrâneos da bola. Francesco Caputo pertenceu a essa segunda linhagem: a dos periféricos teimosos, que desafiam a cronologia habitual imposta pelo sistema. Artilheiro de província e fazedor de gols nas divisões inferiores da Itália, o obstinado goleador galgou degraus na pirâmide da modalidade, se destacando na elite somente depois dos 30 anos e, ainda assim, conseguiu vestir a camisa azzurra da seleção aos 33, sendo um dos mais velhos estreantes da Nazionale.
Nascido no dia 6 de agosto de 1987 na cidade de Altamura, na Apúlia, o popular “salto da Bota”, Ciccio abandonou os estudos (e os bicos como pedreiro) ainda na adolescência para apostar no futebol. Seus primeiros passos no esporte foram trilhados em ligas amadoras da região em que nasceu. Ele começou sua trajetória no Toritto em 2003, aos 16 anos, e jogou pelos biancazzurri na sétima divisão, marcando 14 gols em 20 jogos – apesar do rebaixamento do seu time. Por isso, não demorou para que Caputo deixasse a equipe em busca de novos ares. Porém, diferentemente do que se poderia imaginar, seu destino estava ainda mais abaixo na pirâmide nacional.
O centroavante foi jogar, no início da temporada 2006-07, no time de sua cidade, o Altamura, que estava na Seconda Categoria – à época, a nona divisão registrada do futebol italiano. Contudo, esse passo atrás permitiu que o atacante desse vários saltos à frente. O bom desempenho, com 12 gols em 30 jogos, fez com que, na época seguinte, ele iniciasse já no profissionalismo, no também apuliano Noicattaro, da Serie C2, o quarto nível da hierarquia nacional.
Mesmo muitas categorias acima do que estava acostumado, Ciccio conseguiu manter o bom nível, marcando 11 vezes em 29 partidas. E, novamente, o início de uma nova temporada significou um novo salto. Da quarta divisão, o centroavante de muita mobilidade e faro de gol foi para a segunda, contratado pelo Bari, na metade de 2008. De olho em talentos regionais, um dos times mais tradicionais da Apúlia, ao lado de Foggia e Lecce, acertou em cheio, buscando um dos atacantes mais prolíficos da região. Pelo terceiro ano seguido, Caputo obteve números que mantiveram o seu padrão, mostrando que o nível da própria equipe influencia no desempenho individual do atleta tanto quanto a qualidade dos rivais: foram 10 tentos em 27 aparições na campanha do bicampeonato dos galletti na Serie B.
Nascido na Apúlia, Caputo militou nas categorias inferiores da região até acertar com uma potência local: mais tarde, entrou para a história do Bari (Getty)
Contudo, não seria em 2009-10 que Ciccio jogaria pela primeira vez na Serie A. Mesmo após ser extremamente importante para um momento muito especial na história do Bari, ele foi emprestado para a Salernitana. Só que, em uma equipe que não funcionava, ele não conseguiu o mesmo destaque e chegou às redes em apenas seis ocasiões, tendo jogado em 26 oportunidades e ainda amargado a lanterna – a formação campana chegou a ser punida em seis pontos após a conclusão de uma investigação por ilícito esportivo ocorrido duas temporadas antes e foi rebaixada com sete rodadas de antecedência. Tão próximo da elite outrora, Ciccio se via em risco de acabar retornando a divisões mais baixas.
Mas não foi o que aconteceu. A temporada 2010-11, na verdade, foi quando ele finalmente pode realizar o sonho de jogar no mais alto nível do futebol nacional, retornando ao Bari, que – sob as ordens de Gian Piero Ventura – tinha feito um bom trabalho para se manter no topo da pirâmide. Porém este foi seu pior início de campanha na carreira, com apenas dois gols marcados em 15 jogos. O primeiro de todos na elite ocorreu num empate por 1 a 1 com o Cesena, no San Nicola.
Caputo voltou a ser emprestado no começo de 2011, para o Siena, onde disputaria novamente a Serie B. Em sua primeira experiência longe do sul da Itália, o atacante marcou três vezes e deu uma assistência, ajudando a equipe bianconera a chegar à elite. Já o Bari acabou a competição na lanterna – e o jogador retornou ao time apuliano, continuando na segunda divisão. A campanha da temporada seguinte foi de meio de tabela, mas com Ciccio retomando seu nível, com 12 participações em gols em 31 partidas.
A temporada 2012-13 começou complicada para o Bari, que teve de cumprir uma punição de sete pontos por conta do envolvimento de jogadores em manipulação de resultados. Caputo, contudo, tornou essa situação mais fácil de digerir com 17 gols, que fizeram os biancorossi terem um ano tranquilo, no meio da tabela.
Ciccio, contudo, terminaria aquela campanha de forma trágica: punido com três anos e meio de suspensão. Ele e mais 16 jogadores do Bari foram acusados de terem recebido dinheiro de ex-companheiros, então na Salernitana, para perderem um confronto com os granata – segundo a promotoria, a Caputo foi oferecido 7 mil euros.
Mais tarde, as investigações avançaram e a pena de Caputo foi diminuída para 12 meses, mas não devido a manipulação – e sim por não haver comunicado a tentativa de suborno às autoridades competentes. No fim das contas, em 2016, 13 dos réus, incluindo o atacante, foram absolvidos. Somente Daniele De Vezze, Vincenzo Santoruvo, Ivan Rajcic (oito meses) e Stefano Guberti (seis) tiveram gancho confirmado. “Eu tinha apenas 21 anos e era totalmente alheio à lógica de um vestiário composto de gente muito mais velha do que eu”, declarou o apuliano ao jornal La Repubblica, logo após a sentença ter sido proferida.
Para Caputo, a acusação que se revelou infundada gerou mais transtornos do que um ano fora dos gramados. Quando voltou a atuar, em 2014-15, ainda antes de ter sido absolvido, o atacante foi perseguido por parte da exigente torcida do Bari, que viveu às turras com o presidente Vincenzo Matarrese, cuja gestão foi encerrada com falência menos de seis meses antes. Àquela altura, os apaixonados tinham que lidar com outros problemas: um novo mandatário e o capitão que enfrentaram processos por ilícito esportivo.
À frente do clube estava o ex-árbitro Gianluca Paparesta, que em 2006 fora suspenso nos desdobramentos do escândalo Calciopoli – por não ter denunciado pressões e tentativas de manipulação de resultados por parte de Luciano Moggi, então diretor da Juventus. Ele acabou fazendo um acordo com a promotoria para evitar maiores problemas e encerrou a carreira antes do habitual, pois foi removido do quadro da CAN, a Confederação de Arbitragem Nacional. Pior, para a torcida, era ter que aturar um suposto traidor, que ganhara dinheiro para o time perder, envergando a braçadeira biancorossa. Ciccio lidou com a pressão e a hostilidade proveniente das arquibancadas e, com 10 gols em 38 rodadas, levou o Bari ao meio da tabela da Serie B.
Depois de uma sequência de anos muito prolíficos, Caputo viria a ter excelente média de gols pelo Sassuolo (Getty)
Sem clima, Caputo deixaria a Apúlia em 2015, com 49 gols em 149 aparições pelo Bari – na época, era o quinto maior artilheiro do clube; depois, foi ultrapassado por Mirco Antenucci e caiu para a sexta posição. Ciccio rumou, por empréstimo com opção de compra, à Ligúria. Ele fechou com a Virtus Entella, que escapara do rebaixamento para a terceirona porque a cúpula diretiva do Catania subornou jogadores de times adversários (Varese, Latina, Ternana e Livorno) no intuito de somar pontos e não amargar um novo descenso.
Na equipe biancoceleste, que disputava apenas sua segunda temporada na Serie B, o atacante teve 20 participações em gols em 40 jogos, marcando 17 vezes, e foi um dos vice-artilheiros da categoria – além de ter colocado a Virtus Entella na briga por uma vaga nos playoffs de acesso à elite. Em alta, Caputo foi contratado de forma definitiva. Na campanha seguinte, se tornaria um grande garçom, com nove assistências, além de continuar a balançar as redes: o fez em 18 oportunidades e foi o terceiro no quadro de goleadores. Essa evolução o credenciou a ter uma oportunidade em um time de maior relevância, que brigava por promoções à máxima categoria nacional.
No início da temporada 2017-18, Caputo chegou ao recém-rebaixado Empoli e foi muito importante na campanha de título da segunda divisão, que representou a volta imediata dos azzurri à Serie A: Ciccio foi artilheiro do campeonato, com 26 gols, e ainda forneceu seis assistências. Na trajetória, o atacante chegou a anotar mais de um tento numa mesma partida em sete ocasiões, com direito a uma tripletta num 4 a 0 sobre o Palermo, e aplicou a lei do ex contra o Bari em três oportunidades. Apesar de os toscanos terem arrancado somente depois da troca do técnico Vincenzo Vivarini por Aurelio Andreazzoli, na penúltima rodada do primeiro turno, o apuliano foi regular em toda a trajetória e, sem dúvidas, se tornou a cara da conquista.
Já com 31 anos, o atacante voltou à elite para não mais deixá-la. Assim, encerrou sua trajetória na Serie B com exatos 300 jogos, abrilhantados por 117 gols – número que o colocou entre os 10 maiores artilheiros da categoria na história; atualmente, é o nono da lista. Em sua segunda temporada na primeira divisão, Caputo brilhou: foi o jogador do Empoli com mais aparições (37) e tentos (16), dividindo com três adversários o sexto posto na tábua de goleadores do campeonato. Os azzurri até colecionaram boas atuações, mas não tiveram bom desempenho longe do Carlo Castellani e acabaram rebaixados de maneira dramática: perderam de virada para a Inter na última rodada e viram o Genoa se safar devido à vantagem no confronto direto.
Em alta, o apuliano se tornou um dos mais velhos estreantes na seleção italiana e o mais experiente a marcar num debute (Getty)
Apesar do descenso do Empoli, seu desempenho o manteve na ponta da pirâmide: Ciccio foi contratado pelo Sassuolo, que não vinha tendo problemas para se manter na Serie A. Sua primeira temporada pelos neroverdi foi, a exemplo das anteriores, de muitas aparições (37) e gols, sendo de grande importância para que o time terminasse o certame na parte de cima da tabela. A equipe treinada por Roberto De Zerbi ficou na oitava colocação do campeonato e Caputo liderou um ataque que ainda contava com Jérémie Boga e Domenico Berardi, além de Giacomo Raspadori na reserva: em seu ano mais prolífico na elite, balançou as redes em 21 oportunidades, sendo o quarto principal artilheiro da competição.
Aquela temporada foi interrompida no meio, devido à pandemia de covid-19, e teve contornos dramáticos para a Itália, um dos países mais afetados pelo vírus – a ponto de Ciccio deixar de lado sua tradicional comemoração de gols. O atacante estabeleceu como marca registrada o gesto de entornar na boca um copo de cerveja, por conta de uma cervejaria artesanal que abriu em Altamura, cidade em que nasceu, mas fez diferente ao anotar uma doppietta contra o Brescia, na última rodada da Serie A antes do primeiro lockdown. Na ocasião, o artilheiro preferiu mandar uma mensagem de solidariedade a seus compatriotas. Ele ganhou a simpatia do país ao mostrar às câmeras um cartaz feito a mão, que continha as seguintes frases: “Vai ficar tudo bem. Fiquem em casa”.
Pouco após o fim daquela Serie A, o centroavante também foi convocado para defender a seleção italiana pela primeira vez em agosto de 2020, mas sem estrear. O técnico Roberto Mancini o colocaria em campo em outubro, num amistoso contra a Moldávia, no qual balançou as redes. Assim, com 33 anos e dois meses, se tornou o segundo mais velho estreante pela Nazionale, atrás de Emiliano Moretti, e o mais experiente a marcar pelos azzurri num debute. Ciccio, entretanto, só faria mais uma partida, contra a Polônia, naquele mesmo mês.
Àquela altura, Caputo estava voando – tinha cinco gols e duas assistências nas cinco primeiras rodadas da Serie A 2020-21. Porém, com a idade avançada, ele começou a conviver com algumas lesões, que comprometeram sua continuidade no mais alto nível. Naquela temporada, entre um problema nos adutores da coxa e uma lombalgia, passaria cerca de dois meses afastado dos gramados, perdendo nada menos do que 16 jogos, apesar de ter mantido bons números: foram 19 participações diretas em tentos, com 11 bolas nas redes. As lesões, contudo, fizeram com que perdesse a chance de fazer parte da vitoriosa campanha italiana na Eurocopa.
Na Sampdoria, Caputo e Quagliarella formaram uma dupla de veteranos amigos das redes – mas por pouco tempo (Getty)
Em maio de 2021, Caputo renovou seu contrato com o Sassuolo até 2023. O atacante até começou a temporada 2021-22 na Emília-Romanha, mas uma proposta da Sampdoria, na reta final da janela de transferências, mudou os planos do jogador e do clube neroverde: tendo Gianluca Scamacca pronto para substituir o veterano, o Sasòl aceitou emprestá-lo com opção de compra aos dorianos, que montaram um setor ofensivo bastante experiente. Além de Ciccio, que encerrou sua passagem pelos emilianos com 32 gols em 64 jogos (média de um a cada duas partidas), a Samp contaria com Fabio Quagliarella, Antonio Candreva e Manolo Gabbiadini.
Na Sampdoria, o apuliano se veria longe das lesões e já em sua segunda partida aplicaria a lei do ex duas vezes na vitória por 3 a 0 sobre o Empoli. Ciccio repetiria a dose com um tento contra o Sassuolo, no returno da Serie A, mas não entregou as mesmas performances de outrora – penalizado por uma equipe meio engessada tanto sob as ordens de Roberto D’Aversa quanto Marco Giampaolo. Ainda assim, não foi um mau desempenho a princípio (marcou 11 gols) e sua contratação foi efetivada.
A segunda temporada de Caputo pelos blucerchiati, porém, foi muito abaixo do normal – a dele e a da própria Samp, envolta numa crise financeira sem precedentes em sua história. Em 15 partidas, balançou as redes numa única ocasião e, na metade da época 2022-23, mais uma vez, foi emprestado. Mais tarde, a Sampdoria cairia para a segundona de forma clamorosa: lanterna, com 12 pontos a menos que o Verona, 17º colocado.
Ciccio, ao contrário, permaneceu na elite: ele retornou ao Empoli, que escaparia do rebaixamento com folga, e 12 pontos a mais que o mesmo Verona. Parte disso se deveu à contribuição do atacante, que participou de nove gols em 21 aparições, anotando tentos decisivos nos triunfos sobre Lecce, Salernitana e Juventus (doppietta). Naquela época, o goleador também retomou os estudos e conseguiu um diploma em contabilidade.
Na reta final da carreira, o goleador voltou ao Empoli e ampliou números que o colocaram na história dos azzurri (Getty)
A exemplo do que aconteceu na Sampdoria, Ciccio foi contratado de forma definitiva após um bom período de empréstimo. Porém ele voltou a conviver com lesões, inclusive a mais grave da carreira, no tornozelo, que o manteve longe dos gramados por dois meses – isso depois de problemas na panturrilha, que provocaram desequilíbrio articular. Foram apenas quatro gols em 21 aparições e uma contribuição muito pequena para a dramática salvação do Empoli, obtida com uma vitória nos acréscimos da última rodada, sobre a Roma.
Caputo até iniciou a temporada seguinte no clube, mas não conseguindo retomar o nível, o atacante decidiu se despedir do Empoli em agosto de 2024, ao acertar a rescisão amigável com a diretoria após a primeira rodada da Serie A. Aquele jogo com o Monza, aliás, seria o último dos 124 pelos toscanos: afinal, no início de 2025, após descartar ofertas que não lhe estimulavam, anunciou sua aposentadoria, aos 37 anos. Com 52 gols, o apuliano parou como quinto maior artilheiro dos azzurri em toda a história.
Com as chuteiras penduradas, Ciccio podia, então, olhar para trás com orgulho: começou na base da pirâmide do futebol e foi galgando seu espaço com muita capacidade, se colocando na história da Serie B, do Bari, do Empoli e até da seleção nacional, além de ter angariado o respeito e a simpatia dos amantes do esporte no seu país. Apesar de não ter nascido como um dos mais privilegiados, Caputo foi capaz de chegar, através de seus esforços, onde pouquíssimos conseguem, especialmente iniciando a corrida tão longe da pole position.
Francesco Caputo Nascimento: 6 de agosto de 1987, em Altamura, Itália Posição: atacante Clubes: Toritto (2005-06), Altamura (2006-07), Noicattaro (2007-08), Bari (2008-09, 2010 e 2011-15), Salernitana (2009-10), Siena (2011), Virtus Entella (2015-17), Empoli (2017-19 e 2023-24), Sassuolo (2019-21) e Sampdoria (2021-22) Títulos: Serie B (2009 e 2018) Seleção italiana: 2 jogos e 1 gol