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·01 de fevereiro de 2023

Esquentado e bon-vivant, Francisco Loiácono passou por poucas e boas no futebol italiano

Imagem do artigo:Esquentado e bon-vivant, Francisco Loiácono passou por poucas e boas no futebol italiano

Em meados do século XX, o futebol italiano foi terreno fértil para bons-vivants. Brigão, farrista e frequentador da classe artística romana, o argentino Francisco Loiácono foi um deles: viveu intensamente a Itália dos anos 1950 e 1960, de modo que acabou adotando o país como sua casa. Entre uma e outra peripécia da vida mundana, o meia-atacante se destacou por clubes como Vicenza, Fiorentina e Roma.

Cisco, como era carinhosamente chamado, nasceu em 1935, numa família de origem italiana: seu pai, Salvatore Giuseppe, era natural da Calábria, enquanto sua mãe, Elvira, era filha de imigrantes da Velha Bota. O garoto cresceu no bairro de Mataderos, em Buenos Aires, mas não ingressou no futebol nem por Nueva Chicago nem por Vélez Sarsfield, clubes das redondezas. Loiácono começou no minúsculo Ercilla Juniors e, na adolescência, foi notado pelo San Lorenzo.


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Na época em que atuava pelos juvenis do clube de Boedo, Cisco teve de dividir seu tempo com o ofício de torneiro mecânico para ajudar nas contas de casa. Tendo como grande exemplo o atacante René Pontoni, ídolo do Papa Francisco, Loiácono viria a ter suas primeiras chances na equipe principal do San Lorenzo em 1953, por lesões de titulares. Contudo, pouco vestiu a camisa dos cuervos e, no fim de 1954, foi envolvido na negociação que levou o centroavante Raúl Gutiérrez ao time azulgrana. Assim, como moeda de troca, terminou emprestado por dois anos ao Gimnasia La Plata.

Em 1955, Loiácono, então com 19 anos, explodiu. Cisco marcou 18 gols pelos triperos e, ao lado de Humberto Maschio, foi vice-artilheiro do Campeonato Argentino, atrás apenas de Oscar Massei, que anotou 21 – curiosamente, todos eles tinham origem italiana e atuariam na Serie A. Por conta do grande desempenho, o meia-atacante foi convocado para representar a seleção albiceleste no Sul-Americano de 1956 e ainda viu o San Lorenzo tentar repatriá-lo. Porém, o Gimnasia La Plata tinha o contrato a seu favor e foi irredutível: o acordo seria cumprido e o jogador permaneceria até o fim do vínculo.

Loiácono marcou mais 11 vezes em 1956 e, no fim do ano, viajou para a Itália acompanhado do procurador Felix Latronico, conhecido por intermediar transferências de argentinos para a Serie A. Cisco chegou a negociar com o Milan, mas acabou sendo adquirido pela Fiorentina, então campeã italiana: o presidente Enrico Befani gostou do que viu e, não obstante tivesse recebido a negativa do técnico Fulvio Bernardini, contratou o meia-atacante. Como a Viola já tinha o máximo de estrangeiros permitidos pelo regulamento da época, o novo reforço foi emprestado imediatamente ao Lanerossi Vicenza.

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Cisco teve uma primeira passagem bastante respeitável pela Fiorentina (Getty)

Na Itália, Loiácono ficaria conhecido pela grafia Lojacono. Mas, se seu nome ganhou um novo jeito de ser escrito, suas características permaneceram as mesmas: dentro de campo, seu físico robusto lhe ajudava a ganhar muitas disputas de corpo, ao passo que a característica habilidade sul-americana inebriava os adversários. Além disso, Cisco tinha um arremate potente e era especialista em cobranças de falta.

Se o Vicenza ficou no meio da tabela na Serie A 1956-57, deve muito à contribuição de Loiácono desde sua chegada, no inverno europeu. O argentino marcou gols contra o Milan, campeão, e a Fiorentina, vice e proprietária do seu passe. Mais: foi fundamental para triunfos impactantes sobre Inter e Juventus, e também ante o Diavolo, na última rodada. Com 10 tentos em 18 aparições, terminou a campanha como artilheiro dos lanerossi e garantiu seu retorno a Florença.

Em sua primeira temporada pela Fiorentina, o argentino se viu envolto em incompreensões táticas com o técnico Bernardini. Loiácono gostava de atuar sem posição fixa, flutuando entre o meio e o ataque, mas o treinador preferia que cada um tivesse sua função. E o poderoso setor ofensivo violeta contava com peças como Julinho Botelho, Miguel Montuori, Guido Gratton e Giuseppe Virgili, de modo que era difícil juntá-los todos – e, principalmente, agradá-los integralmente. No fim das contas, ao longo de 1957-58, o buenairense foi escalado como ponta direita e esquerda, centroavante e meia mais recuado, e finalizou a campanha com 13 gols em 38 partidas, somando Serie A e Coppa Italia. Em ambas as competições, os gigliati amargaram o segundo lugar.

No verão europeu de 1958, a Fiorentina passou por uma pequena revolução, por conta das saídas de Bernardini, Julinho e Virgili. Na mesma janela, a contratação do goleador Kurt Hamrin deixou a situação clara: Loiácono atuaria em suporte ao sueco e a Montuori. Nessa condição, foi o terceiro principal artilheiro da ofensiva equipe violeta em 1958-59 e 1959-60, com 15 e oito tentos, respectivamente. Naquele período, os toscanos foram treinados por Lajos Czeizler, Luigi Ferrero e Luis Carniglia, e voltaram a acumular vices: foram dois na Serie A e mais um na copa nacional. Por outro lado, ajudaram a Itália, como país, a ganhar a Copa da Amizade Ítalo-Francesa.

Para Loiácono, aquele biênio ficou marcado por dois fatos. Primeiro, a sua estreia pela seleção italiana, já que as regras da época permitiam que um atleta que já houvesse atuado em competições oficiais por outra equipe nacional mudasse de federação. Além disso, se consolidou como um atleta que não aceitava ser domesticado. O ítalo-argentino exagerava nas expulsões, nas noitadas e nas somas investidas em jogos de azar. No início de 1960, numa vitória fora de casa sobre a Roma, ficou irritado com Gratton, que lhe pedia para passar a bola e, irascível, chegou a dar tabefes no colega de time. Apesar de tudo, sua indiscutível técnica fazia com que a torcida da Fiorentina fechasse os olhos para os problemas criados e lhe tratasse como xodó.

Só que a paixão dos torcedores não foi suficiente para evitar uma revolução na janela de transferências do verão europeu de 1960. A caminho de seu último ano de gestão, o presidente Befani realizou várias mudanças no elenco e uma delas envolveu Loiácono, que acabou contratado pela Roma – em troca, a equipe giallorossa emprestou o brasileiro Dino da Costa à Viola. No fim das contas, a formação toscana apresentou um futebol menos vistoso em 1960-61 e ficou na sétima posição da Serie A, mas fez bonito nas competições de mata-mata, vencendo a Coppa Italia e a primeira Recopa Uefa da história. Na capital, por sua vez, Cisco, inaugurava uma era de glamour em sua vida.

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Na capital, Loiácono equilibrou grandes atuações com uma atribulada vida extracampo (Arquivo/AS Roma)

Roma era uma cidade em efervescência quando Loiácono lá chegou. Além de sede dos Jogos Olímpicos de 1960, a capital italiana era impulsionada pela pujança da indústria cinematográfica local, que vivia os anos de ouro da Cinecittà, e, por isso, era prato cheio para os amantes da cultura, do entretenimento e, claro, da boemia: era o centro da dolce vita. Com seu caráter extrovertido e muito “fogo no rabo”, como mulherengo que era, Cisco se esbaldou – e sua dedicação às farras, obviamente, fez com que seu casamento com a argentina Rosa Maria naufragasse.

Frequentador da agitada Via Veneto, onde se concentrava o burburinho romano, Loiácono fez amizade com os atores Vittorio Gassmann, Renato Ruscel e Walter Chiari, além do diretor Vittorio De Sica. Também ensinou a atriz Anna Magnani a dançar tango e, entre os vários romances que engatou, o mais célebre foi o que teve com a atriz e cantora Claudia Mori, que depois se casaria com o estelar Adriano Celentano. Ao mesmo tempo, integrava um setor ofensivo magistral da Roma, ao lado de Alcides Ghiggia, Juan Alberto Schiaffino, Pedro Manfredini, Arne Selmosson e Alberto Orlando. E, aliás, com ótimo desempenho: em sua primeira temporada pela Loba, marcou 19 gols em 37 aparições e conquistou a Copa das Feiras.

Sobre o equilíbrio entre a sua agitada vida extracampo e a produção esportiva, Cisco, certa feita, deu uma entrevista que definiu a sua trajetória profissional – e estas palavras foram reproduzidas tantas vezes que sequer se menciona para qual veículo de imprensa ele as proferiu originalmente. “Fui suspenso muitas vezes, mas não era desleal: eu era um lutador feroz, me indignava com as ofensas e reagia de forma excessiva. Não gostava de ficar em concentração e amava viver aventuras amorosas, paquerar muitas mulheres, mas não era um rebelde. Era sempre o último a chegar aos treinos, mas o primeiro a batalhar em campo”, afirmou.

Loiácono não parou por ali, contudo. Nessa mesma entrevista, o ítalo-argentino chegou a dar alguns detalhes íntimos – que talvez nem fossem verdadeiros – sobre um de seus momentos mais icônicos com a camisa da Roma. “Eu tinha minhas próprias regras. Quer dizer, minhas transgressões. Mas ninguém podia reclamar de mim nos jogos. Sou lembrado por ter me machucado e ficado em campo, com o braço imobilizado na tipoia, e mesmo assim ter feito um gol numa vitória por 2 a 1 sobre a Juventus [em novembro de 1960]. E, veja bem, três horas antes eu tinha feito amor com uma linda mulher”, continuou, se gabando.

O fato é que, com o passar do tempo, o estilo de vida de Cisco começou a cobrar o seu preço. Os números de 1960-61 não foram reproduzidos nas duas campanhas seguintes da Roma, nas quais Loiácono viu sua participação na equipe diminuir progressivamente, por motivos físicos, comportamentais e técnicos – nessa toada, perdeu a chance de disputar a Copa do Mundo de 1962 pela Itália. Nem mesmo o casamento com a jovem romana Anna Maria, de 17 anos, foi suficiente para recuperá-lo. O matrimônio até apaziguou a sua vida, mas os efeitos deletérios do que plantara anteriormente ainda não haviam sido depurados. Assim como a má reputação.

Em 1963, o ítalo-argentino se despediu da Roma após 74 partidas e 36 gols: Loiácono acabou retornando à Fiorentina, equipe pela qual assinou um contrato baseado em seu rendimento. Em Florença, reencontrou velhos conhecidos, como Maschio, Hamrin, Enrico Albertosi, Enzo Robotti, Rino Marchesi e Gianfranco Petris, mas não decolou. Apesar de alguns lampejos, como uma doppietta num 4 a 0 sobre a Atalanta, Cisco não teve sequência num time pouco organizado, seja sob o comando de Ferruccio Valcareggi, seja sob as ordens de Giuseppe Chiappella, seu antigo colega de elenco. As expulsões, como a registrada durante uma briga generalizada num duelo com o Catania, também continuavam a ocorrer.

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Com a camisa do Alessandria, Loiácono recuperou a reputação perdida ao longo da carreira (Museo Grigio)

Ao fim da temporada, concluída com o quarto lugar na Serie A e a eliminação nas semifinais da Coppa Italia, Cisco deixou a Fiorentina – no total, defendeu a camisa violeta em 122 oportunidades e marcou 40 gols. O meia-atacante se transferiu para a Sampdoria, que brigava para não cair, e teve um rendimento bem inferior ao dos tempos áureos: anotou somente dois tentos em 26 aparições. Os blucerchiati escaparam do rebaixamento, mas o técnico Giuseppe Baldini exigiu à diretoria que Loiácono não permanecesse para a campanha seguinte.

Beirando os 30 anos, o ítalo-argentino era visto como acabado para o futebol. De fato, não havia mais clubes de bom nível interessados em seus serviços. Loiácono, então, aceitou rumar ao Alessandria, da Serie B, para receber pagamentos a cada partida disputada. Pelos grigi, aliás, jogaria com outros veteranos em fim de carreira, como Mario David, Carlo Tagnin e Bruno Nicolè.

De forma até inesperada, Cisco voltou a ter continuidade com a camisa cinza da Alessandria. Os times montados pelos mandrogni eram fraquíssimos, é verdade, mas Loiácono exercia papel de liderança. E até foi, simultaneamente, jogador e auxiliar técnico na temporada 1967-68, na qual marcou 14 gols e foi o artilheiro dos ursos – feito repetido na seguinte, quando anotou 10. No total, o meia-atacante ficou quatro anos no Piemonte, atuando em duas campanhas de Serie B e duas de C.

Loiácono se aposentou em 1970, aos 34 anos, depois de defender brevemente o Legnano, na terceirona. Assim que pendurou as chuteiras, o ítalo-argentino se tornou treinador, com atuação exclusiva nas categorias inferiores do futebol da Velha Bota. Entre seus principais trabalhos, destacam-se os realizados em Benevento e Cavese, com os quais conquistou a Serie D, e Viterbese, clube pelo qual foi campeão da Promozione, a sexta divisão. Além disso, conseguiu um acesso ao quarto nível com o pequeno Casoria.

No fim da década de 1980, Loiácono deixou o futebol de lado e foi morar em Palombara Sabina, cidade da região metropolitana de Roma. Cisco viveu na pequena comuna de forma discreta, bem distante dos holofotes que distinguiram a sua vida como atleta. O ex-jogador viria a falecer em 2002, aos 67 anos, em virtude de uma malsucedida cirurgia para retirada de um tumor do pulmão.

Francisco Ramón Loiácono Nascimento: 12 de dezembro de 1935, Buenos Aires, Argentina. Falecimento: 19 de setembro de 2002, Palombara Sabina, Itália Posição: meia-atacante Clubes: San Lorenzo (1953-54), Gimnasia La Plata (1955-56), Vicenza (1956-57), Fiorentina (1957-60 e 1963-64), Roma (1960-63), Sampdoria (1964-65), Alessandria (1965-69) e Legnano (1969-70) Títulos: Copa da Amizade Ítalo-Francesa (1959 e 1960) e Copa das Feiras (1961) Clubes como treinador: Latina (1970-72), Castrovillari (1972-73), Benevento (1973-74 e 1975), Livorno (1974), Cavese (1976-77), Barletta (1977-79), Casoria (1980-82), Salernitana (1982-83), Nocerina (1983-84), Akragas (1984-85) e Viterbese (1987-89) Títulos como treinador: Serie D (1974 e 1977) e Promozione (1988) Seleção argentina: 8 jogos Seleção italiana: 8 jogos e 5 gols

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