Jogada10
·27 de junho de 2025
Em nome dos pais: as carreiras dos jogadores e a gestão paterna sobre elas

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·27 de junho de 2025
O noticiário esportivo está voltado ao Mundial de Clubes. Contudo, antes de a competição começar, uma das pautas em debate era a possível negociação do meia Gerson, do Flamengo, com o Zenit da Rússia. Pai e empresário do jogador, Marcos Antônio da Silva – conhecido como Marcão – ganhou destaque em veículos de imprensa e redes sociais falando sobre esse processo que pode tirar um dos destaques do Flamengo.
Marcão chegou a dizer que Gerson não é valorizado no Flamengo. Além disso, outra declaração dele chamou a atenção. Ele falou ter Neymar Silva como referência, justamente por empresariar o próprio filho.
“Ele (o pai de Neymar) falou uma coisa: ‘Marcão, os empresários têm 10, 12, 13 jogadores… O cara que tem 13, se um der errado, ele ainda tem mais 12. O cara que tem 14, se um der errado, ele vai ter 13. Eu só tenho um, que é o meu filho, então tenho que cuidar dele como se estivesse cuidando de 13’. Aprendi isso”, relatou Marcão ao jornal Globo.
Como é sabido, Neymar Silva é empresário do filho desde quando o jogador era menino. O pai do atleta sempre teve muita influência nas decisões profissionais do atual camisa 10 do Santos.
Inclusive, Neymar pai foi protagonista nessa volta do jogador ao futebol brasileiro e na renovação de contrato até o final de 2025.
O Jogada 10 ouviu profissionais da psicologia para entender melhor essas presenças paternas que estão ganhando destaque no futebol recentemente.
“É especialmente comum no meio esportivo de alto rendimento, onde a carreira começa muito cedo e o envolvimento dos pais costuma ser intenso desde a infância. No entanto, também pode aparecer em outras áreas nas quais o sucesso dos filhos é muito atrelado ao investimento emocional e material da família, como nas artes, no meio empresarial familiar e até em carreiras acadêmicas muito competitivas”, observa Vitor Friary, que é psicólogo e publicou livros sobre comportamento familiar.
Na sequência, Friary explica que o esporte, entretanto, tem uma característica singular: ele forma sujeitos em contextos de disciplina extrema, exposição pública precoce e pouca preparação para a vida fora das quatro linhas.
Dessa forma, se fortalecem vínculos de dependência, nos quais o pai (ou mãe) seguem exercendo influência mesmo quando o filho já é um adulto bem-sucedido.
“Quanto maior a visibilidade e o peso da decisão, mais comum é ver esses pais assumindo o lugar de porta-voz, inclusive publicamente”, elucida Friary.
Friary continua, citando que do ponto de vista psicológico, o que se observa é uma extensão da dependência motivacional e decisória construída desde muito cedo na trajetória desses atletas.
“Muitos jogadores de elite iniciaram suas carreiras ainda crianças, em um ambiente onde os pais foram não apenas provedores materiais, mas também figuras de autoridade técnica e emocional. Em muitos casos, esse vínculo não passa por uma transição saudável para a autonomia na vida adulta”.
De acordo com Friary, estudos mostram que o comportamento diretivo dos pais, ou seja, quando eles não apenas apoiam, mas definem os caminhos nas vidas dos filhos, está diretamente associado à percepção de pressão e até ao desenvolvimento de traços como perfeccionismo, medo de errar e insegurança para assumir decisões.
“Isso pode resultar em atletas adultos que delegam suas escolhas por não se sentirem psicologicamente preparados para assumi-las sozinhos, mesmo com todas as condições externas para isso”, reforça o psicólogo.
Para o doutor Jorge Jaber, que é psiquiatra, historicamente, a tendência sempre foi de rompimento entre gerações. Assim, quando esses laços se mantêm, sobretudo na vida profissional, nota-se uma situação incomum.
“Desde os anos 1960, observamos uma cultura crescente de autonomia e contestação dos modelos parentais, o que se acentuou nas décadas seguintes”.
Wle diz que o fenômeno atual de adultos bem-sucedidos que seguem tomando decisões em conjunto com os pais pode ser visto como uma contracorrente, uma exceção ao padrão de distanciamento.
“Em tempos marcados pela valorização da individualidade e do rompimento com hierarquias familiares, manter esse laço ativo e produtivo é cada vez mais raro. Ainda assim, quando acontece, tende a refletir uma base afetiva sólida, que pode influenciar positivamente na trajetória profissional”, detalhou Jaber.
A reportagem do Jogada 10 também consultou outros profissionais que trabalham com futebol. André Souto, gerente do clube Cosmopolitano e agente de jogadores na Vega Sports, pontua que não é novidade a grande participação de pais sendo empresários dos filhos. No entanto, há um novo fator nessa história.
“O que muda um pouco hoje é o alcance e a visibilidade muito por causa das redes sociais”, analisa André, que completa:
“Acredito que a participação dos pais sempre vai existir e será importante. Porém, a partir dos 13 anos 14 anos de idade, a participação de uma empresa especializada em conduzir carreiras é fundamental para o sucesso de um atleta. O relacionamento com os clubes deve ser feito através de uma empresa certificada pela CBF”, disse.
André Souto considera que a presença paterna pode levar a decisões menos racionais.
“Um familiar certamente irá agir com a emoção. Principalmente quando entra a parte financeira. Por outro lado, uma agência de representação de atletas agirá com a razão e com toda sua expertise para tratar pontualmente do interesse de seus atletas”, afirma.
Murilo Novaes, pai do jovem JP, revelação do Vasco que está emprestado ao Avaí, fala que o apoio da família ajuda o atleta. Todavia, ele defende o diálogo entre pais e filhos jogadores de futebol para que tudo corra da melhor forma.
“Na minha relação, é ótimo. Eu e a mãe do JP nos dedicamos à vida do nosso filho para ele não precisar se preocupar com coisas externas. O apoio da família pode permitir que o atleta fique mais focado dentro de campo, cuidando da sua saúde mental e física. Nós gostamos de estar por dentro de todo o desenvolvimento da carreira dele. Conversamos muito e aconselhamos da melhor forma, mas também o escutamos bastante. Priorizamos o diálogo”.
O Jogada 10 fez contato com a NR Sports, comandada pelo pai de Neymar e responsável por gerir a carreira do atual camisa 10 do Santos, mas não teve resposta. Da mesma forma não foi possível fazer contato com Marcão, pai de Gerson, para pedir uma declaração para a reportagem.
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