Em 1998, pênalti não dado em Derby d’Italia decisivo acirrou rivalidade entre Juventus e Inter | OneFootball

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Calciopédia

·26 de abril de 2024

Em 1998, pênalti não dado em Derby d’Italia decisivo acirrou rivalidade entre Juventus e Inter

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Considerando a grandeza de Inter e Juventus, é intrigante o fato de que raras vezes as equipes travaram embates diretos por títulos. Até 2024, o Derby d’Italia teve taças em jogo somente em cinco ocasiões, sendo três na Coppa Italia e duas na Supercopa Italiana, ao passo que, na Serie A, em poucas oportunidades a partida colocou frente a frente duas reais postulantes ao scudetto da temporada. Porém, quando isso ocorreu, o duelo entrou para os anais da rivalidade entre a Velha Senhora e a Beneamata, evidentemente. Em 26 de abril 1998, o clássico mais quente da história do confronto foi realizado a quatro rodadas do fim do campeonato, com as adversárias separadas por apenas um pontinho, e terminou com polêmicas de arbitragem que geraram uma confusão que jamais deixará de dar o que falar.

Desde os primórdios do futebol italiano, os torcedores de Inter e Juventus se elegeram de forma recíproca como maiores rivais. Em momentos pontuais houve o acirramento de outras animosidades, como aquelas entre a Beneamata e o Milan, os rossoneri e a Velha Senhora e os bianconeri e o Torino, mas nada mudou o antagonismo perene entre interistas e juventinos. Duas das maiores forças do país, as adversárias concorrem no esporte – o Derby d’Italia é o jogo que mais vezes foi realizado em competições oficiais chanceladas pela FIGC – e também são peças dos embates sociopolíticos entre as industriais Milão e Turim e algumas de suas famílias mais abastadas.


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Às vésperas do dérbi de número 187, em 1998, a rivalidade entre Inter e Juventus estava mais fria do que de costume, quase relegada a segundo plano. É que os nerazzurri não venciam a Serie A havia nove anos, apesar de terem feito boas campanhas na Copa Uefa durante este jejum – até aquela altura, tinham conquistado duas edições, em 1991 e 1994, e perdido uma final do torneio.

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A centenária rivalidade entre Inter e Juventus ganhou capítulo importante em 1998, num lance envolvendo Ronaldo Fenômeno (Ansa)

Do outro lado, a Velha Senhora estava alguns níveis acima da rival. A Juventus ganhara tantas Copas Uefa quanto a Inter, em 1990 e 1993, além de uma Coppa Italia e uma Serie A. Principalmente, enfileirou três decisões seguidas de Champions League, levantando o troféu em 1996, e ainda abocanhou um título mundial. O antagonismo esportivo dos bianconeri naquele momento era maior com o Milan, de Silvio Berlusconi, seu aliado político na liga, que também obtinha taças em solo nacional e internacional.

Em 1997-98, a Inter deu um passo importante para tentar competir fortemente por scudetti. Em seu terceiro ano como presidente nerazzurro, Massimo Moratti – herdeiro do legado da Grande Inter, dirigida por seu pai, Angelo, entre 1955 e 1968 – fez a contratação mais cara da história do futebol à época: Ronaldo, o melhor jogador do mundo. O brasileiro chegava para liderar tecnicamente uma equipe que buscava inspiração no passado glorioso e tentava estabelecer unidade e harmonia internas desde a efetivação de Giacinto Facchetti, Sandro Mazzola e Luis Suárez, craques da Beneamata na década de 1960, como cartolas.

Tal unidade já existia na Juventus havia algum tempo – bastante, na verdade. A poderosa família Agnelli, liderada pelos irmãos Gianni e Umberto, mantinha influência em todas as decisões relacionadas à agremiação, mas havia passado a operação do dia a dia à chamada tríade, formada por Luciano Moggi, diretor-geral, Antonio Giraudo, administrador delegado, e o ex-atacante Roberto Bettega, vice-presidente. O prestigiado Marcello Lippi comandava a equipe e, dentro de campo, um forte elenco mostrava porque a Velha Senhora era capaz de almejar grandes conquistas. Os bianconeri contavam com nomes como Angelo Peruzzi, Ciro Ferrara, Didier Deschamps, Edgar Davids, Zinédine Zidane, Filippo Inzaghi e Alessandro Del Piero.

A disputa entre Inter e Juventus pelo título da Serie A prometia – e cumpriu as expectativas. Logo nas rodadas iniciais do campeonato ficou evidente que as duas equipes iriam brigar pelo título ponto a ponto. Treinados por Luigi Simoni, os nerazzurri dominaram boa parte do primeiro turno e lideraram o certame de forma isolada entre as jornadas de número 3 e 16, com direito a uma vitória magrinha sobre a rival no Derby d’Italia. Entretanto, uma derrota para o Bari e o empate com o Empoli, em meados de janeiro, permitiram que a Velha Senhora tomasse a ponta.

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Ronaldo e a sombra da arbitragem: o binômio que entrou para a posteridade quando se fala do Derby d’Italia de abril de 1998 (Icon Sport)

A Juventus, por sua vez, engatou uma longa sequência de invencibilidade depois da derrota para a Inter. Os bianconeri foram campeões de inverno e, na verdade, não perderiam mais naquela Serie A. A Velha Senhora era a líder na 31ª rodada, na qual foi realizada o Derby d’Italia do returno, mas a distância entre as arquirrivais sempre foi mínima: antes do clássico, faltando quatro jornadas para o fim do certame, era de apenas um pontinho. Ou seja, o resultado do confronto era decisivo para o título e não era mero chavão dizer que o jogo tinha cara de final antecipada.

Tanto Juventus quanto Inter chegavam ao clássico com moral elevado. Afinal, haviam acabado de garantir classificação para finais continentais – os bianconeri enfrentariam o Real Madrid na Liga dos Campeões; os nerazzurri fariam duelo italiano com a Lazio, na Copa Uefa. Ou seja, ambas as rivais cogitavam a possibilidade de uma dobradinha em termos de títulos.

Curiosamente, os dois times eram estruturados de forma similar, com três defensores, cinco atletas na meia-cancha e dois jogadores na frente. As funções das peças não eram exatamente análogas, mas alguns embates individuais tinham relevância: Peruzzi e Gianluca Pagliuca eram goleiros de seleção italiana, de qualidade comprovada; Davids e Diego Simeone mordiam canelas e ajudavam na construção de jogadas; os franceses Zidane e Youri Djorkaeff acrescentavam finesse à criação; e Del Piero e Ronaldo eram os principais responsáveis por dar um toque de genialidade no último terço do campo.

No antigo Delle Alpi, sob os olhares atentos de Umberto Agnelli e Massimo Moratti, os anfitriões saíram na frente do placar relativamente cedo. Aos 21 minutos, Del Piero arrancou pela esquerda, gingando para cima de Salvatore Fresi, e teve o primeiro chute bloqueado. Mas a bola sobrou para ele mesmo bater de direita no canto oposto, aproveitando que Pagliuca ainda estava se recompondo.

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Para tentar parar o Fenômeno, a Juventus contava com vigorosos zagueiros, como o uruguaio Montero (Icon Sport)

A Inter tentou pressionar e concentrou suas ações em Ronaldo, que procurava se movimentar muito para não dar referência aos marcadores – assim, Moreno Torricelli, Mark Iuliano e Paolo Montero se alternavam em sua perseguição. A melhor chance do Fenômeno, ainda no primeiro tempo, se deu quando ele acelerou bastante para ficar com a deixadinha de calcanhar de Simeone e invadiu a área para bater de canhota. A bola, entretanto, passou à esquerda do gol de Peruzzi.

Outras boas chances da Inter saíram em cobranças de falta do próprio Ronaldo e numa cabeçada de Fresi. Cautelosa, a Juventus só incomodou Pagliuca quando Zidane pegou uma sobra de cruzamento e teve finalização desviada em Fresi. Aos 70 minutos, então, ocorreu uma das sequências de acontecimentos mais polêmicas da história do futebol italiano.

Após tentativas de corte ineficazes de Torricelli e Alessandro Birindelli, Ronaldo tentou dominar a bola na área e centralizar para tentar finalizar, mas se chocou violentamente com o zagueiro Iuliano, que corria em direção ao brasileiro, no intuito de bloqueá-lo. O experiente árbitro Piero Ceccarini nada marcou. Revoltados e incrédulos, os atletas da Inter partiram em peso para cima do apitador enquanto a partida corria. O técnico Simoni, enfurecido, chegou a entrar em campo. A jogada não foi interrompida, como manda a regra em caso de invasão do terreno de jogo.

Com Simoni dentro do gramado, quase na intermediária, a bola chegou à grande área da Inter. Lá, Taribo West parou o contragolpe bianconero com falta sobre Del Piero e, dessa vez, Ceccarini apontou para a marca da cal – para a revolta dos jogadores nerazzurri, que acossaram o árbitro e por pouco não partiram para a violência física.

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Insistente, Del Piero abriu o placar para a Velha Senhora em meados da primeira etapa (Icon Sport)

Depois da expulsão do treinador da Inter e de minutos de cenas lamentáveis, com muita confusão e pressão, Del Piero cobrou a penalidade no centro do gol e Pagliuca, adiantado, conseguiu defender a cobrança com os pés. Francesco Colonnese, que – assim como outros nerazzurri – invadira a área antes de o rival chutar, afastou o perigo para longe. Um lance repleto de irregularidades, que jamais seriam revistas na época e que atualmente, com o VAR, levariam o pênalti a ser repetido.

A verdade é que a sequência de decisões de Ceccarini fez com que os jogadores da Inter perdessem a lucidez. Não só pelo nervosismo causado pelos episódios, mas pela impressão de que o árbitro estaria beneficiando a Juventus propositalmente. Um exemplo disso foi dado pelo ainda jovem Zé Elias, com 21 anos à época: o volante brasileiro deixou o sangue subir à cabeça e, aos 79 minutos, foi expulso por saltar com o cotovelo projetado no rosto de Deschamps.

Com um jogador a menos, a Inter não reagiu mais no clássico e, depois do apito final, que sacramentava a vitória da Juventus, Simeone, Ronaldo e Iván Zamorano perseguiram Ceccarini no túnel para os vestiários do Delle Alpi, proferindo diversos impropérios diretamente ao árbitro. Os bianconeri abriram quatro pontos de vantagem na disputa pelo título e acabaram ficando com a taça com uma rodada de vantagem, após dois tropeços dos nerazzurri nos dois compromissos seguintes.

O fato é que a Inter deixara a Serie A de lado após a derrota no clássico e se concentrou na disputa da Copa Uefa, que venceria ao fazer 3 a 0 sobre a Lazio, em Paris. Já a Juventus não conseguiu a dobradinha, visto que foi superada pelo Real Madrid, em Amsterdã, e amargou a segunda derrota consecutiva numa final de Champions League. Porém, enquanto a bola rolava pela Europa, o que aconteceu entre os minutos 70 e 72 do Derby d’Italia continuava em campo, tal qual Simoni reclamando dentro do gramado. O tema seguiu em evidência nas rodas de conversa, nos botecos, nos restaurantes, nos jornais… efetivamente, em qualquer lugar. E assim seria por muito tempo – até hoje, o assunto ressurge frequentemente.

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Após pênalti não dado para a Inter e outro assinalado para a Juventus em menos de um minuto, os nerazzurri partiam para cima do árbitro (Ansa)

Para boa parte dos interistas, o episódio do pênalti não marcado em Ronaldo ficou conhecido como “o grande roubo” – os nerazzurri não contestaram excessivamente a infração de West sobre Del Piero. Simoni e Ronaldo afirmaram que Ceccarini deveria se envergonhar e que era impossível que ele não tivesse visto a infração, pois estava bem posicionado.

Já Moratti disse que deixou o estádio antes do fim partida pela primeira vez na vida e que os árbitros estavam condicionados a favorecer a Juventus. “Eles têm medo de fazer algo contra a Juve. Isso é a regra, não é a exceção. E não digo que fazem de propósito, e sim que isso é uma espécie de hábito”, declarou à imprensa no estacionamento do Delle Alpi, quando a bola ainda estava rolando. Posteriormente, jornais chegaram a convidar Vera Slepoj, então presidente do conselho federal de psicologia da Itália, para comentar se o que o cartola nerazzurro afirmou fazia sentido. Ela respondeu positivamente, mas alertou que, caso isso ocorresse de fato, fazer autoavaliação seria difícil. O ideal era analisar caso a caso, em terapia.

Nas horas seguintes ao clássico, as declarações de jogadores, membros da comissão técnica e de dirigentes da Juventus sobre o ocorrido se dividiam em dois gêneros: as evasivas e as que negavam veementemente o fato de que havia sido pênalti. Algumas eram dotadas de uma ironia típica de quem recebeu algum benefício e optou por espezinhar o rival.

Para Antonio Conte, “Ceccarini apitou bem”. Vittorio Caissotti di Chiusano, presidente bianconero, afirmou que não existia vitória “mais límpida” do que aquela, salientando que a penalidade favorável à Velha Senhora era “de evidência escolástica” e que aquele sobre Ronaldo “ninguém viu”. Bettega ironizou os nove anos de jejum da Inter àquele momento e Moggi foi mais sarcástico. Primeiro, disse que o Fenômeno havia feito uma falta de ataque típica de basquete – quando um defensor fica parado e espera o contato do rival. Em seguida, declarou que o brasileiro deveria ficar calado e usar os pés para responder. “Aprenda com Del Piero, que não reclama e marca gols”.

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A decisão de Ceccarini entrou para a história do clássico: depois de muitos anos, o árbitro continuou a reafirmar sua convicção no lance (LaPresse)

A repercussão do lance foi gigantesca e atingiu até o parlamento italiano, sendo motivo de uma ríspida discussão entre alguns deputados, que quase foram às vias de fato. Mas, com o passar do tempo, a opinião pública chegou ao consenso de que o pênalti existiu.

Em programas de tira-teima – a famosa moviola –, ex-árbitros, comentaristas e até mesmo o chefe da arbitragem na época, Fabio Baldas, afirmaram que a infração deveria ter sido marcada. “Na TV, a penalidade era visível como uma casa”, declarou o cartola. Ceccarini, no entanto, não foi punido pelo erro. O apitador continuou com sua carreira até 1999, quando se aposentou por ter atingido o limite de idade para atuar profissionalmente.

O consenso na esfera pública levou a uma revisão dos fatos por parte de alguns juventinos. Caissotti di Chiusano, por exemplo, mudou de ideia. “Bem, vendo o lance na TV de casa, sentado no sofá e com um uisquinho na mão, admito que o pênalti poderia ter sido marcado”, disse. O poderoso Gianni Agnelli também assentiu com a infração, porém – escorregadio e político que era – colocou panos quentes. “Não cabe a mim nem a jornalistas avaliar, mas apenas aos árbitros”.

Décadas depois, o lance ainda é comentado – e jamais deixará de sê-lo. Evidentemente, o episódio é trazido à tona principalmente por interistas, que usam o episódio para “denunciar” a existência de supostos esquemas pró-Juventus desde antes do Calciopoli, esquema de manipulação de arbitragem que eclodiu em 2006.

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Ao fim do clássico, o decisivo Del Piero festejou com a torcida a vitória que encaminhou a conquista do scudetto bianconero (Icon Sport)

Entre os resultados das investigações do Calciopoli, os mais expressivos foram a revogação de dois scudetti da Velha Senhora, com a consequente atribuição de um deles para a Inter, que galgou posições na tabela da Serie A 2005-06 devido às punições dos bianconeri – rebaixados para a segunda divisão – e do Milan, sentenciado à perda de pontos na tabela. Já o diretor Moggi, que ironizara Ronaldo em 1998, foi identificado como um dos pivôs do escândalo e terminou banido do futebol.

Os episódios daquele Derby d’Italia acabaram marcando as vidas de Ceccarini, Iuliano e Simoni – este último, já falecido. Antes dos clássicos entre Inter e Juventus ou mesmo quando chega o 26 de abril, o assunto costuma voltar à tona em entrevistas.

O próprio árbitro, a propósito, gosta de falar com a imprensa sobre o ocorrido e já mudou sua avaliação do lance várias vezes: oscilou entre a reafirmação de sua escolha e admissão do erro, com possibilidade de marcação de falta ou tiro livre indireto para os nerazzurri. A primeira interpretação se mostrou mais constante com o passar do tempo, talvez porque isso gerasse um bate-boca com Simoni através dos jornais e fizesse o tema ficar em evidência. Ceccarini se diz convicto de que acertou ao não assinalar a penalidade para a Inter. “É Ronaldo que vai em direção a Iuliano e comete falta. O VAR não teria confirmado o pênalti”, disse o ex-apitador. Será mesmo?

Juventus 1-0 Inter

Juventus: Peruzzi; Torricelli, Iuliano, Montero (Birindelli); Di Livio, Deschamps, Davids (Pecchia), Pessotto (Fonseca); Zidane; Del Piero, Inzaghi (Conte). Técnico: Marcello Lippi. Inter: Pagliuca; West, Fresi, Colonnese; Winter (Zé Elias); Moriero (Zamorano), Cauet, Simeone, Zanetti; Ronaldo, Djorkaeff. Técnico: Luigi Simoni. Gol: Del Piero (21′) Cartão vermelho: Zé Elias Árbitro: Piero Ceccarini (Itália) Local e data: estádio Delle Alpi, Turim (Itália), em 26 de abril de 1998

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