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Calciopédia

·27 de abril de 2023

Em 1987, o Napoli só precisou de empate com a Fiorentina para faturar seu primeiro scudetto

Imagem do artigo:Em 1987, o Napoli só precisou de empate com a Fiorentina para faturar seu primeiro scudetto

Pouquíssimas vezes na história a torcida do Napoli viveu uma emoção muito específica: a ansiedade por, na rodada seguinte da Serie A, o time ter a chance de faturar o título da competição. Até 2023, na verdade, em apenas duas ocasiões os azzurri jogaram o chamado match scudetto. Em 10 de maio de 1987, na primeira delas, Diego Armando Maradona e seus escudeiros precisaram apenas de um empate com a Fiorentina do jovem Roberto Baggio para que a matemática lhes sorrisse.

Em plena primavera europeia, Nápoles fervilhava como nunca. Pulsantes, as ruas da capital da Campânia já estavam decoradas com muitas faixas em homenagem aos jogadores que haviam tornado o sonho do primeiro scudetto possível e, claro, a idolatria a Maradona já era visível nos muros da cidade havia alguns anos. Faltava pintar toda a zona urbana de verde, branco e vermelho – as cores da bandeira tricolor italiana.


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Ansiedade no ar: antes do jogo, todas as atenções voltadas a Maradona, que deixava o tricampeão mundial Antognoni em segundo plano (Getty)

A primeira chance de comemorar o título ocorreu naquele 10 de maio de 1987, na penúltima rodada do campeonato. Numa época em que todas as partidas das rodadas das séries A e B ocorriam no mesmo horário – domingo, às 15 horas locais –, o Napoli tinha boa vantagem sobre suas duas concorrentes pelo scudetto: a Inter vinha três pontos atrás e a Juventus, quatro. Na época, a vitória valia apenas dois pontinhos e o regulamento previa um jogo de desempate entre equipes que terminassem o certame igualadas. Ou seja, a Velha Senhora só podia ser campeã através do chamado spareggio.

O calendário reservava à Juventus compromissos com o Verona, que brigava por vaga na Copa Uefa, e o Brescia, ameaçadíssimo pelo descenso. Para manter as chances de título, a Velha Senhora teria de vencer ambos os jogos e torcer para o Napoli perder para Fiorentina e Ascoli, que também lutavam para não caírem. Já a Inter encarava a Atalanta, virtualmente rebaixada, e o mesmo Hellas que os bianconeri enfrentavam na 29ª e penúltima rodada.

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Gelsi foi escolhido para fazer a marcação individual de Diego (FEP/PanoramiC)

Os azzurri poderiam se sagrar campeões naquele domingo de maio com várias combinações de resultados. Para começar, se não quisesse se importar com as adversárias, bastava ao Napoli uma vitória simples. Se empatasse, precisaria que a Inter não vencesse. O time treinado por Ottavio Bianchi faturaria o scudetto até mesmo com uma derrota, se os nerazzurri perdessem para a Atalanta e a Juventus não ganhasse do Verona.

Perder não era habitual para aquele Napoli, no entanto: os partenopei terminaram a Serie A com apenas três derrotas. Mas, curiosamente, uma delas foi justamente para a Fiorentina. No primeiro turno, a equipe violeta foi a responsável por iniciar a pequena lista de insucessos dos azzurri no campeonato, graças a um 3 a 1 em Florença. Além de os tropeços serem raros, o regular time napolitano ainda bateu quase todos os adversários da parte superior da tabela, com exceção de Inter e Verona.

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Uma vitória simples contra a Fiorentina daria o título ao Napoli, mas outras combinações de resultados serviam aos azzurri (Getty)

Por conta de todo este contexto, era de se esperar que o San Paolo recebesse o maior público da temporada. E assim foi: mais de 82,5 mil pessoas lotaram o estádio, que já estava preparado para a explosão de alegria quando o árbitro Pierluigi Pairetto soprasse o apito pela última vez naquela tarde. A ansiedade era grande nas arquibancadas, mas tomava até o presidente Corrado Ferlaino: como se fiscalizasse os preparativos para o cerimonial, decidiu assistir à partida da beira do campo, mais exatamente atrás de um dos gols.

Assim que foi dado o pontapé inicial, a partida se revelou bastante intensa e corrida. Renzo Contratto poderia ter sido tranquilamente expulso por volta dos 6 minutos, após efetuar duas entradas duríssimas. No entanto, o jogo era outro na época e os árbitros eram muito mais permissivos, de modo que o defensor da Fiorentina só levou cartão amarelo pela primeira falta. Na segunda, frontal, Maradona foi para a bola e levou muito perigo ao goleiro Marco Landucci.

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Maradona deu início à jogada e Carnevale marcou o gol que levou o San Paolo à loucura (Getty)

No geral, Dieguito acabou sendo bem contido pelo volante Michele Gelsi – como era comum na época, o craque foi marcado individualmente. Não se esperava que o técnico Eugenio Bersellini, reconhecido por montar robustos esquemas defensivos, optasse por deixar Maradona sem um “carrapato” em seu encalço e, na verdade, o Sargento de Ferro ainda orientou Roberto Onorati a ajudar o companheiro de time nos embates com o argentino.

Por conta da forte marcação sobre El Diez, outros nomes do Napoli apareceram na criação de jogadas. Como, por exemplo, o líbero Alessandro Renica, que puxou contra-ataque em velocidade e cruzou na área ainda no início da peleja. Aldo Maldera afastou, mas Fernando De Napoli emendou um forte arremate na sobra. Após Landucci espalmar, Celeste Pin deu um chutão para mandar a bola para longe e eliminar o perigo.

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O jogo que definiu a Serie A 1986-87 ainda teve um embate entre Baggio e Maradona, além de ter sido palco do primeiro gol de Robi no torneio (Getty)

É claro que Maradona não ficava contente com a marcação individual a que era submetido – e é ainda mais óbvio que um dos maiores craques da história daria um jeito de se livrar do adversário. Aos 29 minutos, o Pibe recuou para articular jogadas e ficar mais distante de Gelsi, que não avançou para combatê-lo. Era exatamente de alguns segundos de liberdade e de um pouco de espaço que Diego precisava: na frente, Andrea Carnevale se movimentou para receber o passe vertical do argentino, tabelou com Bruno Giordano e abriu o placar.

Pouco depois, o San Paolo voltou a explodir de alegria. É que o placar eletrônico informava que a Atalanta havia marcado contra a Inter em Bérgamo, depois que o atacante Trevor Francis se enroscou com o zagueiro Riccardo Ferri – com isso, a vantagem dos azzurri subia para cinco pontos. Mas, curiosamente, foi a Fiorentina que acabou recebendo uma injeção de ânimo a partir do resultado parcial do duelo entre equipes lombardas. Afinal, um empate passava a servir para o Napoli e, naquele momento, também garantiria a permanência dos violetas na elite.

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O Napoli de Maradona pode comemorar o título antes mesmo de o jogo acabar, por conta de derrota da Inter e empate da Juventus (Getty)

Assim, aos 39 minutos, a Fiorentina teve uma cobrança de falta na entrada da área. Baggio foi para a bola e a mandou entre a desorganizada barreira montada por Claudio Garella, marcando o seu primeiro gol na Serie A – seriam 205 ao longo de sua brilhante trajetória. Logo após o empate, o Napoli ficou desorientado e o estádio emudeceu com o crescimento da equipe violeta, que começou a aplicar sustos nos mandantes. Na melhor chance criada naquele período do jogo, o capitão Giancarlo Antognoni chutou forte e, após Garellik espalmar para o lado, o volante Gabriele Oriali, sem cacoete de atacante, acabou mandando o rebote por cima da baliza desguarnecida.

O Napoli voltou para o segundo tempo um pouco mais fechado. Bianchi, cauteloso, trocou o posicionamento de Moreno Ferrario, que subira bastante na etapa inicial, fazendo a função de lateral-direito: o colocou no centro da zaga, passando o veterano Giuseppe Bruscolotti para o flanco e mantendo-o mais fixo. A ordem era segurar o placar.

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Perto do apito final, Maradona e Carnevale já celebravam: à beira do campo, repórteres e gandulas se preparavam para a invasão (Guerin Sportivo)

Com um olho no embate entre Atalanta e Inter, o Napoli pouco criou no segundo tempo. Logo em seu início, Giordano tentou encobrir Landucci e mandou para fora. Por volta dos 67 minutos, Maradona teve um chute rasteiro defendido. E foi só. Como as informações que chegavam de Bérgamo davam conta de que a Beneamata atuava muito mal, os azzurri relaxaram e deixaram a Fiorentina cozinhar o jogo, já que o empate continuava a lhe servir. Assim, a etapa complementar ficou marcada pela cera e por passes aleatórios, que favoreciam as retaguardas.

A bola ainda rolava no San Paolo quando as partidas que aconteciam no Atleti Azzurri d’Italia, em Bérgamo, e no Marcantonio Bentegodi, em Verona, terminaram. Por conta da vitória por 1 a 0 da Atalanta sobre a Inter, e do empate por 1 a 1 entre Hellas e Juventus, o Napoli jogou os derradeiros minutos do duelo com a Fiorentina já na condição de campeão italiano. Antes do apito final, Bianchi ainda quis dar um sinal de reconhecimento pelos esforços de Ciro Ferrara e Luigi Caffarelli, que haviam sido muito utilizados na campanha, e os colocou em campo.

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Festa inédita: pela primeira vez, o Napoli faturava o scudetto (imago)

Pouquíssima gente olhou para o gramado durante os últimos minutos da partida com a Fiorentina: um conjunto de sinalizadores foi acionado atrás do gol da Viola enquanto a bola ainda rolava, e a festa tomava conta das tribunas, tomadas por milhares de bandeiras, que tremulavam numa dança hipnotizante. Curiosamente, não houve invasão generalizada de campo depois do apito final: o terreno de jogo foi tomado apenas por repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e gandulas, que cercavam os atletas durante a volta olímpica.

Do alto, a torcida azzurra presente no San Paolo acompanhava um inédito espetáculo, que já tinha seus desdobramentos pela cidade inteira. Nas ruas e avenidas de Nápoles, tomadas pelos festejos, pessoas se amontoavam em motos, caminhões e circulavam em carreatas. Nos bairros, vizinhos e desconhecidos se abraçavam e cantavam. Até nos muros dos cemitérios pipocavam sinais de celebração, como faixas bem-humoradas que se dirigiam aos torcedores já falecidos: elas continham frases como “olha só o que vocês perderam” e “nos desculpem pelo atraso”, sendo esta última uma referência ao filme de comédia Scusate il ritardo, dirigido por Massimo Troisi, um fanático pelo Napoli.

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Grande nome da conquista azzurra, Maradona definiu a festa dos napolitanos como a maior que tinha visto (Getty)

Ainda no gramado do San Paolo, antes sequer de ter conhecimento do que ocorria fora do estádio, Maradona foi perguntado pela imprensa sobre o que achava daquele turbilhão de emoções. E não hesitou: era a maior farra que presenciara. “É a maior festa que já vi. Em 1986 [quando a Argentina se sagrou bicampeã mundial] eu não estava no meu país”, declarou à Rai.

Havia um motivo bem palpável para que as proporções dos festejos fossem maiores do que o habitual. É que o título obtido por aquele time histórico não se resumia a uma conquista futebolística. Aquela festa sem precedentes era feita por um povo menosprezado pelo esnobismo xenófobo do norte do país, ao qual os napolitanos respondiam com galhardia. O scudetto foi um divisor de águas para a cidade de Nápoles e seus habitantes. Para os partenopei, significou a sua redenção moral e social através do esporte. Um motivo a mais para andar de cabeça erguida. E um tapa com luva de pelica na cara dos preconceituosos.

Napoli 1-1 Fiorentina

Napoli: Garella; Renica; Ferrario, Bruscolotti, Volpecina (Ferrara); De Napoli, Bagni, Romano; Maradona; Giordano, Carnevale (Caffarelli). Técnico: Ottavio Bianchi. Fiorentina: Landucci; Gentile; Pin, Contratto, Maldera; Onorati, Oriali, Gelsi, Antognoni (Di Chiara); Baggio (Berti), Díaz. Técnico: Eugenio Bersellini. Gols: Carnevale (29′); Baggio (39′) Árbitro: Pierluigi Pairetto (Itália) Local e data: estádio San Paolo, Nápoles (Itália), em 10 de maio de 1987

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