Durante exílio, László Kubala encontrou refúgio na pequena Pro Patria, da Itália | OneFootball

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Calciopédia

·16 de junho de 2021

Durante exílio, László Kubala encontrou refúgio na pequena Pro Patria, da Itália

Imagem do artigo:Durante exílio, László Kubala encontrou refúgio na pequena Pro Patria, da Itália

Se László Kubala fosse contar a sua história, certamente teríamos uma série de quinze ou mais temporadas. O craque cosmopolita teve uma trajetória de vida única: detentor de três nacionalidades, o atacante foi a espinha dorsal de um dos mais brilhantes times que o Barcelona teve em sua história. Contudo, antes de pisar em terras catalãs, o jogador precisou fugir do endurecimento do regime comunista na Hungria e se tornar um refugiado na Itália. Na Bota, teve uma breve passagem pelo Pro Patria e um convite para atuar no Grande Torino de Valentino Mazzola.

László Kubala nasceu em 1927, em Budapeste, capital da Hungria. O seu cosmopolitismo vem de berço: por parte de mãe, tinha raízes polonesas, eslovacas e magiares; por parte de pai, o craque era descendente da minoria eslovaca que vivia no país. Até o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1917, o território da Checoslováquia compunha o Império Austro-Húngaro.


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Desde muito cedo, Kubala se estabeleceu no meio futebolístico. Quando tinha 11 anos, o futuro craque chegou a mentir a sua idade para bater bola com meninos mais velhos do que ele, na equipe de uma fábrica de sua região. Em 1944, aos 17 anos, o jovem jogador estreou pelo seu primeiro clube, o Ganz, que disputava a terceira divisão húngara. Enquanto se dedicava ao futebol, László também praticava boxe, o que acabou influenciando em seu aspecto físico e em sua resistência durante as longas partidas disputadas.

Já aos 18 anos, o jovem prodígio assinou com o Ferencváros, clube mais popular de Budapeste e maior campeão húngaro até hoje, com mais de 30 troféus. Atuando na elite do futebol de um de seus países, iniciaria uma parceria de sucesso com Sándor Kocsis, que no futuro também se tornaria seu companheiro de Barcelona.

Em 1946, Kubala, recusou o alistamento militar obrigatório da Hungria e rumou para a Checoslováquia, onde assinou com o Slovan Bratislava, clube da cidade natal de sua mãe. Na atual capital eslovaca, conheceria Anna Viola, sua futura esposa, era filha de Ferdinand Daucík, treinador do seu time e ex-jogador da seleção nas Copas do Mundo de 1934 e 1938.

Enquanto vivia em Bratislava, Kubala foi convocado para servir a seleção do país – afinal, era descendente de checoslovacos. Foi pelo time nacional que László teve o seu primeiro contato com a Itália: em 1947, ajudou os tricolores a vencerem os azzurri por 2 a 0, num amistoso disputado em Bari.

Kubala voltou a Budapeste para defender o Vasas, em 1948, e ainda vestiria a camisa da seleção por três jogos. Por seu talento, poderia ter feito parte da fabulosa Hungria que revolucionou o futebol e foi vice-campeã da Copa do Mundo de 1954, mas o seu destino seria diferente do de Kocsis, Nándor Hidegkuti e Ferenc Puskás.

Em 1949, o craque se alistou no exército da Hungria com um objetivo: fugir do aumento da interferência do regime comunista na sociedade e, sobretudo, no futebol. Conta a história que, vestindo uma farda militar e portando documentos falsos, Kubala atravessou o país na caçamba de um caminhão e andou alguns bons quilômetros, lidando com o rigoroso inverno da Europa Central, até chegar à fronteira com a Áustria. Lá, acabou sendo detido por guardas que, por conta de sua fama como jogador, decidiram libertá-lo para seguir o trajeto.

A Federação Húngara de Futebol, insatisfeita com a fuga do jogador, entrou com um processo na Fifa com o objetivo de puni-lo, uma vez que ele teria quebrado o seu contrato com o Vasas. O pedido dos magiares foi deferido e o craque recebeu uma suspensão de um ano longe dos gramados. Quando o gancho já estava vigente, Kubala trocou a Áustria ocupada pelos Estados Unidos no pós-guerra pelo exílio na Itália: foi levado a um campo de refugiados administrado pelos norte-americanos na Cinecittà, em Roma. A cidade cinematográfica italiana foi usada, por um período, como campo de concentração de prisioneiros de guerra.

Pouco depois, começaria a passagem do craque pelo futebol italiano. Quando os dirigentes de clubes da Itália souberam que Kubala estava no país, houve certo alvoroço. Mesmo que ele estivesse suspenso do esporte, times como Juventus e Torino se interessaram em contratá-lo, mas a agremiação que o acolheu foi a Pro Patria, que também estava acertada com outros fugitivos: o ponta húngaro István Turbéky e o lateral magiar-eslovaco Jenő Vinyei. A presença dos conterrâneos foi vital para que László optasse por se juntar à equipe de Busto Arsizio, na Lombardia.

O clube lombardo estava na Serie A desde 1947 e vivia o melhor momento de sua história sob as ordens do presidente Peppino Cerana, um empresário do ramo têxtil. Cerana conseguiu fornecer proventos a Kubala mesmo sem que o craque tivesse um contrato assinado com os tigrotti, visto que estava impedido de jogar partidas oficiais. Havia um pré-contrato e um acordo de cavalheiros, através dos quais o eslovaco apenas treinava e disputava amistosos com a camisa da Pro Patria.

Sabendo dessa condição do atleta, o Torino, um dos destaques do futebol italiano na época, lhe fez uma proposta. O Toro era tetracampeão nacional consecutivamente, tinha Valentino Mazzola como principal estrela e, principalmente, era treinado por Ernő Egri Erbstein, um húngaro. O presidente Ferruccio Novo convidou Kubala para atuar em um amistoso internacional contra o Benfica. Era uma oportunidade enorme para o jovem jogador mostrar o seu talento e expandir a sua influência para o público da Península Ibérica.

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Contudo, László recusou o convite por um motivo nobre: sua esposa e seu filho haviam recém-chegado à Itália, em fuga da Checoslováquia, e a criança estava doente. Era o efeito colateral de um ato de heroísmo de Anna: em Bratislava, que faz fronteira com a Áustria, ela atravessou o rio Danúbio a nado em um trecho mais seguro, levando o filho do casal sobre um pneu.

A decisão de não rumar para Portugal foi crucial para a vida do craque – literalmente. No retorno de Lisboa, a delegação da equipe italiana se preparava para pousar em Turim quando o avião que a transportava acabou se chocando com a colina da basílica de Superga, matando todos a bordo. A tragédia ocorrida em 4 de maio de 1949 deu fim ao brilhante Grande Torino, que contava com o meia checo Július Schubert, ex-companheiro de Kubala no Slovan Bratislava.

São e salvo, Kubala continuou a treinar com a Pro Patria, que teria o craque Giuseppe Meazza como técnico na temporada 1949-50. Fora dos campos, a diretoria biancoblù fazia de tudo para tentar regularizar o craque, através da anulação ou da redução de seu gancho: diretores e industriais bustocchi chegaram a viajar até Roma para conversar com Palmiro Togliatti, secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI), para que ele intercedesse junto ao governo da Hungria. Nada feito.

Kubala, então, nunca atuaria profissionalmente pela Pro Patria. Ainda na condição de exilado, em novembro de 1950, o eslovaco liderou, junto com Daucík, seu sogro, o esforço de formação de um time de refugiados do Leste Europeu: o Hungaria contava com jogadores checoslovacos, russos, croatas e de outras nacionalidades. A equipe disputou uma série de amistosos, chegou a flertar com a inscrição na liga pirata colombiana e, durante excursão pela Espanha, László chamou a atenção de Josep Samitier, diretor do Barcelona. Os blaugranas venceram a concorrência do Real Madrid e ficaram com o craque.

Como se sabe, Kubala foi atuar no Barcelona e, como troco por ter perdido a disputa, o time de Madrid buscou Alfredo Di Stéfano. Uma das condições para o acerto entre os culés e o jogador foi a contratação conjunta de Daucík, seu sogro, para ser o técnico da equipe. Em junho de 1950, chegava a Les Corts, antiga casa dos catalães, aos 23 anos, um dos responsáveis pelo crescimento do clube.

O Barcelona conseguiu mexer os pauzinhos nos bastidores e, com a ajuda da ditadura do Generalíssimo Francisco Franco, extinguiu a punição de Kubala junto à Fifa. O regime, então, usou o fato para fazer propaganda: promovia a Espanha como um local ameno e receptivo, em contraposição ao que ocorria nos países da Cortina de Ferro, de onde vinha o jogador. A propósito, László – ou Ladislav, em eslovaco – ganhava mais um nome para chamar de seu. Naturalizado espanhol, também passou a ser conhecido como Ladislao.

Depois de ter a sua situação resolvida, Kubala se tornou um ícone culé: no total, fez 280 gols em 345 jogos pelo Barcelona, clube que defendeu entre 1950 e 1961. Aliando dribles, velocidade, chute de enorme precisão e uma força física invejável (em tempos de preparação precária), László sobrava em campo. Sua vitalidade se destacava tanto que, após contrair tuberculose na temporada 1952-53, se recuperou em tempo recorde e voltou aos gramados para garantir o tri da copa nacional e mais uma Liga para o Barça. Na época, aliás, o time ainda não tinha tanta expressão em termos de conquistas. Isso mudou depois que o craque ajudou a encher a sua sala de troféus com 14 taças.

Todo esse sucesso dentro das quatro linhas fez Kubala ter uma estátua erguida em sua homenagem no Camp Nou. Além disso, quando o Barcelona completou 100 anos, László foi eleito, em votação popular, como o maior jogador do clube até então.

Faltou apenas disputar uma Copa do Mundo. Em seus tempos de Barça, Kubala ainda atuou pela Espanha, seu terceiro selecionado nacional, mas não teve a oportunidade de jogar um Mundial: em 1954 e 1958, a Fúria não se classificou. Em 1962, László estava machucado e não pode viajar ao Chile.

No fim de sua carreira como atleta, Kubala viveu uma experiência marcante: em seu jogo de despedida do Barcelona, fez os madridistas Di Stéfano e Puskás vestirem a camisa do rival. Ele, na verdade, colecionava alguns amigos no time merengue. E foi com a ajuda deles que pode rever sua mãe após 13 anos de sua fuga do Leste Europeu: o presidente Santiago Bernabéu e o diretor Raimundo Saporta conseguiram que Anna Stecz entrasse na Espanha franquista mesmo que o país não tivesse relações com a Hungria dominada pelos soviéticos. Os blancos conseguiram um visto especial para a eslovaca, que passou o natal de 1961 com a família e pode conhecer o seu netinho.

Kubala se aposentou definitivamente como jogador em 1967, mas antes disso iniciou uma longeva carreira como técnico. Sua primeira experiência foi no Barcelona, entre 1961 e 1963, e o único título conquistado foi a segundona espanhola de 1988, pelo Málaga. Porém, “Ladislao” marcou época mesmo por dois motivos: pelo trabalho de mais de uma década na seleção da Espanha, de 1969 a 1980, e pela ratificação de seu cosmopolitismo. Além de ter atuado em solo espanhol, o comandante passou por Suíça, Canadá, Arábia Saudita e Paraguai.

Há quem diga que a passagem do jogador foi importante para a construção da identidade catalã do Barcelona. Com suas atuações, o húngaro de origem eslovaca levava multidões aos estádios e as arquibancadas eram o único lugar onde, diante do regime franquista, se podia falar o idioma local. Com isso, assistir Kubala no Camp Nou teria promovido a sociabilidade e a afirmação de um nacionalismo catalão como resistência ao regime de Franco. Verdade ou não, certamente podemos afirmar que o craque cosmopolita causou revoluções por onde passou, seja se recusando a prestar o serviço militar ou atuando de forma majestosa nos gramados. E parte disso só aconteceu porque, durante o outono de 1949, uma pequenina equipe italiana decidiu lhe acolher.

Laszló Kubala Stecz Nascimento: 10 de junho de 1927, em Budapeste, Hungria Morte: 17 de maio de 2002, em Barcelona, Espanha Posição: atacante Clubes como jogador: Ganz TE (1944), Ferencváros (1945-46), Slovan Bratislava (1946-48), Vasas (1948-49), Pro Patria (1949-50), Barcelona (1951-61), Toronto City (1963), Espanyol (1963-65), Zürich (1966-67) e Toronto Falcons (1967) Títulos como jogador: Copa do Generalíssimo (1951, 1952, 1953, 1957 e 1959), La Liga (1952, 1953, 1959 e 1960), Copa Latina (1952), Copa Eva Duarte (1952 e 1953) e Copa das Feiras (1958 e 1960) Carreira como treinador: Barcelona (1961-63 e 1980), Espanyol (1963-66), Zürich (1966-67), Toronto Falcons (1968), Córdoba (1968-69), Espanha (1969-80 e 1992; olímpica), Al-Hilal (1982-86), Murcia (1986), Málaga (1987-88), Elche (1988-89) e Paraguai (1995) Títulos como treinador: Segunda Divisão Espanhola (1988) Seleção checoslovaca: 6 jogos e 4 gols Seleção húngara: 3 jogos Seleção espanhola: 19 jogos e 11 gols

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