Drummond, Rodrigues, Galeano e mais: A majestade de Pelé segundo 11 craques das letras | OneFootball

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Trivela

·29 de dezembro de 2022

Drummond, Rodrigues, Galeano e mais: A majestade de Pelé segundo 11 craques das letras

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* Texto publicado originalmente em outubro de 2020

Conta Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, que sua mulher sempre brinca por uma situação ocorrida na lua de mel. O casal veio ao Rio de Janeiro desfrutar de suas núpcias, mas, no dia seguinte ao desembarque, já estava no Maracanã. O peruano era fanático por Pelé e levou a esposa para assistir a um Brasil x Alemanha Ocidental nas arquibancadas. O Rei fez dois gols. Apesar da situação inusitada, nunca se arrependeu. “Pelé era um criador que se divertia jogando. Um homem a quem o brilho era tão importante quanto a eficácia. Não me emocionei tanto com alguém como foi com Pelé. Tinha imaginação, graça, elegância”, diria Vargas Llosa, em 2008, entrevistado pelo jornal AS.


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Pelé tinha a capacidade única de encantar. E sua magia não escolhia público, atravessava quaisquer barreiras. O Rei tinha os tipos mais diferentes de súditos, inclusive algumas das mentes mais privilegiadas da literatura. E eles se rendiam ao camisa 10. Para homenagear Pelé, separamos 11 textos de grandes escritores. Alguns deles são Imortais da Academia Brasileira de Letras, outros se dedicaram à crônica esportiva. Há diferentes tipos de textos, inclusive uma entrevista, assinada por Fernando Sabino logo após o Gol 1000. Palavras pinceladas para dimensionar a grandeza do maior de todos os tempos.

Carlos Drummond de Andrade

Nelson Rodrigues

 Rachel de Queiroz

O futebol e o Rei

Jornal O Povo, 18 de julho de 1998

Futebol, no Brasil, é como esses imigrantes que, de tal forma se afeiçoam ao país de adoção, a ponto de excederem em patriotismo os próprios nativos. E acabou mudando de nome. Quando eu era menina, os jornais já falavam no esporte, mas sob o seu nome inglês de foot-ball. Aos poucos os jornais foram adaptando não apenas o nome do esporte, mas a própria designação de sport, para esporte. Goal keeper passou a ser goleiro, back, beque; e traduziu-se, claro, esse goal, que também passou a ser simplesmente gol. Assim, através dos anos, aqueles que as folhas, de início, chamavam de “esporte bretão”, é hoje o esporte mais querido, exercido, praticado, estudado e sobretudo preferido, em todo o território nacional.

Ainda há poucos dias vi, numa foto de jornal, índios amazônicos nus, apenas com um cipó na cintura, jogando uma perfeita partida de futebol. Tinha até apito, instrumento que, tratando-se de índios, deve ser essencial. Em qualquer lugarejo perdido, se três ou quatro garotos se juntam, improvisam uma bola e se põem a chutar. Aliás, dizem é que desses meninos pobres de interior ou de subúrbio, que nascem os melhores craques. Eles não têm as obrigações escolares rígidas dos meninos classe-média, nem os pais, aspirações burguesas para os seus rapazes. Todos os nossos grandes craques se formaram assim, nas peladinhas de terreiro.

Mas houve um tempo em que as coisas eram muito diferentes. Quando o esporte apareceu aqui foi pela mão dos grã-finos (então chamados de “elite”). Lembro-me de uma cançoneta (os mais velhos devem recordar o gênero “cançoneta”, uma cantiga curta, celebrando ou referente a qualquer tema especial, infalível nos programas de festas escolares ou em representações de amadores, onde sempre aparecia um jovem cantando a sua cançoneta). Pois quero lembrar uma cançoneta por nome Foot-ball que diz assim: “Este esporte está na moda/ é de gosto internacional, os rapazes da alta-roda/ não conhecem outro igual”… Isso mesmo, os rapazes da alta-roda que o trouxeram da Inglaterra. Quando começou aqui, também só os grã-finos o praticavam. Um filho do escritor e acadêmico Coelho Neto, por nome Emanuel e apelido de Mano, era jogador, e parece que foi morto em consequência de uma bolada no peito; o pai até escreveu um livro intitulado Mano dedicado ao filho, onde chorava a perda do rapaz e, creio, lhe cantava os méritos esportivos.

E, depressa, dos campos nos jardins dos ricos, o jogo foi se espalhando pelos fundos de quintal, pelos terreiros suburbanos. E, hoje, creio que em nenhum outro lugar do mundo o futebol é tão amado, tão assumido, tão brasileiro quanto o é no Brasil. Por isso é que a perda do “penta” (que já nos adoçava a boca, como conquista garantida) doeu tanto, foi quase um luto nacional. Vi senhoras idosas chorando, velhos burocratas falando tão agravados quanto se tivessem sofrido um golpe pessoal. Aliás, tudo quanto é brasileiro, da criança ao idoso, lamenta e chora a “usurpação” da Copa, feita pela França.

E vá dizer a verdade, que a França mereceu, que ela jogou melhor, arrebatando o nosso “penta”! Neste momento de ira, “La belle France” é o grande vilão. Mas que é que se há de fazer? Paixão é isso. E quando a gente sugere que de quatro em quatro anos tem Copa, quem sabe no ano 2002 a gente ganha…? Eles nos olham com desprezo e chegam a nos apodar de traidores.

A sorte é que, ao início da nova temporada, as lágrimas se enxugam, as esperanças renascem. É o eterno ciclo da vida. Futebol é como a vida mesmo, se repete e se renova. Quem foi vencedor hoje pode estar entre os últimos, ano que vem. Pelo menos esta é a nossa esperança.

O mal pior é se perderem as coroas e as glórias que pareciam propriedades nossas. Imaginem se eles descobrem um novo rei, destronam Pelé? Falei “destronar” de propósito, pois que Pelé é realmente um príncipe, não só pelas suas qualidades de atleta, mas pelo seu comportamento social, pela dignidade que levou ao seu lugar de “primeiro jogador do mundo”, e pela gentil naturalidade com que exerce essa suserania. Todo o mundo não viu? Durante esses jogos da Copa 98, quando havia uma dúvida, quando se discutia uma jogada duvidosa, a quem o árbitro, ou os árbitros pediam a palavra decisiva? Claro que a Pelé, sempre oculto e sempre presente, porque Pelé não se exibe. Mas está sempre ali; ainda no último domingo, numa hora crítica, o árbitro exclamou: “Vamos perguntar ao Pelé!” E como que abriu uma cortina, tirou de lá o Rei, que tranquilo, quase sorridente, como se pedisse desculpas por ser tão importante, deu a sua opinião (frisando o termo “opinião”), a qual, naturalmente, foi a sentença adotada.

Pelé não joga mais, aposentou-se. Uma das decorrências lamentáveis da sua real posição: rei não disputa, rei que se preza não briga, não tem preferências, tem que ser impecavelmente imparcial. Tal como faz Pelé. É como ficará fazendo, até ficar velhinho. Pois que Pelé, como todo rei de boa cepa, jamais perde a majestade.

Vinícius de Moraes

Um abraço em Pelé

Eu ainda não tive o prazer de lhe ser apresentado, meu caro Pelé, mas agora, com o fato de termos sido condecorados juntos pelo governo de França – você no grau de Cavaleiro e eu no de Oficial: e mais justo me pareceria o contrário – vamos certamente nos conhecer e tornar amigos. Ninguém mais que você merece tão alta distinção, sobretudo por ter sido conferida espontaneamente – pois ninguém mais que você tem levado o nome do Brasil para fora de nossas fronteiras. Da Sibéria à Patagônia todo mundo conhece Pelé; e eu estou certo de que você entraria fácil na lista das dez personalidades mais famosas de nossos dias.

Não posso disfarçar o orgulho que a condecoração me causa, embora seja, de natureza, avesso a honrarias; e orgulho tanto maior porque nela estamos juntos: preto e branco (as cores do meu Botafogo!) e também as cores irmãs de nossa integração racial. Sim, caro Pelé, nós representamos, em face da comenda que nos é conferida, o Brasil racialmente integrado, o Brasil sem ódio e sem complexos, o Brasil que olha para o futuro sem medo porque, apesar dos pesares, é bom de mulher, bom de música, bom de poesia, bom de pintura, bom de arquitetura e bom de bola. Particularmente por isso considero-me feliz de estar a seu lado no momento em que nos colocarem no peito a condecoração.

Que você tenha sido distinguido pela Ordem Nacional do Mérito da França nada me parece mais natural. A França sempre deu um alto valor ao gênio, e você, meu grande Pelé, é um gênio completo, porque o seu futebol representa um reflexo imediato de sua cabeça nos seus pés. Eu não sou gênio, não. Eu tenho que pensar um bocado para que a mão transmita direito o que a cabeça lucubrou. Meus gols são mais raros que os seus. Você é com justa razão chamado o Rei. Quanto a mim, que rei sou eu?

Mas nada disso turva a satisfação que sinto em ser o seu Coutinho nesta nova investida do Brasil na área internacional. Parabéns, meu caro Pelé. Parabéns e o melhor abraço aqui do seu irmãozinho!

Luis Fernando Veríssimo



Eduardo Galeano

Cem canções falam seu nome. Aos dezessete anos foi campeão do mundo e rei do futebol. Não tinha vinte anos quando o governo do Brasil o declarou tesouro nacional e proibiu sua exportação. Ganhou três campeonatos mundiais com a seleção brasileira e dois com o Santos. Depois de seu gol número mil, continuou somando. Jogou mais de mil e trezentas partidas, em oitenta países, uma partida atrás da outra em ritmo de pancadaria, e fez quase mil e trezentos gols. Uma vez deteve uma guerra: a Nigéria e Biafra fizeram uma trégua para vê-lo jogar.

Vê-lo jogar bem valia uma trégua e muito mais. Quando Pelé ia correndo, passava através dos adversários como um punhal. Quando parava, os adversários se perdiam nos labirintos que suas pernas desenhavam. Quando saltava, subia no ar como se o ar fosse uma escada. Quando cobrava uma falta, os adversários que formavam a barreira queriam ficar de costas, de cara para a meta, para não perder o golaço.

Nasceu em casa pobre, num povoado remoto, e chegou ao cume do poder e da fortuna, onde os negros têm a entrada proibida. Fora das canchas, nunca doou um minuto de seu tempo e jamais uma moeda caiu de seu bolso. Mas os que tivemos a sorte de vê-lo jogar, recebemos dele oferendas de rara beleza: momentos desses tão dignos de imortalidade que a gente pode acreditar que a imortalidade existe.

Fernando Sabino

Encontro marcado com Pelé

Revista Manchete, novembro de 1969

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Silva Mello

Pelé e os Intelectuais

Correio da Manhã, 28 de maio de 1966

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Sérgio Rodrigues



Armando Nogueira

Jornal do Brasil, 17 de junho de 1970

“Tenho 12 anos de Pelé. Sou do tempo em que ele matava no peito e, antes de fulminar o goleiro sueco, ainda arranjava um lençol no beque mais próximo. Conheço o de mil tabelinhas: quando não havia Pagão, ele tabelava com Coutinho – quando não havia Coutinho, ele tabelava com Tostão – quando não havia ninguém, ele tabelava com as pernas do próprio adversário. Pelé dos gols de placa, dos dribles verticais, oblíquos, horizontais. Pelé das antevisões criadoras de espaços impressentidos. Pelé, ao mesmo tempo arco e flecha, acionando e alvejando”.

“Quantos gols de cabeça, Pelé? Pelé, milagre de equilíbrio a romper estaturas individuais e coletivas no terreno congestionado da grande área. Quanta coisa bonita inventaste pelos campos deste mundo, amigo Pelé: a paradinha, não sei por que proibida; o drible incisivo, aplicado com o pé em faca; a falsa hesitação que aterra o beque; o soco no ar, superlativo do próprio gol”.

“Cheguei ao Mundial de 70 espiritualmente preparado para aplaudir um novo Pelé-futebol-reflexão. Pelé de 30 anos, futebol de fita métrica. E, de fato, ele aí está maduro, precioso, calculista. Mas, como a face do líder não sacrifica o gênio do artista, ele aí está também, imaginoso como sempre, irresistível como nunca”.

“A bola da Copa não é branca, nem amarela, nem preta-e-branca, nem Adidas, a bola da Copa é aquele imenso lençol de Pelé contra o goleiro tcheco, na fase de grupos. A bola da Copa é aquele bate-pronto de Pelé, puro improviso que eu aplaudi, vendo o goleiro uruguaio fazer a mais aflita acrobacia para evitar o gol. A bola da Copa é o gesto sem bola de Pelé, aplicando em Mazurkiewicz maravilhoso corta-luz-clarão de inteligência que a memória dos meus olhos não esquecerá jamais”.

“Pelé, do repertório inesgotável, legenda de mil gols e, em cada gol, um gesto nas arquibancadas: lágrimas, risos, rezas, morte, talvez”.

“Mas, não sei: eu sempre senti Pelé o símbolo do futebol, nunca a encarnação de um time de futebol. Ele podia fazer sozinho a obra de um time inteiro, mas não sabia ser parcela do time. Entende, leitor? Ele é tão bola, tão futebol, que seu destino nunca foi jogado na mesma parada de sua equipe”.

“Por isso, muito prazer, Pelé-equipe: ‘Hoje’, dizia ele na manhã da estreia contra a Tchecoslováquia, ‘hoje, cada um de nós vai ter que correr por dois’. E desde então, Pelé tem vivido, com a firmeza de um líder, cada minuto sua Seleção. Ele inventa, como artista, um gesto sublime e, no instante seguinte, atira-se aos pés do rival para tomar-lhe a bola. Ele corre o campo inteiro, atento a tudo e a todos: aplaude a falha do colega, esbraveja na violência do adversário, concilia com o árbitro, dá a tônica da bravura e da humildade”.

“Vocês se lembram daquela que contei, depois do jogo com a Inglaterra: os fotógrafos estavam querendo arrumar a equipe para uma fotografia pretensiosa. Pelé, que estava lá em baixo trocando a camisa com Bobby Moore, veio correndo e expulsou o próprio time do campo: ‘Não é hora de fotografia, não. A Copa ainda não acabou'”.

“Não faz um drible a mais, nem um drible a menos: é a conta certa de quem joga com a disciplina de um soldado. Até nos clarões, Pelé está funcionando com absoluto realismo. Ele não retoca o chute, não requinta o drible, não enfeita o passe e nem recusa o combate. Dá-se integralmente ao destino da equipe, merecendo, por isso, o respeito profundo de todos os companheiros”.

“No gol de Cubilla, vi lá de cima alguns jogadores levarem à cabeça as mãos do desespero. Mas vi no mesmo instante Pelé acenando, gestos largos a recomendar calma: ‘Calma, pessoal, que nós vamos lá’. E foram mesmo. Não tendo em Pelé a salvação, mas tendo nele um precioso estímulo à salvação”.

“É porque Pelé deixou de ser o time para ser do time. É que ele chega à final de 70 como o mais decisivo líder de equipe neste Mundial. Pelé, cidadão do mundo, cidadão do Mundial”.

Thomaz Mazzoni

Pelé e os Outros

Eu Sou Pelé, 1961

O mais fantástico no descobrimento de Pelé, levado a cabo por Valdemar de Brito, em 1955, é a semelhança física, características etc., entre ambos. Na época faustosa do Valdemar, Édson ainda não havia nascido. Pelé já dava seus primeiros chutes na bola quando Valdemar já não mais praticava o futebol. Nunca Pelé, portanto, viu seu “descobridor” numa cancha. Não poderia tê-lo copiado, mas herdou tudo dele e foi além.

Um bom punhado de anos depois que deixou o futebol, Valdemar se encontrava em Bauru, em razão de suas tarefas profissionais e, vendo os infantis jogarem, apreciou muito o garoto Pelé. Ficou espantado, como se estivesse se vendo num espelho mágico, que o mostrasse como era ele, vinte anos atrás, como se estivesse vendo a imagem do fabuloso “bailarino” do São Paulo F.C., que abismou o futebol brasileiro em 1933 com suas fintas diabólicas, a sua ligeireza de gato, os seus gols relâmpagos. O Valdemar da seleção do Brasil, na Taça do Mundo de 1934, o mesmo que, em 1936, foi substituir seu famoso irmão no São Lorenzo de Almagro, de Buenos Aires, e que ficou na história do futebol brasileiro e argentino como um dos maiores centroavantes de todos os tempos.

Não há dúvida – pensou ele.

– Este garoto é a minha imagem. Sou eu mesmo!

Valdemar não teve dúvidas. Estava ali seu herdeiro futebolístico, ou se tratava de uma reencarnação futebolística?

Se confrontarmos uma fotografia de Valdemar, no início de sua carreira, em 1930, com uma de Pelé, debutante em 1956, ficaremos abismados com a estampa igual. E, quando foi visto pela primeira vez na Vila Belmiro, ainda calouro desconhecido, dando seus primeiros passos no Santos F.C., todos disseram:

– Este menino é um novo Valdemar!

Que estranha coincidência é essa? Nunca, porém, se poderia profetizar quem seria aquele garoto vindo de Bauru dois anos mais tarde. Foi assim que Pelé, rapidamente passou a ocupar o décimo lugar na ordem de sucessão cronológica dos maiores futebolistas negros do Brasil. Depois que o primeiro deles (Tatu, meia-esquerda do Corinthians) se tornou campeão sul-americano na seleção brasileira, em 1922.

Petronilho de Brito, Fausto dos Santos, Domingos da Guia, Leônidas da Silva, J. Augusto Brandão, Valdemar de Brito, Zizinho, Djalma Santos, Didi e Pelé, eis os dez negros que se seguiram, mais famosos, entre milhares.

Descrever esses valores máximos do futebol negro brasileiro seria escrever um tratado… Pelé, expressão máxima dos campeões mundiais de 1958 e, portanto, o ídolo da sua geração, a atual, completa o quarteto de ouro dos ídolos do “association” brasileiro em todos os tempos: Friedenreich, Leônidas, Ademir, Pelé.

Fried (“El Tigre”) culminou com o nosso futebol amador, figura ímpar do vitorioso campeonato sul-americano de 1919 e da épica temporada do C.A. Paulistano, na Europa, em 1925. Centroavante fenomenal, goleador que transportou sua carreira até aos 43 anos de idade e que entre as suas mil façanhas estabeleceu um recorde impressionante. Contando, já 38 e 39 anos, ainda marcou: 26 e 32 gols, respectivamente, no campeonato de São Paulo, em 1930 e 1931.

Leônidas, o artilheiro número um da Taça do Mundo de 1938, inventor da “bicicleta”, o “homem de borracha”, atingiu o auge em 1943 e foi o maior ídolo de sua geração, seguido de Ademir, a expressão máxima do decênio seguinte, a quem somente um golpe da fatalidade arrebatou a Taça do Mundo de 1950.

Pelé nasceu sob o signo da vitória, predestinado a se tornar o maior futebolista do mundo, já antes do feito da Suécia. E, no entanto, quase que sua consagração internacional deixou de acontecer em 1958. Um pontapé mais violento de um adversário, numa partida local, pré-Taça do Mundo, quase fez ficar o nosso Edson no Brasil e, depois, por um triz não regressou da Europa, porque a contusão no joelho não parecia de fácil recuperação. Não fosse ele, então, um rapaz de 17 anos, e seria um nome ausente no VI Campeonato da FIFA. Aliás, nas primeiras duas partidas, contra a Áustria e a Inglaterra, não pode entrar em campo. Depois, todos sabem o que aconteceu.

Pelé é o futebol taquigrafado. Em nosso País tornou-se já um quebra-cabeças a discussão sobre quem teria sido melhor, mais completo. Se Fried, Leônidas, Ademir ou Pelé.

Em futebol, especialmente entre o passado e o presente, qualquer comparação é difícil, penosa, e quase impossível, especialmente para os que não alcançaram as gerações passadas. Cada época tem os seus ídolos, seus campeões, pelo que fazem e valem, que não podem ser julgados e comparados medindo-se, pesando-se seus gols e seus feitos.

O jogo científico de Fried, o malabarismo desconcertante de Leônidas, a lucidês e raciocínio de Ademir, o drible sóbrio, a intuição do passe, o tiro certeiro, o governo da bola, a improvisação de todos os nossos melhores craques, como Formiga, Neco, Feitiço, Lelé, Tim, Romeu, Jair, Heleno, Julinho, Didi, Garrincha, da elite dos grandes avantes da seleção brasileira, de ontem e de hoje, tudo se concentra, se sintetiza e se completa em Pelé. Tem ele, na mecânica do seu jogo, muito de tudo e de todos. É a essência de toda uma escola fabulosa. Reúne tudo o que a arte de jogar bola melhor exige. Por isso, nos detalhes de suas geniais jogadas, Pelé nos faz voltar à memória tudo o que diante dos nossos olhos os maiores campeões do futebol brasileiro executaram, desde os tempos do saudoso Velódromo.

E não esqueçamos que os garotos de ouro da história do “soccer” nacional são em número elevado: Heitor, Mário Andrada, Nilo, Filó, Giusti, Araken, Prego, Ministrinho, Lima, Coutinho… Garotos que se consagraram entre 16 e 18 anos. Ninguém, porém, em apenas dois anos, atingiu a fama mundial de um Pelé. Um fenômeno de rápida ascensão internacional. Talvez na Europa apenas a do italiano Meazza (estreou aos 17 anos) se aproxime algo do nosso Édson. Também na fama irradiada pelo mundo, nem a do apogeu do próprio Puskas, em 1954, atingiu tanta intensidade. Sim, porque a Hungria de Puskas, durante o seu “reinado” de cinco anos, foi apenas uma equipe européia, basta se diga que não jogou uma única partida na América do Sul, enquanto o Brasil de Pelé (1958-1961) é uma equipe internacional, aliás, a única na história da “Jules Rimet” que obteve o título num continente que não é o seu.

Ainda, comparando-se Pelé aos outros supercampeões, ele supera a fama mundial do maior futebolista negro do passado, Leandro Andrade, o “astro” cintilante do Uruguai no torneio olímpico de 1924, o futebolista que desfrutou, na Cidade Luz, naqueles dias, mais fama do que Josephine Backer, então na culminância artística. Superou de muito a fama de Bem Bereck, outro futebolista negro, que reinou no futebol da Europa.

Pelé, no recente torneio de Paris, e no Torneio Itália-61, foi além: foi o “Monsieur Football”, foi “La otava maraviglia del mondo”. Como ídolo mundial, entre os milhares de campeões de renome internacional, Pelé já está no nível daquele número restrito que forma a vanguarda em todos os tempos: Dempsey, Carpentier, Nurmy, Suzanne Lenglen, Joe Louis, Stanley Matthews, Fausto Coppi…

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