
Central do Timão
·25 de julho de 2025
Documentos e gravações revelam bastidores de apuração interna do Corinthians sobre suposto esquema de notas frias

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·25 de julho de 2025
Nas últimas semanas, os bastidores do Corinthians têm sido agitados por denúncias relacionadas às gestões recentes do clube. Acusações de uso do cartão corporativo para gastos pessoais e suspeitas sobre despesas registradas com notas fiscais levaram torcedores, associados e grupos políticos a pressionarem os órgãos de fiscalização por investigação e responsabilização, com foco especial nas gestões de Andrés Sanchez e Duilio Monteiro Alves.
Com isso, um caso anterior voltou à tona: denúncias veiculadas entre junho e agosto de 2024 pelo influencer Fábio Macedo, que mantém a página Blog do Macedo no X (antigo Twitter), sobre um suposto esquema de notas frias no Corinthians. Ao todo, foram publicadas três notas fiscais emitidas em 2023 por um restaurante em Guaianases/São Paulo, nos valores de R$ 7.320 (supostamente emitida em 22 de novembro), R$ 6.300 (26 de outubro) e R$ 7.240 (26 de dezembro) – um total de R$ 20.860.
Foto: Divulgação/Corinthians
Na época, o presidente Augusto Melo (atualmente afastado das funções) se manifestou sobre o caso ao ser procurado pelo portal Meu Timão, e reclamou do vazamento do caso. “Soube das notas pela imprensa. Como tudo se vaza aqui dentro, repassamos ao jurídico para as averiguações necessárias. A gente entende que o clube está bem amparado e vamos atrás dos responsáveis”, disse.
Quem também se manifestou ao mesmo portal, no momento em que as denúncias surgiram, foi Romeu Tuma Júnior, presidente do Conselho Deliberativo (CD). Sobre o caso, ele declarou: “Se receber qualquer denúncia, sobre qualquer fato, minha conduta é verificar se tem documentos, se tem fundamento e após análise encaminhar para os órgãos competentes para apurações.”
A apuração interna
Mas isso realmente aconteceu? Alguma investigação interna foi, de fato, conduzida? Para responder a essa pergunta, a Central do Timão acessou documentos e ouviu diferentes personagens envolvidos direta ou indiretamente no caso. A reportagem obteve parte dos registros da apuração realizada internamente, bem como das conclusões levantadas antes do envio dos materiais às autoridades policiais.
Um dos documentos obtidos pela reportagem é um ofício do Conselho Deliberativo, datado de 15 de agosto de 2024, três dias após a publicação das duas primeiras notas por Macedo. O documento é endereçado ao então diretor jurídico Leonardo Pantaleão, e nele Tuma cita as denúncias e as cobranças feitas para que o Corinthians investigasse o caso. Também questiona se o departamento jurídico chegou a ser acionado pelo setor financeiro em algum momento para investigar os fatos.
Além disso, Tuma afirma ser “grave” a possibilidade de que documentos tenham sido repassados por pessoas de dentro do clube para serem expostos por terceiros, sem que qualquer denúncia interna tenha sido formalizada. O ofício encerra com um pedido para que o departamento jurídico esclareça se foi, em algum momento, comunicado sobre o suposto esquema, e informa que o caso seria encaminhado às autoridades para investigação do vazamento interno.
A resposta de Leonardo Pantaleão foi enviada 11 dias depois, em 26 de agosto, por e-mail direcionado a Romeu Tuma e ao gerente administrativo Airton Luiz da Silva. No texto, ao qual a Central do Timão também teve acesso, o diretor jurídico afirma que o clube nunca havia recebido qualquer denúncia sobre um suposto esquema de notas frias, alegando que tomou conhecimento do caso apenas após as publicações feitas por Macedo.
Pantaleão acrescentou que, após o recebimento do ofício do Conselho Deliberativo, o departamento jurídico manteve “inúmeros contatos” com o setor financeiro, por meio do então gerente Luiz Ricardo Alves, conhecido como “Seedorf”. O objetivo era obter ao menos cópias das notas fiscais divulgadas por Macedo, para que os gastos pudessem ser rastreados e investigados. No entanto, Seedorf afirmou ao diretor jurídico que não localizou as notas em questão no departamento de contabilidade do clube.
O e-mail é encerrado com a informação de que, diante da resposta de Seedorf e da não localização das notas fiscais pelo clube, o departamento jurídico não teria meios para dar continuidade às apurações. “Ademais, na semana pretérita, formalizou-se, pelo Depto. Jurídico, que, diante da não localização dos documentos objeto da postagem efetuada no ‘Blog do Macedo’, restava inviabilizada qualquer providência desse Departamento, em face da impossibilidade de se comprovar a suposta materialidade delitiva“, concluiu Pantaleão.
Reunião para esclarecimentos
Esta apuração preliminar já havia sido noticiada, com menos detalhes, pela Central do Timão no final de agosto de 2024. Pouco tempo depois, já no início de setembro, o tema foi retomado dentro do Parque São Jorge, por meio de uma reunião solicitada por Macedo e seu advogado Douglas Blasi para tratar das denúncias.
O encontro, que foi gravado, contou com a presença de Romeu Tuma Júnior e também de Roberson de Medeiros, o “Dunga”, vice-presidente do Conselho Deliberativo e presidente da Comissão de Ética e Disciplina (CED) do Corinthians. A Central do Timão teve acesso a trechos da transcrição da reunião, que teve duração total de 1h50. Em um dos momentos, por exemplo, Tuma apresenta a Macedo o posicionamento do departamento financeiro do clube sobre o caso:
Tuma: “Você (Macedo) falou que a gente não estava fazendo nada. Que dessa vez esperava que o jurídico pudesse apurar. E cobrando as autoridades do público, autoridades de transparência, o Conselho. Então eu fui apurar. Aí mandei para o jurídico cobrando a nota (fiscal). O jurídico não tinha nada. Instaurou um procedimento e nós chamamos o financeiro. E o financeiro falou que não tinha as notas do clube. Então, assim, todo mundo aqui negou que tem essas notas. Como você publicou, eu falei:
‘Então eu vou mandar para a polícia’. Eu já preparei tudo para mandar para a polícia. Eu fui até lá ver.”
Macedo: “Sim, sim.”
Tuma: “Só que depois da hora que a gente foi apurar, os caras falaram: ‘Não tem nota aqui’. P*rra, como é que não tem nota aqui (Corinthians)? E o Macedo tem?”
Questionado sobre a origem das notas fiscais que publicou em sua página, Macedo afirmou a Tuma que não tinha os documentos originais, apenas fotos. Três pessoas ligadas ao clube foram citadas, direta ou indiretamente, como envolvidas no vazamento: além de Seedorf, o ex-diretor administrativo Marcelo Mariano e o ex-coordenador de redes sociais Washington Araújo, este último apontado por Macedo como o responsável pelo envio das imagens.
Macedo: “Ninguém falou comigo.”
Tuma: “Pode falar a verdade.”
Macedo: “Então. Eu conversei com essa pessoa, e ela chegou para mim e falou assim…”
Tuma: “Quem é essa pessoa?”
Macedo: “É o Washington. Ele me mandou as notas.”
Um detalhe importante sobre este tema diz respeito à própria rotina de trabalho do departamento financeiro, pois trata-se de um dos setores com acesso controlado via biometria facial no Parque São Jorge. Em outras palavras, isso significa que apenas pessoas autorizadas têm condições de acessar documentos fiscais e contábeis do clube.
Diante do impasse ao qual chegou a apuração interna do Corinthians, e considerando a gravidade das alegações, o presidente do CD encaminhou o caso à 5ª Delegacia de Polícia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva (DRADE), do DHPP. O inquérito, que ainda está em andamento, tramita sob sigilo.
A palavra dos envolvidos
A Central do Timão procurou alguns dos envolvidos no caso. Leonardo Pantaleão reiterou que o Jurídico não teve acesso às notas fiscais.
“Na ocasião, foi indagado ao Financeiro por diversas vezes e o departamento informou que essas notas não haviam sido localizadas. A partir disso, oficializei uma resposta ao Conselho, dizendo que, sem os documentos, era impossível aferir a materialidade do crime e, consequentemente, não teríamos como tomar providência oficial em relação à lavratura de boletim de ocorrência ou algo do gênero. No e-mail que encaminhei ao Conselho Deliberativo, inclusive, foi incluído em cópia uma pessoa que tinha ciência da não localização dessas notas”, afirmou o superintendente jurídico do Timão.
Seedorf também foi procurado e ouvido pela reportagem. Negou qualquer envolvimento com a denúncia, alegando não conhecer Macedo, e afirmou não ter repassado nenhum material para ele ou para terceiros. No entanto, confirmou que, a pedido do departamento jurídico, chegou a procurar as notas fiscais nas dependências do clube, mas não as localizou. Ele foi posteriormente desligado de suas funções após o afastamento cautelar do presidente Augusto Melo pelo CD.
Fábio Macedo foi procurado e se manifestou por meio de seu advogado Douglas Blasi, que confirmou a realização da reunião e a menção ao nome de Washington Araújo durante o encontro. Blasi negou, no entanto, que Macedo tenha tido qualquer contato com Seedorf. Já Dunga também foi procurado pela reportagem e relatou o que se lembra da ocasião: “Na realidade, entrei no meio da conversa. Nem sabia que era o Macedo. O Romeu (Tuma) quem conduziu, mas eu estava, sim, nessa reunião. Foi uma situação mais para alertá-los sobre as responsabilidades e tal“, disse.
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