Calciopédia
·09 de agosto de 2022
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Quando se é criança e se cultiva o sonho de ser um jogador de futebol, dificilmente alguém tem o desejo de virar um goleiro e atuar num time da Serie C1 italiana. Pior ainda seria imaginar que, aos 25 anos, deveria lidar com o desemprego e a sombra de uma possível desistência. Porém, a carreira de Rafael foi uma eterna luta contra as adversidades. Após se profissionalizar pelo Santos, o arqueiro rodou por alguns clubes de divisões inferiores até se destacar pelo São Bento e ser levado para o Verona, então na terceira categoria da Velha Bota, em 2007. Foi o caminho – improvável, é verdade – para a idolatria.
Paulistano, Rafael começou a jogar futebol em seu próprio estado. Nas categorias de base, representou Nacional e Corinthians, mas teve os primeiros momentos de destaque pelo Juventus. Em 2000, foi vice-campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior pelo Moleque Travesso e, logo em seguida, passou ao setor juvenil do Santos, onde passou a ser conhecido como Rafael Pinheiro. Nos juniores do Peixe, encontrou a geração de Diego, Elano e Robinho.
Em 2002, o Santos estava em crise e o técnico Emerson Leão precisou usar os garotos da base durante o Brasileirão. Com muita dificuldade, a equipe conseguiu se classificar para o mata-mata do torneio, em oitavo lugar, graças a uma combinação de resultados. Rafael fez sua estreia neste campeonato e disputou quatro partidas, após Fábio Costa e Júlio Sérgio se machucarem.
Com a sequência do torneio, tudo mudou. Foi o início do show dos Meninos da Vila, que se tornaram campeões brasileiros após baterem o Corinthians nas duas partidas das finais, eliminando São Paulo e Grêmio no caminho. Mas, apesar do título, Rafael não conseguiu ter sequência no Santos e sua carreira estagnou. Chegou a jogar a Série A2 do Paulista pelo Flamengo de Guarulhos, em 2004, e ficou meses sem clube. Fez testes no Villenshafen, da Alemanha, no Sheffield United, da Inglaterra, e passou um tempo no Shakhtar Donetsk, porém nada deu certo. Enquanto isso, estudou, se formou em administração e até ingressou numa pós-graduação.
Rafael enfrentou muitas dificuldades no Brasil e no início de sua trajetória no futebol italiano (Getty)
No fim de 2006, após uma indicação do amigo Elano, Rafael fez um teste no São Bento, que estava se preparando para o Paulista de 2007 e seria treinado pelo saudoso Freddy Rincón. Prestes a completar 25 anos, foi aprovado pelo colombiano e se tornou o goleiro reserva do time. A sorte começou a mudar quando o titular se machucou e a vaga caiu em seu colo. Com boas exibições, chamou a atenção de um grupo de empresários, que o levou para jogar a Serie C1 italiana. O destino era o Verona, que tinha um scudetto em sua bagagem, mas vivia um dos momentos mais tenebrosos de sua existência.
Quando Rafael chegou na Itália, o Hellas havia acabado de ser rebaixado para a terceirona, que não jogava havia 64 anos, desde 1943. O brasileiro não teve nem tempo para se adaptar à nova realidade, sendo alçado ao onze inicial de imediato. O objetivo do Verona era voltar à Serie B, mas logo o time se viu envolvido na brigando contra o descenso na temporada 2007-08.
Com defesas importantes e muita regularidade, o paulista ajudou a evitar a queda do Verona, enquanto se desdobrava para aprender a língua de forma rápida, enfrentando o frio, a solidão e os protestos da torcida gialloblù ao mesmo tempo, segundo afirmou em entrevista ao site da ESPN Brasil. O Hellas só se salvou porque venceu o playout contra a Pro Patria.
Mesmo com algumas propostas, Rafael preferiu ficar em Verona e apostou no projeto do time, mirando a primeira divisão. Não poderia ter acertado tanto. Por quatro temporadas permaneceu na terceirona, e sofreu com o fato de o objetivo do Hellas ter ficado a um passo, em 2010. Mas o desejado acesso aconteceu em 2011, inclusive com o brasileiro ocupando o posto de capitão da equipe.
Ao dar a volta por cima, o goleiro Rafael se mostrou um exemplo de fidelidade ao Verona (Getty)
A volta à segunda divisão provocou uma mudança de ares daquelas no Vêneto. De time derrotado, quase falido e pressionado, o Verona passou a ser um postulante ao acesso à máxima categoria. E Rafael, é claro, continuou sendo peça fundamental nessa caminhada. Com grandes defesas, o paulistano foi eleito como melhor goleiro da Serie B 2011-12 e levou o Hellas até as semifinais dos playoffs de promoção à elite. Os butei perderam para o Varese e a vaga ficou com a Sampdoria, mas a campanha serviu de aprendizado para o grupo de Andrea Mandorlini.
Se na temporada anterior a promoção bateu na trave, em 2012-13 Rafael finalmente conseguiu comemorar a obtenção do maior objetivo: o retorno à Serie A, depois de 11 anos longe do topo do futebol da Velha Bota. Durante a campanha, o brasileiro completou 200 partidas com a camisa gialloblù e foi o líder da melhor defesa do campeonato, sofrendo 29 gols em 40 aparições. Inclusive, foi o jogador mais utilizado por Mandorlini, tendo tanta importância quanto os meias Jorginho e Emil Hallfredsson ou os atacantes Juanito Gómez e Daniele Cacia.
Aos 31 anos, o goleiro estreava na Serie A. Ao contrário do que ocorre com muitos arqueiros de times promovidos, Rafael não foi relegado à reserva, em nome de um camisa 1 “com grife”. Pelo contrário, manteve o posto sem qualquer contestação e foi o autor do maior número de defesas do torneio, em 2013-14 – foram 157. Na última rodada do campeonato seguinte, pegou um pênalti de Carlos Tévez e celebrou fazendo o gesto de comemoração característico de Luca Toni. O motivo? Impediu o argentino de encostar na artilharia, que acabou com o colega de clube e com Mauro Icardi, da Inter.
Nessas duas campanhas, o Verona teve boas participações na Serie A, terminando em 10⁰ e 13⁰ lugar, respectivamente. Com uma boa espinha dorsal, a equipe conseguiu se manter na elite de forma tranquila, se apoiando nas defesas de Rafael e nos gols do veterano Toni, além das contribuições de Jorginho, Hallfredsson, Rafa Márquez e Rômulo.
Depois de perder espaço no Verona, Rafael contribuiu para campanhas medianas do Cagliari na elite (Getty)
Apesar da felicidade em 2014-15, foi ao longo dessa temporada que Rafael passou a perder espaço. Primeiro, alguns problemas físicos, o bom momento do veterano Francesco Benussi e a ascensão do jovem Pierluigi Gollini foram fatores que fizeram com que ele sentasse no banco em alguns jogos da Serie A.
O brasileiro iniciou sua terceira temporada na elite como titular do Verona, mas o rendimento dos mastini caiu bruscamente e o goleiro também foi atingido pelo azar. Na 14ª rodada da Serie A, foi expulso em derrota para o Frosinone e viu o presidente Maurizio Setti trocar o comando do elenco: Mandorlini deu lugar a Luigi Delneri, que foi forçado a estrear com Gollini. O novo técnico decidiu manter o garoto no onze inicial e, no mercado de janeiro, Rafael decidiu aceitar uma proposta do Cagliari para disputar a segundona.
Assim, o goleiro encerrou a sua passagem pelo Verona após oito anos e meio. Com 314 jogos, é o quarto na lista de atletas que mais vezes defenderam o clube e o único estrangeiro entre os 10 primeiros. Sem dúvidas, Rafael marcou o seu nome na história do Hellas, ainda que tenha deixado o time numa campanha que culminou em descenso. Durante quase uma década, foi uma das referências dos butei e se mostrou fundamental para resgatar uma instituição que chafurdava no fundo do poço – da mesma forma que a sua carreira se encontrava antes de rumar à Itália. Tivemos, portanto, uma verdadeira relação de mutualismo entre as partes.
Rafael chegou ao Cagliari para ser reserva do também veterano Marco Storari e fez parte do grupo que conseguiu o acesso para a Serie A, jogando apenas uma partida. Na temporada da volta à elite, o paulistano aproveitou uma expulsão do colega para aparecer logo na quarta rodada, quando defendeu pênalti cobrado por Alberto Paloschi e foi fundamental para a vitória dos sardos sobre a Atalanta. Em janeiro de 2017, com a saída do companheiro para o Milan, o brasileiro assumiu a titularidade e, com 21 aparições, ajudou a manter os casteddu na categoria.
Profissionalismo de Rafael lhe abriu as portas para o Spezia, quando já era veterano (Getty)
Nas três épocas seguintes, Rafael voltou a esquentar o banco de reservas e atuou em apenas 18 jogos. Por conta de sua idade, estava contente em ocupar o posto de goleiro veterano do grupo e atuar como uma espécie de tutor do promissor Alessio Cragno.
Em 2020-21, depois de seu contrato com os rossoblù se encerrar, o brasileiro se transferiu para o Spezia, no intuito de agregar experiência a um time que estreava na Serie A. Como Jeroen Zoet se machucou, o veterano recebeu algumas oportunidades e não fez feio: foram quatro pontos somados nas três partidas em que jogou, e ainda forneceu uma assistência na vitória sobre a Udinese. Ou seja, colocou a sua mãozinha na heroica permanência dos bianconeri na elite.
Aos 39 anos, Rafael pendurou as luvas e deu fim a uma carreira que, se não foi repleta de títulos, lhe possibilitou angariar o profundo respeito da torcida do Verona, uma das mais calorosas da Itália. Além disso, o brasileiro também foi um exemplo de profissionalismo e lealdade, algo raro no futebol atual.
Rafael de Andrade Bittencourt Pinheiro Nascimento: 3 de março de 1982, em São Paulo (SP) Posição: goleiro Clubes: Santos (2000-04), Flamengo-SP (2004), São Bento (2005-07), Verona (2007-16), Cagliari (2016-20) e Spezia (2020-21) Títulos: Campeonato Brasileiro (2002) e Serie B (2016)
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